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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Nunca lhe apertei a mão. Nunca lhe disse ao ouvido "obrigada". Sorvi todas as palavras que lhe ouvi, num anfiteatro gigante da que foi minha segunda casa e que rebentava pelas costuras, em 1998. Como sorvi, saboreando devagarinho, todas as que lhe li, em tantos cenários, de Mafra a uma jangada perdida no oceano.

Não li todas, ando a guardar algumas, a tentar racionar as doses que faltam, por serem finitas, sempre com receio que me fine eu antes de ter o privilégio de as ler.

Sou parcial. Das poucas pessoas que admiro enormemente sem ter conhecido, este será o maior. O mais admirável, pelas letras que compunha como nunca ninguém o tinha feito e muito mais pela humanidade. Tenho uma dívida de gratidão para com ele, cujas prestações de pagamento posso tentar ensaiar em cada linha que  escrevo e nunca, ainda que todas juntas e multiplicadas, serão suficientes  para balizar a emoção.

Deu-me tanto. Fez-me tanto. Escreveu a minha vida num século errado. Deu nome ao conjunto de sonhos que trago num molho, atados com corda de enforcar, dentro da algibeira. Deu-me um amor imenso e sem sentido que sobra em mágoa e em perdão. Fez-me rir, chorar, demoliu-me um par de vezes. E ajudou a construir coisas inquebráveis em mim. Uma certeza, uma força, uma verdade que se deve às palavras, a humildade perante a insignificante existência, a prostração perante o amor que nos molda. 

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Parabéns, José. E muito obrigada.