Do outro lado da vidraça, frio. Nevoeiro, chuva. Do lado de cá, um homem em contraluz debruçava-se na cama e exclamava, como se confessasse com vaidade à família, - só que a família não estava lá, presencialmente pelo menos - cheio de ternura no sorriso, confessava "Eu amo tanto esta menina!". A menina sorria, aqueles momentos de amor gratuito e óbvio saíam-lhe pelos poros em memórias renovadas, eram lanternas apontadas aquelas palavras, a calar as dúvidas que a sua natureza e a sua rota lhe tinham cravado na identidade. Naqueles olhares cruzados, eles sabiam que faziam parte um do outro, eles sabiam que eram felizes e queriam que o tempo parasse. Naquelas noites claras, límpidas de razão, a pele era mais macia, os beijos largavam perfume, os cabelos misturavam-se na mesma almofada e dormiam em paz, abraçados, enrolados, de mãos dadas, ambos feitos de açúcar, em casa no peito que tocavam. Naquelas noites frias lá fora, eles eram fogueira, iluminavam tudo em redor e o dia acordava seco, em raios de sol sorrindo para os cães, para os lobos, para as ovelhas. E eles despertavam no quarto, em beijos mornos de certezas, a guardar o sol nos bolsos para uma ou outra noite chuvosa em que fosse necessário recordar.