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Cuca, nos desertos pode nascer a esperança.
Acordámos no deserto. Tínhamos areia debaixo das unhas, dentro dos ouvidos e nas narinas. Não nos dentes. Não, ainda, nessa altura. Não no deserto daquela noite.
Ficámos deitados nas almofadas de veludo da tenda berbere a beber chá de menta enquanto ouvíamos o barulho que faz a noite quando se levanta sobre o deserto sem fim. Com os olhos postos na aurora e as mãos esquecidas nos meus joelhos gelados prometeste-me uma existência sem dor. Ofereceste como testemunhas da tua verdade as cobras, escorpiões, escaravelhos e todas as criaturas rastejantes que conseguiste manter longe dos meus pés nus. Eu não precisava de testemunhas. Nunca duvidei de ti.
Nem quando no dia seguinte os camelos foram incapazes de encontrar as margens do rio e os guias insistiram numa direcção que não era a da tua bússola. Nem aí duvidei de ti.
A promessa daquela noite haverias de a repetir à exaustão. Em cenários dispersos por vários continentes. Sempre com as mãos pousadas sobre os meus joelhos. Aquecidos.
Cumpriste-a postumamente.
Cauterizou-me os nervos o sol desse outro deserto em que acabaste por me abandonar.
Deixei de sentir dor.
Mas nessa altura passei a duvidar. De mim.