Todos precisamos dum momento Calimero every now and then. Tentar ser e tentar parecer sempre invencível, inabalável, forte, solid as a rock, o pilar de tudo e todos, a postura sempre recta e sem fraquezas é uma merda.
As pessoas começam a esperar que nos aguentemos a tudo, que sejamos sempre os bombeiros de serviço nos cataclismos, ainda que sejamos os primeiros a levar com o tecto em cima. Se passamos a imagem de super-homens e super-mulheres, não devemos levar a mal quando os outros se sentem defraudados se só nos apetece ser o banal fraquinho e incapaz.
Porra, não tenho condições de ser super-mulher agora, ok? Não aqui, que é a minha casa, em que ando descalça. Não tenho sempre um sorriso nos lábios, não sou sempre optimista e de momento a atitude positiva está a hibernar. Também sinto, também me vou abaixo, também choro, mesmo que não deixe ninguém ver. Sofro e reservo-me o direito de sofrer aos berros, estou farta de morder a língua e puxar-me pelo cachaço até dar a volta por cima. Estou-me nas tintas para o facto de ser mais ou menos interessante aos olhos de alguém, não preciso nem quero agradar a ninguém, não ando à procura de nada, não quero conhecer pessoas porque não gosto de pessoas, as pessoas fazem-me mal e o que eu quero é esquecer metade das pessoas que já conheci.
Estou de mal com a vida sim, tenho motivos de sobra e estou no meu direito.
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Ainda não tinha dito: isto é capaz de vir a ser, em parte, um blog de viagens - a mais antiga das paixões, arrisco a dizer a maior, porque reúne as outras dentro de si.
A maior diferença foi acordar com o nascer do Sol, com o Corão a ser cantado alto e bom som pelos megafones da mesquita que ficava ao fundo da rua, a invadir os ouvidos, os sonhos e a espantar as pestanas. Estores corridos e portadas fechadas, numa vã tentativa de superar a questão e ganhar mais duas horas de sono... mas, afinal, não é o sono que me restaura energias quando se trata de viajar, o melhor alimento para a alma que conheço. O que me cansa é a rotina, a agenda com horas marcadas, os deadlines, as reuniões, a ausência do inesperado e aquela adrenalina que só sinto aprendendo coisas novas, conhecendo lugares novos, conversando com pessoas dum mundo diferente.
Começo pela antiga Constantinopla, não por ser a mais vívida na memória, não por ser a mais marcante, ou a mais recente. Talvez porque, ao mesmo tempo que marcou uma etapa de independência, foi um sítio em que senti emoções deveras estranhas para uma hiper-racional como eu. Senti que aquele sítio era meu, que despertava memórias submersas na minha memória. Juro por tudo, nunca lá tinha ido antes (pelo menos nesta vida), muito embora tenha saído de lá com a mesma certeza que mantenho hoje: voltarei.
Agarrada ao cepticismo, procurei explicações enquanto fotografava barcos de pesca no Bósforo que me faz lembrar o Tejo, com o chinfrim das gaivotas por banda sonora. São as pontes, o aqueduto, as calçadas que fazem lembrar Lisboa, é isso. Aqui deste ângulo, esta mesquita bem que podia ser a Torre de Belém, a vista e os cheiros são idênticos. Além os eléctricos, a luz branca reflectida nos edifícios, mesmo que seja Novembro e ameace chover. Dotada com um péssimo sentido de orientação (perco-me no Centro Comercial Colombo, senhores, ainda!), dei por mim a passar a Universidade e a apontar com a máxima segurança as direcções para aqui e acolá, sem mapa, sem nada. O Grand Bazaar (que não é grande, é imenso: cerca de 5.000 lojas e entre 250.000 e 400.000 visitantes diariamente!), labiríntico e cheio de indicações para os turistas seguirem setas ou um eventual guia, cheirava-me a terreno conhecido, amistoso, tudo numa mescla de descoberta com déjà vu. Curiosamente, mais tarde viria a reencontrar estas sensações noutro ponto do globo, mas confirmando uma inexplicável afinidade com a cultura otomana (fica para outro texto). Os padrões hipnóticos, os incensos purificantes, as pessoas duma espontaneidade deliciosa, esta é uma das paragens obrigatórias para quem visita Istambul.
Tive a sorte de ver parte da cidade na companhia duma rapariga local, amiga de outra amiga com quem viajava, que nos levou a restaurantes típicos, que regateou preços (turista paga mais, claro) e que nos levou a uma magnífica celebração do fim do Ramadão, com música, artesanato, uma bebida quente de leite doce e espesso com canela, cujo nome não fixei, entre outras delícias para os sentidos.
Gosto de Muçulmanos, sempre gostei, são respeitadores e educados, crenças à parte. As ruas de Istambul (de um ou do outro lado do rio, num ou no outro continente) são europeias, ou "ocidentalizadas", vá. A maior parte das pessoas, sobretudo jovens, dispensam as vestes tradicionais, véus e djelabas, e também não é muito frequente ver-se os tapetes de oração a serem desenrolados às horas assinaladas, interrompendo as rotinas. Há mais mesquitas do que igrejas católicas, e os ex-libris da cidade, a Hagia Sofia e a Mesquita Azul, por si só, valeriam a viagem, faltassem outros bons motivos. Mas não faltam, muito pelo contrário. Naturalmente, em locais de culto, é requerida modéstia e vestuário adequado, pelo que é boa ideia levar uma écharpe para o caso de ser aconselhável cobrir os cabelos e deixar os tops e mini-saias para outras andanças.
A cidade é tão segura como qualquer outra, há que manter um comportamento atento e responsável, proteger devidamente dinheiro e bens valiosos, nada de novo, portanto.
Um dos aspectos que mais impressiona em toda a Turquia é o nacionalismo exacerbado. Não há rua sem alusão ao "herói" Ataturk, há fotografias suas nas casas, paredes, lojas, restaurantes, tudo quanto é sítio.
O talismã preferido é o "olho azul", em variadíssimas formas e tamanhos, em pulseiras, espanta espíritos, amuletos de retrovisor, porta-chaves, brincos, you name it. Supostamente, afasta más energias e protege de mau olhado, etc. e tal.
O café turco é... singular... (deve haver quem goste, mas cuidado para deixar assentar as borras - que depois podem ser usadas para "ler o futuro".) Eu fiquei fã do chá de maçã (sabe a maçãs verdes, ácidas, nham!), mistela instantânea e açucarada que os turcos bebem aos litros, bem quente. Outras iguarias passam pelos deliciosos iogurtes (umas colheradas servidas com frango assado e arroz simples fazem a diferença, para melhor), os kebabs, espetadas e afins, e os baklavas (demasiado doces para o meu palato). Como sabem, os muçulmanos tradicionalmente não bebem álcool, mas há bons vinhos turcos, e o aperitivo raki, intenso e de sabor anisado (idêntico ao ouzo grego), é normalmente misturado com água, passando de transparente a um aspecto leitoso. Não apreciei o único que experimentei, mas creio que o defeito era ter água a mais (fica enjoativo), prefiro as bebidas mais pungentes. ;)
Em tempo de aperto económico para a maioria dos portugueses, fica a sugestão para usar bem um subsídio de férias razoável (para quem o tem...). As viagens são relativamente baratas, o custo de vida bastante acessível, é um destino cultural e humanamente muito enriquecedor, e que eu recomendo vivamente.
Deixo um exemplo actualizado à data de hoje*: na logitravel, vôos directos + hotel 7 noites + pequeno-almoço em hotel 3 estrelas, em quarto duplo, 388€ por pessoa, com partida a 10 ou 26 de Setembro (no Inverno é ainda mais barato, claro).
*Não, ninguém me paga para publicitar nada, com alguma pena minha.