Que eu estava sentada no sofá da sala, depois do jantar, ao lado do meu pai. Tínhamos jantado na sala, porque havia futebol na televisão, que já não me lembro se era a cores ou a preto-e-branco. Estava à espera que terminasse o jogo, para irmos à praia. Precisava de trazer um saquito de areia da praia para um trabalho que íamos fazer na escola no dia seguinte. íamos fazer umas cartolinas com desenhos e colagens, e íamos colar areia na cartolina. (Cola UHU e areia da praia fazem uma grande porcaria, só para que saibam.)
Nessa altura ainda gostava de futebol, ia aos jogos da equipa da terra aos domingos, às vezes ia ver treinos de manhã, e o meu clube era esse. Havia alguma pressão familiar para que eu fosse do Sporting, tomando o exemplo da mãe e dos avós, mas eu apesar de não contrariar, não ligava rigorosamente nada aos verdes.
Foi durante aquele compasso de espera em que não havia mais nada para fazer que estava atenta à televisão. Era um jogo de futebol. E caramba, uma das equipas jogava bem, notava-se que era um jogo importante, pelas emoções ao rubro - na televisão, não na sala, porque o meu pai era muito contido a ver futebol, tinha aprendido a ser contido e imparcial, por obrigação auto-incutida ligada ao seu hobbie, a arbitragem. [Ninguém sabia o clube dele, apesar de sempre o ter dito com clareza: Amora Futebol Clube. Era verdade, ainda é. O Amora primeiro, antes de tudo o resto. A minha mãe adivinhava qual era o seu outro clube, dos "grandes", mas nunca, enquanto foi árbitro, o meu pai confirmou ou desmentiu.] Instintivamente, comecei a torcer pelos que me deslumbravam a cada passo, e que por acaso eram os portugueses. O sentimento nacionalista nunca me assistiu por aí além, até hoje continuo a ter o Barcelona F. C. como um dos "meus" clubes do coração, sobre quase todos os portugueses, só porque gosto, pronto, não é uma coisa racional. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa - e o clubismo é tudo menos racional. E foi nessa noite de 27 de Maio de 1987 que me tornei adepta do Futebol Clube do Porto. No final, já não tinham sido eles a ganhar o troféu da Taça dos Clubes Campeões Europeus, já tínhamos sido nós a ganhar. Por muitos motivos, hoje em dia o futebol já não me diz muito; acho tudo excessivo, desenquadrado, levado demasiado a sério e abomino toda essa faceta que já não tem nada a ver com o jogo, o jogo que podia ser um espectáculo bonito, emocionante, e saudável, mas que passou a ser de uma falsidade e podridão iguais aos meandros mais escuros da política. Não gosto de quase nada no futebol de hoje em dia. Mas "o meu coração só tem uma cor: azul e branco".