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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

 

O problema dos lugares é que ficam tatuados nas memórias, acoplados aos cheiros, às emoções [coração no túnel, fora do peito], ao tacto, ao som de cada palavra [tuas dentadas, bochechas salgadas]. Não se consegue dissociar o lugar das memórias fortes, felizes ou infelizes, e isso gera toda uma expectativa inconsciente de que os lugares, só por existirem, asseguram para a eternidade os sentimentos que outrora testemunharam. Por isso se recomenda não voltar aos sítios onde já se foi feliz. O cérebro adora encontrar padrões na realidade que apreende e espera a reprodução daquela outra felicidade [os beijos de nuvem, boca macia de volúpia]; claro que o mais certo [o amor não é física, não se reduz a explicações nem a fórmulas matemáticas] é a realidade não encaixar na expectativa. Se a História se repete é por falha no guião, alheio à natureza mutável do mundo e dos homens [podia bem ser a tua mulher]. Culpa da memória que vai lapidando e erodindo as recordações, às vezes forjando algum pormenor [as tuas mãos nas minhas mãos, o meu nariz aninhado] ou submergindo-o por inteiro.

Insisto na teimosia [camarada]. Lugares há em que deambulo todos os dias, vão massacrando pela repetição da ausência, raspando ao de leve a pele com uma lixa suave e meiga [a tua barba negra, os caracóis], mais e mais, até a ferida aberta já não ter pele nem carne nem osso nem sangue nem vazio [fome de ti]. Comprarei um seguro contra desgostos. Uma mezinha para me untar, inteira, loção de aço, à prova de corações partidos e promessas de poesia [Teresinha]. Não tenho como atravessar os mesmos lugares de primeiros beijos [tão doces] e joelhos no chão, com os cacos espalhados, enterrados.

Como é que se esquece, como é que se cala, como é que se ignora que estamos a ir no sentido oposto - e não era nada disto que eu queria [à nora]? Caramba, como é que se respira?!

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