O espanto, em vez de ser apaziguado com a falta de cinética, é depurado. A peneira da memória não é traiçoeira, é sim essencial para remover as insignificâncias que poluem a clareza de raciocínio. Os momentos chave de qualquer história de relevo pessoal não ficam entaramelados na névoa amarga, vão-se cimentando na matéria prima do que somos.
[Mudar de rota talvez ajudasse, mas não preciso do Largo do Regedor para pensar diariamente naquele fim de tarde, no abraço, nos beijos de que fugi, nas festas que me fizeste nos braços, na suavidade insuperável da tua voz, dos teus lábios, cuja memória perdura e ecoa em ondas, de prazer e de saudade, esses lábios, beijos de nuvens.]
[Mudar de vida talvez me mudasse, mas o coração lá ficou no túnel desde aquele dia, pendurado num segredo anunciado, as tuas mãos que pertencem às minhas mãos, a poesia de que és feito entranhada em mim, essa força incorruptível que desprezei com punhais apontados a mim.]