Quando me puxas pela mão fazes sentir-me lenta, pequena, gorda, um empecilho. Dizes sem pensar todo o género de barbáries e ofensas, que as minhas unhas estão um nojo, que as pestanas estão um nojo, que o meu perfume é um nojo... Dizes que nunca me visto bem e chamaste-me coisas piores. Mesmo sabendo que eu não esqueço, nunca. Nem sequer consideras a hipótese de me estares a magoar com essas palavras. De cada vez que tenho de te pedir um beijo ou lembrar que hoje ainda não me beijaste, magoa. De cada vez que te peço um abraço, um carinho, magoa. Porque é a tua função perceber quando é preciso e antecipar quando não é. Porque sempre que não é necessário um beijo ou um abraço para me colar qualquer coisa que se tenha partido ainda é melhor, porque é assim que é o amor, espontâneo e inevitável. De cada vez que estás a meu lado sem me ver, sem me dares a mão, e tenho de mendigar um carinho, perde-se qualquer coisa. Não devia ser necessário pedir. Estou farta de pedir e ter de me contentar com migalhas. Inundo-te de beijos, de carícias, de elogios. Digo-te que és lindo, doce, o melhor do mundo, e sempre sem retorno, muitas vezes sem qualquer resposta. E tudo o que digo é o que penso e sinto, sempre! Nunca o disse só para te confortar ou aconchegar a auto-estima, como uma obrigação. E muitas vezes sinto que quando me dizes a mim é só essa a razão. Se não for, é porque estás a falhar em demonstrar. Estou cansada de ser tua mãe, de te ter em casa como uma criança a quem é preciso dar orientações do que se deve e não deve fazer, a quem é preciso lembrar das obrigações, a quem tem de se ensinar, vezes e vezes sem conta, para não estragar isto e aquilo, para arrumar o que se desarruma, para terminar o que se começa. A quem é preciso dizer para lavar os dentes, para apagar a luz, para arrumar os brinquedos. Tantas vezes já te disse que preciso dum homem adulto a meu lado. Adoro os nossos momentos de infantilidade conjunta, mas é insustentável viver com uma criança a tempo inteiro, se esta criança de 40 anos for a pessoa com quem queres envelhecer. E envelhecer em conjunto, ter uma vida em conjunto, significa partilhar o que é bom, o que é mau, o que é chato, doloroso ou precioso. É dar espaço e estar sempre presente, é ser um porto seguro mas também força motriz. Eu quero poder partilhar responsabilidades contigo, rir contigo, estrafegar-te de amor até magoar, correr mundo contigo, se calhar até criar uma família contigo. E também lavar a loiça enquanto apanhas a roupa e levar-te ao médico quando precisas. Mas espero o mesmo de ti. Espero que estejas disponível para me dares massagens quando me dói mais as costas, que me dês um beijo só porque sim, que limpes o chão sem ser preciso pedir por favor. Porque não é um favor. A casa também é tua, é onde dormes e tomas duche, é onde a comida aparece feita e a roupa passada. É onde está uma pessoa que te escolheu, a TI, e a mais ninguém, para lá viver, para sempre, com tudo incluído e quando já tinha desistido de acreditar que isso sequer fosse possível. Quero que me dês balanço para os meus vôos e que nunca me prendas os pés. Quero que queiras mais para ti porque mais para ti é mais por nós. Porque eu sei que juntos podemos tudo. Mas acho que tu ainda pensas que é demais. Que mereces menos, ou que eu não te mereço, nunca sei. Porque não me dizes. Partilhas pouco de ti, ainda não percebeste que assumo tão de frente os prémios como as falhas. Conheces todos os meus segredos, não escondo nada de ti. Sabes a que cheiro pela manhã, conheces o meu bom feitio nos seus extremos, e que sons me tiram do sério. Quero a minha parte, aquilo a que tenho direito. Porque também tenho direitos, não só obrigações inerentes, porque o amor e as relações não devem ser só dar nem sofrer e calar. Já tive disso e já decidi que isso não serve para mim. Se queremos coisas diferentes, se não tens disponibilidade emocional para mais, se tens medo, lamento, mas então não quero. Quero tudo, ou então nada. "De nenhum fruto queiras só metade."