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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Por uma vez, só para ser diferente, gostava que fosses tu a baixar a guarda, a abrir o peito, a dar um primeiro passo, a dar um mimo desinteressado. Um beijinho, um sorriso, um carinho, uma palavra doce ou elogiosa. Qualquer coisa para me certificar que não existe tudo só dentro da minha cabeça, que não é uma ilusão que sonhei ou cujas memórias só transportei de uma outra dimensão em que fizesse mais sentido do que nesta.

Por uma vez, só para ser diferente, gostava que metade da generosidade que mostras a tantos outros ta merecesse eu. 

Não faz mal se mudaste de ideias, se já não te faço suspirar de desejo, se nem por um beijo real anseias mais. Não faz mal se te cansaste, se não te apeteço, se conheceste pessoas mais bonitas, mais interessantes, menos difíceis, menos exigentes. Eu sei que sou tudo o que sou e que desafio tudo o que devia ser.

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Toda a gente tem direito a mudar, a largar, e convence-te por uma vez que não és menos do que ninguém. Se for o caso, diz-me, que já esgotei todos os créditos de horas, semanas e meses para fazer figuras estúpidas há muitos anos e a força para sustentar castelos nas nuvens já vai fraquejando. 

Não gosto de sentir que forço alguma coisa, tens todo o direito a ser uma ostra teimosa. Não procuro pérolas, nem perfeição ou brilho, não me interessa o valor de troca. Não me dizem nada sorrisos ocos, harmonias sem conteúdo. Gosto mesmo é dos bichos fechados nas conchas rugosas, disformes e ásperas, cortantes como defesa e nunca como ofensa. Ostras não são para todos, mas agradam-me a mim. É nos bichos que não oscilam com cada maré, que se agarram para crescer e não cedem às aparências que encontro o que é mais belo e mais puro. Não tenho medo e não troco os meus por riqueza nenhuma.

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Os silêncios têm sempre razão de ser. Nenhum prado fresco e verdejante se transforma instantaneamente em dunas áridas e escaldantes sem razão. Algum ácido se derramou e consumiu cada broto, cada semente; algum sal inquinou para sempre o potencial da terra; alguma sede sorveu até à última gota de orvalho. Adormeceu fértil e viçoso para acordar seco, quebradiço e defunto.
Lamento. Não vou tornar a queimar as solas dos pés, sem rumo nem bússola, para esgravatar motivos à unha. Não tenho tempo nem motivação para peneirar toda a areia deste deserto, grão por grão, enquanto ela se move em ventanias e tempestades, fugindo e regressando em ciclos sem rumo. O sol estala e estorrica a minha pele fina, o calor ferve-me as intenções. A gretar os lábios que seja por beijar noites frescas e trocar palavras de língua, não mais por falar para te ecoar em paredes vazias, sem retorno.

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Enquanto comunista, esta é mais uma das posições em que não me revejo, de todo, no que já deixou de ser o meu partido. Situações há em que a divergência de posições existe mas os argumentos apresentados até são compreensíveis. Por exemplo, na votação da lei que permitiria às pessoas transsexuais alterarem legalmente a sua identificação no registo civil caso a mesma não tivesse sido vetada pelo Presidente da República dos afectos-quando-convêm (nem outra coisa seria de esperar de um católico da direita empedernida), o PCP absteve-se mas justificou a abstenção com argumentos sólidos. Continuo a não concordar com o sentido da votação, a ter argumentos contrários, mas aceito.

Já a tomada de posição do PCP em relação à eutanásia (ou morte assistida, como pretendem diferenciar) é lamentável, contrária aos pilares ideológicos comunistas, a defesa da liberdade individual e da igualdade de todos, e que por isso engrossa a lista de razões que me têm vindo a afastar do PCP. [Ou como disse há tempos a uns antigos camaradas, o PCP não me representa - eu sou comunista.]

Afirmar que esta legislação "não corresponde a uma necessidade prioritária para a sociedade" é ultrajante. Na verdade, qualquer argumento que se sustente na hierarquia de causas é, no mínimo, arrogante, injusto e a pior desculpa esfarrapada que se pode dar. Nunca durante esta legislatura se viu o PCP reagir da mesma forma em relação a tantas outras votações - porquê agora? Estará em ensaio uma cisão com o parceiro de coligação, PEV, que não só vai votar favoravelmente as propostas como foi um dos partidos que trouxe o tema a discussão na AR?...

Na chamada dos cuidados paliativos a discussão pública estamos em acordo, é um debate muito necessário, porque é absolutamente vergonhosa a escassez de opções de cuidados paliativos decentes em Portugal (a não existência de cuidados paliativos no IPO de Lisboa, por exemplo). Não creio é que esta discussão deva ser imiscuida com a questão da morte assistida porque como é óbvio (para toda a gente menos para a direita e o PCP) uma não invalida a outra. Ter acesso a cuidados médicos universais e gratuitos para todos é um direito de que nunca deveremos esquecer na luta política. Ter a opção de terminar a própria vida com condições controladas quando esta já se tornou Insustentável e sem criminalizar quem seja requerido para ajudar, também. É uma questão de liberdade individual e de dispor da própria vida e do próprio corpo. Só isso. Eu compreendo o receio de se transformar a eutanásia numa 'sugestão' de terminar os cuidados médicos a um paciente, mas parece-me tão infundado como o receio que era apontado na despenalização da IVG desta ser usada como "método contraceptivo" (como, aliás, advogava a direita). E fazendo de advogada do diabo, reparem que no caso da IVG trata-se de uma (possibilidade de) vida alheia e não da própria (obviamente que a minha posição pessoal sempre foi e será a favor da despenalização da IVG desde que seja essa a escolha da mulher grávida, cuja vontade tem de se sobrepor a tudo o resto, mas estou a estabelecer uma comparação de argumentos).

Toldar as minhas opções relativas ao meu corpo e à minha vida, seja em relação à gravidez, à morte assistida, ao consumo de álcool e drogas ou como e com quem escolho ter relações sexuais, é sobrepor uma vigilância do Estado sobre mim. E mais do que um paternalismo ridículo de me fazerem sujeitar a regras de outrem em assuntos pessoais e íntimos é uma afronta à minha liberdade e à minha capacidade de fazer as minhas escolhas. E isso não pode ser tolerado, jamais.

A agravar a situação, grassa uma sensação que não é só minha de que a maioria, ou pelo menos uma grande parte, do eleitorado do PCP é favorável à eutanásia e esperava maior abertura por parte do partido. Se assim for, é mais um tiro no pé do partido que estava mais bem colocado para ser uma opção de esquerda real, mas que mais uma vez não consegue arriscar libertar-se do conservadorismo, seja por falta de estratégia política e medo de perder algum eleitorado católico, ou por real incapacidade de acompanhar algumas das questões fracturantes do momento em coerência com a ideologia, em consonância com as bases e com uma demarcação clara das posições da direita.

Decididamente, o melhor dia para ir à Feira do Livro é o primeiro. Ainda as melhores pechinchas estão disponíveis, ainda está tudo arrumadinho, cheira a novidade...

Como habitualmente, fui cheia de vontade de honrar o compromisso de não comprar nada - não faz sentido, com tantos livros ainda por ler e com a quota de espaço para os arrumar já esgotada há muito... Como habitualmente, não resisti e trouxe dois da Cotovia (ambos da Simone de Beauvoir) e dois da Quetzal (um da Alexandra Lisboa e outro da Ali Smith), a preços muito simpáticos. O namorado trouxe um traduzido, também da Quetzal, do Irvine Welsh.

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Numa nota sentimental, achei a menção aos 20 anos do Nobel do Saramango demasiado pequenina e breve perante o gigantismo do génio (para mim o maior de todos os tempos).

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[Eu sei que a minha visão não é imparcial, que eu sou daquelas que acha que Saramago devia ser celebrado diariamente, exultado incessantemente. É que na literatura, há histórias bonitas, há palavras bem colocadas e personagens profundas. Há exposição além de todos os sentidos da beleza e da fealdade do mundo. E depois, além de tudo isso, há obras que nos mudam, como viagens a sítios desconhecidos dentro de nós, fazem-nos reponderar algumas verdades que achávamos inquestionáveis, fazem-nos mudar de lentes. Foi com o Memorial do Convento que me apaixonei irremediavelmente pelo Saramago, mas a cada novo romance a paixão ficou confirmada, reforçada, tatuada em mim. Saramago será sempre o meu gigante literário, as palavras dele terão sempre o poder de me comover de maneiras que poucos conseguem. E eu serei sempre um bocadinho Blimunda, avessa a normas e a ver mais do que devo, aventureira e voadora assente nas muitas vontades que moram em mim.]

As emoções e a racionalidade são dois braços muitas vezes assíncronos e a fronteira entre ambos é ténue, permeável e de contornos espinhosos para todos.

Posto isto, quando as opiniões sobre ideias se deixam inquinar pela emoção perante quem expressa as mesmas não sei o que me desaponta mais: se o facto de não poder dar crédito e analisar seriamente a opinião, ou a fragilidade de uma relação emocional que é aparentemente susceptível de sucumbir a uma condicionante de importância tão relativa.
Não me faz sentido colocar em causa relações pessoais por meras divergências de opiniões. As diferenças podem e devem ser debatidas, com argumentos e com respeito (esse sim, imprescindível às relações saudáveis).

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Há um lado positivo em termos esta coisa esquisita que nos foi arrebatando mais assente em palavras escritas do que ditas, abraços e beijos essencialmente platónicos, imaginários ricos que não chegam ao papel. É que as palavras, se não dizem tudo, também podem dizer além do tolerável neste acordo tácito de contenção. Já perdi a conta ao número de vezes em que penso ou escrevo "amor" e reparo mesmo antes de enviar, consigo travar a fundo e apagar. Ando a fugir dessa palavra há algum tempo, talvez como prova de exclusividade para quem a merece acima de todos os outros, talvez pelo peso que acarreta, por não se poder desdizer. Se antes não se materializava sequer em pensamento, hoje está omnipresente em cada frase, mas não to posso dizer, colocar mais esse peso sobre os teus ombros, mais uma responsabilidade inconsequente a perturbar um quotidiano já enleado. Falo-te em carinhos e em orgulhos, em cuidados e mimo, não sei se já te confessei até uma admiração sem fim. Quantas vezes não fico parada a olhar as palavras escritas e as silenciadas, a abraçar-te sem que percebas, a desejar pendurar-me no teu pescoço para te coroar com verbos e beijos cheios. Calo mais do que digo, já sei que as palavras se fazem ocas. Mas o amor, esse, fica entredentes, guardado a sete chaves só para o eco de mim. Talvez o sintas - eu gostava. Talvez, se as probabilidades nos pregarem rasteira, até o consigas retribuir. Talvez reconheças quando é sobre ti que escrevo. Se um dia me descuidar e não travar, amor, perdoa tamanha desfaçatez. Perdoa que te queira mais do que devo, mais do que o previsto, muito mais do que o recomendável. Perdoa se um dia me cansar de não te olhar nos olhos, de não te pegar nas mãos frias ou de não te cheirar o cabelo. Perdoa se as palavras deixarem de amedrontar e te disser que te gosto e que este gostar é de amor.

Gosto de ti.

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Como pessoa obcecada pela verdade de todas as coisas, que faz corresponder à verdade a fidelidade a ideais, valores e talvez até a algum moralismo, é muito raro mentir. Também minto, demasiadas vezes para sentir que cumpra os requisitos mínimos da coerência, mas não o sei fazer, e prefiro sempre dizer a verdade absoluta ou, no máximo, evitar magoar ou prejudicar alguém calando algumas verdades. Defensora da verdade nua e crua, digo muitas verdades que não são levadas a sério. Sou conivente e até causadora de algumas mentiras, que não desfaço por não serem minhas ou o meu lugar.
Penso nisto tantas vezes, debato comigo mesma o potencial destruidor da verdade contra o potencial destruidor da mentira, estudo pessoalmente os indícios de cada pessoa quando mente e, sobretudo ultimamente, tenho-me dedicado a observar as reacções a verdades incomuns.
Chega a ser divertido que tantas pessoas tenham dificuldade em acreditar nas verdades que lhes são atiradas a sangue frio. As verdades inesperadas, que chocam, aquelas que são frequentemente maquilhadas com mentiras, são tantas vezes recebidas com gargalhadas nervosas, inseguras, incrédulas, como piadas e como falsidades. Quando se reforça e assegura que não há nada de falso nas inéditas afirmações, assume o lugar o espanto, o receio (o tal do diferente), eventualmente a consternação. E fica a verdade como um incómodo que é preciso explicar, justificar a fundo. Fosse uma qualquer balela e seria aceitável com tranquilidade.

O desconforto da mentira fica só com quem mente para não ofender os restantes, que se sentem ofendidos com a dívida de verdades. Será a mentira um gesto de sacrifício ou abnegação? Ou talvez seja o comodismo que faz perpetuar as mentiras e a aceitação social das mesmas. Talvez seja demasiado difícil, exigente, cansativo, penoso ser sempre inteiramente fiel à verdade absoluta. Mas para quem? Para quem fala verdade ou para quem prefere viver num mundo de faz-de-conta a lidar com verdades incómodas, que magoam, que desarranjam os lugares das coisas?
Não fosse o quotidiano feito de lugares de sombras e enganos, quantos mentirosos se renderiam? Quantas famílias desmoronariam e quantas seriam erguidas mais alto e mais fortes? Qual é o custo da mentira e, mais importante, qual é o custo da verdade?

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