Por uma vez, só para ser diferente, gostava que fosses tu a baixar a guarda, a abrir o peito, a dar um primeiro passo, a dar um mimo desinteressado. Um beijinho, um sorriso, um carinho, uma palavra doce ou elogiosa. Qualquer coisa para me certificar que não existe tudo só dentro da minha cabeça, que não é uma ilusão que sonhei ou cujas memórias só transportei de uma outra dimensão em que fizesse mais sentido do que nesta.
Por uma vez, só para ser diferente, gostava que metade da generosidade que mostras a tantos outros ta merecesse eu.
Não faz mal se mudaste de ideias, se já não te faço suspirar de desejo, se nem por um beijo real anseias mais. Não faz mal se te cansaste, se não te apeteço, se conheceste pessoas mais bonitas, mais interessantes, menos difíceis, menos exigentes. Eu sei que sou tudo o que sou e que desafio tudo o que devia ser.
Toda a gente tem direito a mudar, a largar, e convence-te por uma vez que não és menos do que ninguém. Se for o caso, diz-me, que já esgotei todos os créditos de horas, semanas e meses para fazer figuras estúpidas há muitos anos e a força para sustentar castelos nas nuvens já vai fraquejando.
Não gosto de sentir que forço alguma coisa, tens todo o direito a ser uma ostra teimosa. Não procuro pérolas, nem perfeição ou brilho, não me interessa o valor de troca. Não me dizem nada sorrisos ocos, harmonias sem conteúdo. Gosto mesmo é dos bichos fechados nas conchas rugosas, disformes e ásperas, cortantes como defesa e nunca como ofensa. Ostras não são para todos, mas agradam-me a mim. É nos bichos que não oscilam com cada maré, que se agarram para crescer e não cedem às aparências que encontro o que é mais belo e mais puro. Não tenho medo e não troco os meus por riqueza nenhuma.