As massas aplaudem, em êxtase colectivo, mãos cheias de nada. Embalagens bonitas, imaculadas na forma, limpas e ternas, a apelar ao sentimentalismo de veludos redondos, unânimes, consensuais, que a toda a gente cai bem. Eu tenho cá dentro esta maldição do descontentamento, de ansiar pelo que arranha, pelo que irrita, pelo que dói na alma e inquieta. A constatação de factos conhecidos não é estimulante, nem estética nem simbolicamente. O que choca, faz pensar, antagoniza, isso sim, tem o condão de ensinar, de contrapôr, de incomodar, dar náuseas, repulsa. As perguntas sem resposta fácil, os avessos de cada estória, são esses os talentos que me fazem vibrar.
Vôos serenos não ficam na memória. Dêem-me caminhos tortos em terrenos escarpados, lava a sangrar das profundezas, rugidos fora de contexto. Raiva de espumar pela boca, faíscas, suor, chapadões. Sabores picantes e ventos cortantes. Rejeito as emoções almofadadas, suavizadas com açúcar e glacé.
Dêem-me amor sem filtros, sem capas, amor de tudo ou nada, de gritos e uivos pela noite dentro, dêem-me abraços em brasas, palavras que mordem, beijos mortais.
Desafia-me se me queres ver por dentro. Dá-me só o que sai do âmago de ti, das tripas retorcidas, do que é feio e que sufoca, a tua verdade de entranhas que em mim é poesia.