Os abraços, os prometidos que nunca senti e os tantos que vou enviando em silêncio, acumulam-se no caixote dos amores impossíveis, negados, aleijados. Não correspondidos. Vou tentando sentir na pele algum calor que me erice os pêlos, a tua presença em que preciso de me embrulhar. Imagino os teus braços a conterem-me por inteiro. Encostar a cabeça ao teu peito e ouvir-te sem dizeres uma palavra. Sentir o teu coração a sossegar, finalmente, na paz do tanto bem que te quero e os teus lábios cheios a declamarem irrealidades só nossas. As minhas mãos exploram as tuas, amam-te a cada centímetro, desfolham os teus segredos indizíveis. És bonito, tão bonito. Repito baixinho que viver nesse teu sorriso bastar-me-ia. É um sonho apenas. Nos sonhos podemos tudo, podemos até repetir os beijos mal ensaiados. Podemos ficar um no outro, podemos só olhar-nos nos olhos, profundezas de oceanos negros por explorar, podemos chorar de felicidade e fazer promessas novas, ilibando as antigas que nos apartam.
De volta à realidade, a tua presença distante não dá tréguas. A vontade que te tenho não se contenta com sonhos sem rédeas, as conversas que temos com as canções que dizem coisas que não podemos dizer não bastam para aplacar os vazios em que só tu poderias caber.
Cumpriria a mesma promessa mesmo sem ter prometido. Não seguirás sozinho jamais nem eu sigo sem ti. Abraça-me.
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Your heart is broken And you don't seem to mind I guess it happened A little too many times, too many times
You tried and you got tired Those long half-written stories You held a fire Right under the snow
They don’t, they don’t How could they really know?, they don’t They don’t know how it really feels They’re just here on holidays Like dummies filling landscapes How could they see you cry Do you remember me? I was the one that held you through I held the spotlight when you did that crazy dance I danced with you, I felt like superstars do Me and you We're just like superstars
I was around you You couldn't really tell I held you close while While you drove you just drove into hell, you know
A kind of hurt that binds A light that loves you blind And while your feet go They go deeper in the sand You wait and drown You're waving to the crowd that sits But they don’t know how it really feels They're just here on holidays Like dummies filling landscapes How could they see you cry Do you remember me? I was the one that held you through I held the spotlight when you did that crazy dance with me
Yeah you did that crazy dance You did that crazy dance for me
Did that crazy dance, did that crazy dance...
'Cause they don't know how it really feels They’re just here on holidays Like dummies filling landscapes How could they see us cry? Now do you remember me? I was the one that held you through I held the spotlight when you did that crazy dance for me As I danced with you, I felt like superstars do Me and you We're just like superstars
Danced with you, just like superstars do Me and you We're just like superstars
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Açaima a verdade como se a poesia doesse
Como se não fosse a dor que nos garante a vida
O mundo segue ignorante e rude, sem escutar. Tece
estilhaços de vidros varridos para onde não se vê
trancados no cofre aberto de aprendiz de banalidades
Recusa as letras sujas do sangue que bebemos em festim
Foge das rodas dentadas que mastigam ferro sem idade
e das palavras que escorrem beiços abaixo, peito acima
Cala uma voz como quem cala um amor maldito
De açucenas nos dentes e coração de granito
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Eu nem ia dizer nada sobre o caso Robles, porque me pareceu à primeira vista uma situação simples de hipocrisia e conflito de interesses, que só surpreenderia os mais distraídos, os que sofrem de ausência de criticismo ou os que acreditam no Pai Natal. Achei que o vereador se encolheria num canto, teria vergonha na cara, pediria a demissão e o BE rapidamente se demarcasse das suas acções diametralmente contrárias ao plano político que o partido diz defender. Afinal não foi assim tão simples, como se pode ver pelas constrangedoras tentativas de defesa do indefensável, metendo os pés pelas mãos e ao largo (muito ao largo) da política. Surpreendi-me eu com a falta de pulso do BE (não com a falta de espinha dorsal de Robles, que já tinha demonstrado enquanto vereador exactamente ao que vinha e de que matéria é feito) e sobretudo com as justificações em jeito de claque que se fizeram sentir por grande parte dos militantes e eleitores do Bloco de Esquerda.
Títulos sensacionalistas à parte, os factos são incontestáveis e o próprio Ricardo Robles não nega: adquiriu um imóvel numa zona onde a forte pressão imobiliária já se fazia sentir na altura (2014), por 347 mil euros, reabilitou (com recurso a um empréstimo bancário no valor de quase 70% dos rendimentos brutos que declara), foi a tribunal por causa da indemnização miserável que ofereceu a um dos inquilinos e colocou o imóvel à venda por um valor muito, muito superior de 5,7 milhões de euros, com o propósito de exploração para alojamento local. O imóvel não foi ainda vendido, mas especulação não é só a concretização de vendas a valor exagerado. É também a pressão sobre o mercado, criando um valor falso de que outros beneficiam. O post do Luís Vicente explica melhor do que eu saberia.
Não há como dar a volta ao argumento: Robles entrou no negócio que diz querer combater de forma prioritária. A melhor defesa dele é que não fez nada de ilegal e a mana o obrigou? O mesmo Ricardo Robles que tem como primeira mensagem política “mudar a lei, combater a especulação”?! O mesmo Robles que aparece no Rock in Riot (como em todas as outras manifestações com cobertura mediática, aliás) a apregoar a defesa dos moradores lisboetas e contra a especulação imobiliária e a gentrificação?! A sério que isto serve para meio Bloco isentar de responsabilidade política um vereador municipal?! Como a hipocrisia e incoerência não são ilegais, a vergonha na cara também é dispensável?
Coisas engraçadas para reflectir sobre hipocrisia e aproveitamento político:
o PSD critica a especulação imobiliária e pede a demissão de Robles (e pelo caminho ironiza, elogiando as suas qualidades empresariais);
nazis okupas - o PNR promove o evento “vamos ocupar o prédio do Robles”! E a “esquerda radical”, fica-se? (Na verdade, o PNR também já tinha criticado a agressão ao casal homossexual em coimbra, colocando a perna racista em frente à perna homofóbica, o que não deixa de me preocupar, porque parece que cresceu um neurónio ao José Pinto Coelho.)
o principal argumento de defesa do BE e dos bloqueiros acríticos é puro legalismo. “Ele não fez nada de ilegal.” É certo que não. E se fosse Assunção Cristas a fazer exactamente o mesmo, também a defenderiam com o mesmo argumento (apesar de Cristas jamais usar como slogan político “combater a especulação”)? Não há pingo de consciência ideológica ou um pequenino vislumbre de pensamento revolucionário? Sabem o que é que também é legal? A exploração do proletariado, o trabalho precário, os presos políticos da Catalunha, a tourada. Também foi legal a escravatura, o apartheid, a criminalização do aborto. Robles não fez nada de ilegal, mas fez algo de muito criticável, hipócrita e que lesa os interesses daqueles que é pago para defender.
Se todos faríamos o mesmo no lugar de Robles? A maior parte de nós sim, faríamos. Outros de nós não, jamais o faríamos. E importa frisar que a maior parte de nós não acumula o privilégio de poder comprar um imóvel de 347 mil euros numa zona nobre da capital e o privilégio de ser vereador municipal da Educação e Direitos Sociais, eleito por um partido que se diz de esquerda.
Fico com algumas preocupações políticas à conta de toda esta salganhada. À cabeça, a descredibilização da esquerda; não que alguma vez depositasse grandes créditos no Bloco de Esquerda, mas em alguns militantes que são pessoas de esquerda, de trabalho, honestidade e índole revolucionária. Vê-los a defender publicamente a postura de Robles sem qualquer argumento, mas antes com chavões que colam a crítica da hipocrisia ao “jogo da direita” e ao moralismo e legalismo, o que se traduz numa triste mistura de relações pessoais com estratégia política, vulgo compadrio, faz-me ver os restantes cada vez mais raros, mais isolados e sem capacidade organizativa. Para completar o quadro, falta ver o BE fazer outra purga dos seus elementos arraçados de revolucionários. Preocupa-me também o reducionismo de questões realmente importantes, como a da especulação imobiliária e gentrificação, ou as touradas, ou a eutanásia, a quezílias entre as esquerdas parlamentares, que em vez de darem espaço fiável ao debate sério vão relegando para segundo plano e considerando qualquer argumento como uma mera luta de galos do mesmo lado da arena. É que também aí a esquerda vai cedendo espaço à direita.
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Hey, you I'm just now leaving Can I come around later on this evening? Or do you need time? Yes, of course, that's fine
Hey, you Goodmorning I'm sure you're busy now, why else would you ignore me? Or do you need space? You can't help it if your mind has changed
So go ahead and break my heart again Leave me wonderin' why the hell I ever let you in Are you the definition of insanity? Or am I? Oh, it must be nice To love someone who lets you break them twice
You're so blue Are you still breathing? Won't you tell me if you found that deeper meaning Do you think I've gone blind? I know it's not the truth when you say, I'm fine
So go ahead and break my heart again Leave me wonderin' why the hell I ever let you in Are you the definition of insanity? Or am I? Oh, it must be nice To love someone who lets you break them twice
Don't pretend that I'm the instigator You were the one, but you were born to say goodbye Kissed me, half a decade later That same perfume, those same sad eyes
Go ahead and break my heart again Leave me wonderin' why the hell I ever let you in Are you the definition of insanity? Or am I? Or am I? It must be nice To love someone who lets you break them twice
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Oh Oh Ooh, ah Ah Ah Ah Ah Ooh ah Ah Ah Ah
Did you ever want it? Did you want it bad? Oh, my It tears me apart Did you ever fight it? All of the pain, so much power Running through my veins Bleeding, I'm bleeding My cold little heart Oh I, I can't stand myself
And I know In my heart, in this cold heart I can live or I can die I believe if I just try You believe in you and I In you and I In you and I In you and I
Did you ever notice I've been ashamed All my life I've been playing games We can try to hide it It's all the same I've been losing you One day at a time Bleeding, I'm bleeding My cold little heart Oh I, I can't stand myself
And I know In my heart, in this cold heart I can live or I can die I believe if I just try You believe in you and I In my heart, in this cold heart I can live or I can die I believe if I just try You believe in you and I In you and I In you and I In you and I In you and I In you and I In you and I In you and I
Maybe this time I can be strong But since I know who I am I'm probably wrong Maybe this time I can go far But thinking about where I've been Ain't helping me start
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Era o quarto dia consecutivo que via a mesma mulher vazia, no mesmo lugar à janela do mesmo comboio, de olhos marejados e pendurados no infinito, transbordantes de negro como a roupa que vestia. Olhava com cara fechada um pequeno monitor na palma da mão, de onde saíam, além de alguma coisa que lhe abria um buraco no peito e que sugava as ondas do mar, gaivotas, peixes e traineiras ao largo, uns auriculares que completavam o cenário de exílio. Ela não estava ali, naquela carruagem que largava o início da manhã, pontuada de sonos, risos e agruras de uma pequena tribo rumo às rotinas laborais, um ou outro turista madrugador a caminho de uma praia ainda quase deserta. Sentiu curiosidade e alguma pena da mulher. Ganhou fôlego, levantou-se e sentou-se a seu lado. Ofereceu o seu mais aberto sorriso, com a placa de cerâmica a restaurar a plenitude da confiança dos seus tempos de galã, quando a mulher desviou rapidamente a mochila azul do assento e o olhar do seu vizinho.
Tornou a virar a cara para a janela, sem emoção, voltou ao seu mar de silêncio encriptado pelas canções de amor e Revolução que lhe cantava o cantor maldito ao ouvido e colocou os óculos de sol que lhe prendiam o cabelo em frente a dois pingos finos que lhe salgavam o rosto. Poucos minutos depois, sentiu tocarem-lhe levemente no ombro. O mesmo sorriso de avô que havia visto antes, curtido pelo sol, com o conforto de um hálito ainda preso a uma caneca de cevada instantânea e torradas acabadas de fazer atreveu-se a falar-lhe com a intimidade de uma flecha certeira já alojada entre as costelas. "Oh menina, não esteja triste. A menina desculpe, mas tenho-a visto aqui desde segunda-feira, sempre com essa tristeza toda... É por causa de um rapaz, não é?..." Ela não conseguiu segurar meio sorriso e meio soluço, acenou com o queixo a tremelicar, como se lhe tivessem feito uma rasteira e estivesse em queda, já antecipando os dois joelhos esfolados no asfalto. "Eu vi logo... Menina, deixe-o ir. Oiça o que lhe digo! Se ele gostar de si não a deixa escapar, uma menina tão bonita... Amanhã trago-lhe uma prenda. Não tenha medo nem me leve a mal, eu tenho duas filhas como a menina, uma é mais velha, já tem dois cachopos pequenos." O idoso sorridente continuou a debitar a sua vida, a tornar-se próximo e amistoso com a facilidade que ela sempre admirava nas pessoas com este dom de comunicar com os outros com a naturalidade de amigos de infância. Falou dos netos e alguma coisa sobre umas férias nas termas, alguma outra coisa sobre doenças próprias da velhice que ela preferiu não escutar, apesar de parecer atenta. "(...) Vou sair nesta, mas amanhã trago-lhe a prenda. É uma flor, a menina gosta de flores, não gosta? Mas já chega de lágrimas, hã?! Até amanhã, menina!" Ela ficou na dúvida sobre o que tinha ali sucedido. Se calhar só imaginou aquele monólogo, se calhar cedeu ao sono que combatia com ganas e alucinou, ou se calhar foi só mais um dos episódios surreais que lhe pontuam a existência de quando em vez, só para recordar que as improbabilidades acontecem e desafiam a lógica, só para recordar que o inesperado pode ser o que falta para restaurar esperanças afogadas ou pode também ser a certeza de que a tragédia é a mais garantida forma de virar os enredos do avesso. Cansada dos bons conselhos, iguais a todos os que não seria capaz de seguir, exausta das pausas forçadas para retomar o que já não tem cura e nem chega a ter retoma, ponderou imobilizar-se a meio da linha. Nunca tinha encontrado beleza na possibilidade de abraçar, de peito feito e com a paz de um sorriso torturado, toneladas de aço e ferro a deslizar poeticamente na inevitabilidade. Analisou as opções. Não saberia fingir que gostava de flores se estas não estivessem vivas, incapaz de se imaginar a sobreviver a uma mesma viagem que já repetira, a que já conhecia as curvas e contra-curvas, os declives e o chiar dos carris, cansada de a estação terminal ser sempre o mesmo destino de solidão, decidiu. Não mais voltaria àquele comboio. Aquela tinha sido a última viagem.
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Gostava de te ter conhecido mais cedo, na alvorada de ti, de ter visto nascer o homem imenso dentro do adolescente imberbe e desajeitado como o sol que desponta, rubro e impertinente, já a ameaçar rebentar pelas costuras do que o mundo pode compreender. Gostava de ter estado ao teu lado a admirar o doce gigantismo do teu coração, a roubar-lhe um canto cativo onde coubesse em silêncio, a reflectir um pouco da luz imensa que emanas aí para dentro da escuridão que vais alimentando a gritos, balas e granadas, a assegurar-me que o teu ego não ficava estilhaçado com a crueldade de quem não te merece, do bloco de gelo lascado em que te queres tornar. Ter-te-ia dito e provado há mais tempo que os blocos de gelo derretem, diluem-se em tons de azul e mar. Gostava de te ter dado a mão quando travaste sozinho batalhas dantescas, invisíveis a olho nu ou desatento, contra monstros e moinhos de vento, essas mãos soltas e definitivas aninhadas nas minhas, capazes de moldar poesia e coisas raras a partir de qualquer nada que é o tanto que te compõe. Gostava de te ter dado livros e vinhos a provar à boca, dos meus lábios aos teus. Gostava de ter morado em ti mais do que um esgar de fugida num sonho delirante de um inverno que nunca se fez primavera. Teríamos ido juntos a muitos concertos, comovidos, prostrados, imóveis e gelados, como idiotas perante a beleza ensopada de verdades que os outros não conseguem sintonizar. Teríamos ficado a rir, rasgando madrugadas, que teriam de ser navegadas de barco a remos e a sussurros, a ver as estrelas salpicadas num céu só nosso, afoito, de veludo meigo. Teríamos acampado e fingido que o mato era o nosso paraíso pristino, que só poluíamos com atrevimentos e uivos gemidos, roubados aos intervalos das corujas. Teríamos dançado mal, mancos e descoordenados, descalços sob o sorriso matreiro da lua complacente. Tu tinhas-me ensinado a andar de bicicleta por entre as nuvens e eu tinha-te ensinado a nadar nas copas das árvores. Tu tinhas-me ensinado a chorar sílabas no lugar de lágrimas e eu tinha-te ensinado a confiar nos abraços com cheiro a casa. Eu tinha aprendido contigo a não fugir das pessoas que me vêem por dentro e tu tinhas aprendido comigo a não ter medo de te dares inteiriço e em excessos. Teria saltado contigo de qualquer penhasco, de asas abertas, para te mostrar que o desafio do vôo vale a pena apesar dos ossos quebrados quando a aterragem corre mal. Teria sido o teu pára-quedas e lambido as tuas feridas, teria cumprido as promessas de bálsamo e de espelho e teria fintado os golpes sujos que te mataram. Teria ficado atarantada nessa combinação fatal do teu sorriso de pingo de mel e olhos de adagas, tal qual fico hoje. Teria tido tempo de nunca te perder.
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Abre os olhos são seis da tarde De um dia que já passou Acordei dentro de um corpo dormente Tão igual ao que se deitou
Hoje eu não sou Transparente tão ausente Já esqueci tudo o que lembrei Hoje eu não sou Quase nada alma apagada E tenho tanto que ainda não dei
Saio de casa passo apressado Mas não sei bem para onde vou Sigo a calçada, mas está desfocada Tanta gente que aqui já passou
Hoje eu não sou Quase morto controlo remoto Sou boneco à tua mercê Hoje eu não sou De joelhos bola de espelhos Dá-me luz mas nunca me vê
Hoje eu não sou Hoje eu não estou Sou um fantasma de um desejo Sou só uma boca sem teu beijo Hoje eu não sou Hoje eu não estou Sou uma chaga sempre aberta E o teu abraço só aperta onde eu não sou
Ponho dois pratos na mesa um retrato Em que sorris para quem o tirou Faço as perguntas dou as respostas Tu já foste eu ainda aqui estou
Hoje eu não sou Já deitado farol apagado Quarto escuro não sei de quem Hoje eu não sou Uma prece só reconhece A tua voz e a de mais ninguém
Hoje eu não sou Hoje eu não estou Sou um fantasma de um desejo Sou só uma boca sem teu beijo Hoje eu não sou Hoje eu não estou Sou uma chaga sempre aberta E o teu abraço só aperta onde eu não sou
O teu abraço só aperta onde eu não estou
Onde estás No escuro eu não te vejo Tudo me faz Lembrar de ti mas não te tenho
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Há anos, muito antes de ter aprendido uma lição que custa a aprender, que nem sempre temos a importância para os outros que lhes damos na nossa vida, que nem todas as amizades são recíprocas, fiz um avião de papel com este poema, coloquei-lhe um beijo por companhia e atirei-o sobre o Tejo.
Hoje faz mais sentido do que nos outros dias. Hoje sem avião de papel, só silêncios e nevoeiro sobre a tua serra, frio húmido entranhado nos ossos, omnipresente, a fazer doer como as ausências e a arder como a tristeza. Gosto-te, aqui ao longe, discretamente para não te ofender ou incomodar. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. O meu trilho, não mudo por ninguém, nem mesmo por ele ou por ti. Não me atravesso no caminho de ninguém nem permito que me desviem do meu. E sei que não sei mentir.
POEMA PRIMEIRO
... Gosto-te. E desta certeza se abre a manhã como uma imensa rosa de desejo indestrutível. O futuro é o próximo minuto, para além da infatigável religião dos meus versos, em cuja luz me acendo, feliz e nu. O meu sorriso conhece a bondade dos animais, o poder frágil das corolas, e repete o nome feminino dos arcanjos de peitos redondos, perfumados pelas giestas dos caminhos do céu. Gosto-te. Amarrado pelos meus braços de beduíno do sol, pobre senhor dos desertos, profeta da distância que há dentro das palavras, onde se alongam sombras e o sofrimento se estende até à orla da mais inquieta serenidade. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. Aqui e ali me pergunto, despudoradamente. E sei que não sei mentir. É por isso, que recolho na face a luz imprescindível ao orgulho dos peixes e dos frutos. Gosto-te. Na-na-na, na-ô... Na-na-na, na-ô... na-nô... Canta o espírito do caminho, canta para mim e canta para ti, eleva o coração das grandes árvores, coração de seiva e de coragem, sangue fresco e verde, apaixonado e doce, de tanto contemplar o perfil das tardes. Gosto-te. Mas "longe" é uma palavra húmida, grávida, onde os sinos da erva tocam para convocar as sílabas. E, ao procurar-te, tremo apenas de ternura para que nem mesmo a inteligente brisa da manhã possa dar por mim. Mais discreto que isto é impossível.