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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Trocamos poesias e músicas que falam ao ouvido as palavras mil que evitamos, farpas de honestidade ferrugenta por baixo das unhas. Trocamos beijos e sorrisos inseguros sem nos tocarmos, de olhar no vazio, esperanças desertas e vontades casmurras. Recordo o teu discurso cheio de razões quando só queria ver-te sorrir. Devia ter-te calado com um beijo sôfrego nos teus lábios de glaciar impertinente, um beijo apressado, espantado do desejo que me apanhou na curva. É que o teu sorriso arrepia, ainda que viva só num sítio feito por mim, à tua medida, onde ris exuberante, onde os teus olhos brilham em festim guloso e jamais acusam saudade ou desesperança. Os teus sorrisos, difíceis de conquistar, acendem coisas obscuras em mim, sombras lilases de uma ternura sem fim. Juro que podia viver nesse sorriso, podia respirar só esse ar fresco de poesia, de seiva a escorrer do excesso de beleza que trazes ao mundo. Queria tecer-te um casulo de doçura para te ensopar as melancolias, as agressões, as arestas cortantes das noites de solidão, protecção que abraça e te afaga o cabelo, que te embala e promete que tudo vai passar. As paredes rombas da fortaleza que sou eu têm ninho para ti, têm navios cargueiros pendurados do tecto para caberem as tuas fugas, toda a bagagem rota que arrastas nos bolsos da servidão. Sempre te afastas da porta como se fosse a entrada dos infernos, como se a estética dos meus afectos te ofendesse, como se entrar aqui na arcada do meu peito em clamor significasse que descarrilas do rumo que não queres seguir. Recolhe os silêncios na noite espessa, não sabes ainda que todas as palavras podem caber na poesia, que a beleza não se encerra nas palavras chão e flor, nuvens e pardais, que o amor também vive nos desapegos banais que me gritas à janela, em impropérios invernosos e desabafos que a almofada desconhece.

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