A desinformação é uma coisa que me aflige. Aflige-me não se debater os temas importantes, que a informação esteja a ceder espaço ao espectáculo, que o interesse do público seja moldado de acordo com o sensacionalismo barato que se faz valer da velha falácia burguesa de ser "o que o povo quer". O "povo quer" fast food pouco nutritiva porque sabe bem, porque é barata, mas sobretudo porque não tem como aceder ao filet mignon e à santola. O "povo gosta" de música pimba porque as festas da aldeia não têm como pagar o cachet ou presença do Coro Gulbenkian ou da Orquestra Metropolitana de Lisboa e porque nenhum trabalhador que viva do (miserável) salário mínimo pode fazer de ir à ópera ao São Carlos o seu programa de lazer. E não há nada de errado em gostar de música pimba ou telenovelas, cada qual gosta do que gosta. Os gostos discutem-se sim, obviamente, o que é idiota é a sobranceria de julgar que certos gostos traduzem alguma espécie de valor qualitativo das pessoas, quando o acesso à cultura, sobretudo à pretensiosamente erudita, está vedado "ao povo".
O mesmo se passa com a (des)informação. Se os noticiários abrem e dão mais tempo de antena às futeboladas e à polémica do dia em repetição, o consumidor (porque é o que somos todos em capitalismo - não somos cidadãos nem indivíduos, apenas consumidores, importa recordar) só alcança alguns conteúdos se os procurar activamente, se for ao encontro de outras visões que não as amplamente difundidas pelos mass media. E esta procura não é fácil, não está ao alcance de todos, dá trabalho e, como sempre, marginaliza quem não tem “privilégios burgueses” como internet, smartphones e tempo livre para se dedicar quer à procura quer à reflexão.
Temas prementes, de significância local ou globalmente importantes vão sendo relegados para segundo plano em detrimento do espectáculo, da celeuma tantas vezes sem fundamento, dos picos mediáticos estrategicamente seleccionados por quem tem esse poder.
E por favor não nos deixemos cair na ingenuidade de achar, por um momento, que a informação e o entretenimento que consumimos não é manipulador ou não tem uma agenda clara.
"Ai, tu vês política em tudo", dizem-me. Sim, vejo. O motivo é simples: tudo é política! As televisões elegem presidentes (olá Marcelo, olá Trump!), derrubam governos, criam certezas absolutas que não podiam estar mais longe da verdade ("fascismo e comunismo são igualmente maus", "feminismo é o contrário de machismo"). Bebe-se com avidez e replica-se nas conversas de café o que quer que os senhores comentadores debitem, com ou sem propriedade, sobre tudo e sobre nada (creio que em tempos usei aqui a minha expressão favorita para designar este fenómeno: a nunorogeirização da massa acrítica). À falta de oportunidade de reflexão sobre os factos sem artefactos, consome-se uma opinião pré-fabricada, instantânea, pejada de falácias que não convém ao poder instituído serem esclarecidas.
E isto choca-me. E talvez me choque mais que quem possa não ter veículo no mainstream de grande consumo, mas tem oportunidade de ter algum público, algum tempo de antena, o faça em “modo silly season”, em modo light, pronto-a-consumir sem ser necessário um raciocínio crítico. Não falo, naturalmente, de fóruns de entretenimento ou vocacionados para algum tema específico, é óbvio que há espaço para tudo e para todos os gostos. Mas em espaços opinativos, que se pretendem de debate colectivo, de troca de ideias, não compreendo como é que alguém se dá ao luxo de ocupar linhas e linhas, às vezes páginas e páginas, a falar de coisa nenhuma, a abordar temas que são desde logo “não temas”, como relatos na primeira pessoa de eventos particulares sem qualquer tipo de 'mensagem' que faça trabalhar a massa cinzenta. Não há nada de errado em partir de um evento ou episódio pessoal para colocar questões com potencial de relevância ou premência. Só acho um enorme desperdício de potencial interventivo quando esses episódios pessoais são completamente irrelevantes para os leitores/espectadores, só uma pasta insípida para encher chouriços. As publicações em que isto sucede não são caso raro, pelo contrário.
Pergunto: o que fazem os editores se nem conseguem manter uma linha editorial coerente?
Já sei que também só faço perguntas parvas e sem interesse, mas se calhar é essa a linha editorial aqui do blogue.
Dêem um desconto, a pessoa só dormiu quatro horas e picos e não está em condições.