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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Dói-me o Rossio todo. A cada passo, cem mil vidas ali escolhidas. Em cada pedra da calçada, uma miséria. Cada memória é uma vida.

Desde a plataforma do metro ao topo das escadas, do banco de pedra ao D. Maria, do Largo à estação de comboios. Doem os primeiros beijos, e também doem os segundos. Os olhos verdes, os castanhos e os azuis, o joelho no chão, o convite que recusei. Dói todos os dias, à ida, à chegada, e sempre sem hora marcada. Doem as varandas por serem cúmplices, pois se não me impediram!... Testemunhas ausentes, caladas, de todo o enredo condensado em tantos actos, iguais sem nada em comum.

Podia ser uma curta, toda filmada ali. Cenário perfeito, a chuva, o drama, tapetes lilases. Doem os olhares dos taxistas e dos turistas, dos amigos habituais e inimigos pontuais. Dói o sem-abrigo que favoreço com os trocos que me destroçam. Também me dói a Rua do Ouro, a Rua da Prata, os Restauradores que serviram para fingir que se restaurou o que permaneceu na mesma, a Praça do Comércio e a Av. Ribeira das Naus. Dói-me a Praça da Figueira, dói-me o Largo do Intendente em que aos poucos as dores vão sendo reparadas, entre beijos novos e abraços antigos com cheiro a casa. Dói-me o Largo de São Domingos, em que sempre recordo entre uma e outra ginja um pedido de casamento à chuva, continuamente negado. Doem-me os encontros perfeitos, todos, a vigia de Dom Pedro IV, altivo e seguro, e os enredos que escorrem apartados até ao Cais das Colunas, até Santa Apolónia, comigo espalhada um pouco por todos os barcos ao largo, em fuga até à margem mais que certa onde posso esconder-me atrás do rio.

Dói-me tudo até ao Cais do Sodré, cais do meu fim.

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