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Deixa-me ir
Embora do teu centro
Onde eu souber existir
Deixa-me ir
Onde eu não sei andar a sós
Poder viver
Da minha voz
Se incendeia é bem melhor
Que ter ideia do que é amar
Relatado a negro
No meu passeio eu vi
Gente a andar a pé
Os que vão primeiro ser
No que ainda não é
Não sei pintar
Amor sem ser da
Cor que enche tudo
Deixa-me ir
Embora do teu centro
Onde eu puder existir
Ser mais do que eu sinto
Deixa-me ir
Se eu não sei andar a sós
Vou querer dizer
Com a minha voz
Se incendeia é hem melhor
Que ter a ideia do que é amar
Relatado a negro
No meu passeio eu vi
Gente a andar a pé
Os que vão primeiro ser
No que ainda não é
Não sei pintar amor
Só sei que cor
Que enche tudo
Não me agradeças o amor. Não é um embrulho finito e contido, delimitado e enfeitado com um laço. O amor que te tenho não cabe em envelopes ou caixotes, sequer nas palavras todas do mundo, sequer em todas as canções que batem ao ritmo do coração, ou nas chuvas ou ventos ou mares que não conhecem contestação. O amor que te tenho é o momento do Big Bang, do nada de que nasceu o tudo, o infinito, a perpétua expansão. É o fragmento de tempo em que o colibri de asas frenéticas parece imóvel e é o néctar que o alimenta. O amor que te tenho inunda galáxias e condensa-se em cada beijo que fica por dar, em cada página em branco, em cada resposta que espero de coração nas mãos como bomba-relógio e nunca chega.
O amor que te tenho não to dou. Não assim, com uma etiqueta a chamar-lhe amor de mim para ti, que não me revejo nem me quero acreditar. Não to ofereço em bandeja de prata junto com o meu coração ressequido embrulhado em picos de cacto e de arame farpado, que esse já é teu desde que o tocaste e te feriste nele - com as farpas entaladas nas carnes, nunca mais o quiseste nem me deixaste retirar as farpas, que manténs para que me doa mais a mim, penitência retorcida. Se to dou, ao amor, a meias palavras divagadas, em esquissos insinuados no ar, é por saber que não o retribuis, que não podes, ou não sabes, ou não o tens dentro de ti com o meu nome. É por morrer na espiral vazia e turva em que me afogo quando não chega um sinal, quando me fechas a porta no "obrigado" que quer dizer "já chega", "não é preciso, que o inverso não é verdade". Não consigo respirar no excesso de ar que colocas nas frases vagas que me atiram secamente para longe, com força, mas sempre presa no fio da navalha. Se to dou em avalanche bruta e devastadora é para te manter à tona, para te resgatar, é para eu não me perder quando são os teus lábios que me queimam em bocas que não a tua, quando o teu calor ausente da memória, que nunca senti, me assalta de olhos fechados na procura que tacteio à flor da pele nos outros homens.
O amor que te tenho dói por me rebentar cada célula em que não cabe, é excessivo, é lascivo, é ácido que me consome por não o poder derramar em ti, destrutivo, redutor do íntimo, só o esqueleto a segurar o que as tripas criaram. Pudesse eu salvar-te, roubar-te para mim, levar-te para longe quando chove dentro de ti... Pudesse eu chorar todas as tristezas por ti, pudesse eu completar o que te falta, recolher-te as cinzas do restolho, fazer-te inteiro e viçoso, ainda que para de novo me escapares verde por entre os dedos, para os braços de outra mulher mais tua, mais serena, simples, amena. Pudesse eu fazer cola deste amor que não se diz para te despegar de mim e deixar-te a navegar coeso nos mares altos, de vela rasgada ao vento sem saudades de mim.
O amor que te tenho é todo de maiúsculas escritas por todo o lado a tinta invisível e permanente. Podes lê-lo na minha voz muda, nos meus gritos de desepero por terror de te perder, em qualquer esquina de desejo, nos poemas que te envio em aviões de papel, nos braços vazios com o teu encaixe perfeito à espera, nos sorrisos pequenos que me geras, nas torrentes de lágrimas que nunca me apaziguas.
O amor que te tenho é sujo, é sangue, é esperma, é vernáculo profano gemido aos teus ouvidos na pureza dos nossos corpos que já não se lembram de se tocar. É um amor pristino, virgem, cândido como o riso cheio de uma criança que desconhece o mal. É um amor elástico, que se expande e alcança também os teus amores, frutos e raízes de ti, sem razão ou explicação outra que não seja o amor honesto por procuração, por encontrar-te espelhado e projectado nas sombras em que és inteiro.
O meu amor quer lamber-te as feridas e sossegar-te as inquietações, quer ser farol para as noites de tempestade e colar os cacos que foste perdendo por entre as gavetas empoeiradas de segredos vis. Este amor que te tenho não existe sem perdão. Nem existe sem um sonho tantas vezes subentendido de fugas sem amarras, rumo a uma liberdade de certezas absolutas, de cravos sem âncoras, de poesias excessivas, de doçuras e meiguices, de risos estapafúrdios.
Suspeitamos, tu e eu, que neste amor danoso não vai vingar uma estória feliz, que nenhum de nós se permite tamanha benesse. Insistimos em contornar os passos em falso, agarrados à improbabilidade das palavras que não são ditas um dia se materializarem em cadência, a arrumar o mundo e a devolver cada amor ao seu devido lugar.
É que este amor que te tenho não tem margens, não tem tamanho ou duração, não tem travões nem condições nem senãos, é uma presença física, opressora, que se respira e expele, que me cansa e me gasta. O meu amor persegue-me e encontra-me sempre que me escondo ou finjo não o vislumbrar pelo canto do olho, sempre que o tento negar. Este amor que não te digo para não te ouvir um não, este amor que é meu é teu também. Este meu amor que existe, que manda recado a dizer que resiste, pede uma fagulha incendiária que o termine, que o arrase, que me solte desta prisão. Mata-me, meu amor, mata este amor antes que morra na negação.
Assombroso.
Com uma vénia e um abraço aos homens que não têm vergonha ou medo de chorar.
empresta-me os teus
olhos uma vez
que os meus não são de gente, apenas rapaz.
é só o tempo de me aperceber
da visão que se turva para ser de mulher.
empresta-me uma chávena de sal
e mostra-me a receita do caldo lacrimal.
é só o tempo de te convencer
que nem precipitado consigo chover.
não é um adágio que nos persegue,
que um homem só não chora porque não consegue.
empresta-me esse efeminado luto;
ser masculino é ter-se o lenço enxuto.
é só o tempo de me maquilhar
de pranto transparente (a cor de mulher).
não nasci pedra, nasci rapaz
que um homem só não chora por não ser capaz.
os homens fazem fogo, com dois paus eles fazem fogo.
por troca ensino-te a queimar.
tu és corrente e eu finjo mar
que um homem, para que chore, não pode chorar.
Lês as letras que debito
E não te atreves a escutar
O que as sílabas gritam
Nas crípticas entrelinhas
Devoras frases de um trago
Talvez demores a mastigar
O teu nome pendurado
Em cada verbo exclamado
Finges nem entender
Que foste tu que semeaste
A poesia a brotar
As paredes meias são intransponíveis, frias, espessas, rudes. Gritam distâncias, cilindram qualquer aproximação luminosa. É difícil, é longe, não se consegue fazer ouvir do outro lado do muro. São franjas de alegrias francas penduradas nas molduras tortas, lá longe no tempo de fogueiras e sorrisos, de encontros e beijos furtivos, são mágoas penduradas nas esquinas, a lascar a tinta, a fazer sombra.
E é o castigo de ter tão dentro quem está longe e os dedos quase se aquecerem, entrelaçados nos sonhos e nos dilúvios da alma a desabar. Os abraços semeados nas entrelinhas, que fogem, com as letras todas menos algumas.