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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

O sorriso que exibes
Manchado
Formatado de cordiais agrados
Não esconde o rasto de sal
Nos impolutos olhos inchados
Tranca as portas, aumenta o som
Põe agasalhos que calem a fome
Não fales, não escrevas, não digas
Não aceites nada de que possas gostar
Deixa sangrar, deixa esquecer
Recolhe ao negro sagrado
Vazio que sabes ser o teu lugar
Deixa escorrer, continua a cantar
A solidão é camarada
Fiel, rara qualidade
Deixa sangrar, deixa morrer

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Shiva é o deus hindu da destruição, complementado na mesma medida pela energia feminina e criativa de Parvati, deusa do amor e da génese de tudo, que gera inícios e recomeços. Juntos, potenciam a transformação do universo. O tridente de Shiva destrói a ignorância humana. O fogo e a força contida de touro transforma tudo aquilo em que toca. A verdade é vista pelo terceiro olho, o que vê além do visível, além do óbvio e do palpável, o que vê por dentro, o que sabe as coisas que ninguém lhe ensinou.

À vez e sem supremacia, encarnamos Shiva e Parvati, duas faces complementares e idênticas da energia que cria e destrói, em sucessão, como um jogo de berlindes com planetas e satélites irrelevantes na vastidão.

Senhores dos animais, com quem conversamos por falarmos a mesma língua, por nos assumirmos bestas sem redução antropocêntrica, por comungarmos da mesma energia pura e naive.

Por vezes atiramo-nos bolas de fogo, queimamos excessos e estilhaçamos de seguida em harmonias que dispensam ensaios.

Assim somos seus reflexos. Rebentamos em cada epílogo para logo encontrar um meio de nos reescrevermos. A morte não nos merece atenção além da atracção pela finitude, mas a explosão da ordem numa festa barulhenta de fogo e fumo diz poesias que encerram a promessa de inícios melhores, do final de sofrimentos e de perversões; a promessa de liberdade que trago tatuada. Sem donos, sem amos, sem contratos que não assinei a tolherem-me as ganas.

Anseio pelo momento do cogumelo nuclear que me apague a existência, a história e a memória. Salivo por esse instante em que tudo já não exista para de novo nascer, em paz, sem dor nem lembrança, metade pura do resto que procuras. Pego fogo a cada acha e cuspo-lhe gasolina. Magoa-me, corta-me até ao osso, descarna-me como presa nos teus dentes tingidos do meu sangue. Derrota-me cada suspiro, destrói-me outra vez. A fénix chamuscada há-de desistir dos vôos picados, exaurida. Penas de lume como fagulhas bailam no canto da noite sem grilos. Estrelas cadentes e fumo. Fim.

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Há mais de duas décadas a escrever insistentemente sobre o amor, colecciono mais questões do que certezas, mas em ocasiões fortuitas surge-me uma ou outra epifania. A mais recente foi esta: o amor nasce da liberdade. Nasce da aceitação e admiração de outra pessoa, na ousadia máxima de ser exactamente quem se é. O amor não tolhe vontades ou desejos, aceita-os e dá-lhes alento. O amor não obedece a fórmulas ou a listas de requisitos, acontece por alguma espécie de cocktail misterioso de hormonas, neurotransmissores, instintos e uma insubstituível pitada de alguma coisa indefinida a que podemos chamar, a bem do romantismo, magia. O amor faz-se, cresce e cimenta-se na verdade, na nudez de ver o outro sem máscaras, sem subterfúgios ou dissimulações, no seu todo. Isto inclui os maus-humores, as doenças, fragilidades, crises existenciais, surtos de raivas e erros, palavras mal ditas, insensibilidades e arranhões no ego. Abarca a discórdia, a diferença, a oposição, o “lado lunar” de outra pessoa, ser-se por vezes ferido pela outra pessoa, e ainda assim não saber como impedir ou controlar avalanches de ternura na sua direcção, a vontade incontrolável de proteger com a própria pele a pele de outro para que nada lhe doa.

Amar pode nunca ser muito fácil, mas parece ser mais fácil (ou comum, vá) amar o semelhante, aquele com quem se partilham gostos, opiniões e formas de estar. É mais fácil se concordar for algo natural, se o destino desejado for o mesmo. É um conforto apaziguador não nos sentirmos sós no mundo, aves raras e enjeitadas, quando encontramos uma “alma gémea”, que nos compreende e comunga de prismas idênticos, com quem se comunica com fluidez, em sintonia.

Apaixonamo-nos por duas coisas: ou pelo que se vê no outro, do outro e de cada um de nós com o outro, ou pelo que o outro consegue ver em cada um de nós. Acrescento, se o que nos atrai noutra pessoa é só a forma como nos vê, o espelho aumentado que faz festas no ego, isso é apenas vaidade e não amor. Facilmente se poderia extrapolar daqui para verdades de bolso como "todo o amor é egoísta" ou "ninguém ama senão a si próprio". Esse amor do semelhante não será realmente uma espécie de amor virado para dentro, de gostar do que se vê reflectido do próprio em outra pessoa? Amar alguém igual a nós, em quem nos revemos, é aconchegante. Há o sentimento de identificação, de partilha, de comunhão, de aceitação. Há entendimento. Não há discrepâncias, não há extremos opostos, não há antagonismos.

Pelo lado reverso, as expectativas de nos vermos sempre espelhados na outra pessoa, quando saem goradas (porque ninguém é sempre e exactamente igual a ninguém), são usualmente fontes de atrito e de cisão.

É injusto corroer um amor pelas diferenças, pois são precisamente estas que completam o que falta a cada um, que trazem equilíbrio às dinâmicas, que apaziguam tumultas interiores. É claro que todos erramos, é claro que todos arranjamos maneira de perdoar as maiores cretinices, é claro que a perfeição é um mito e é óbvio que a gestão das relações pessoais é sempre complexa, complexos que são os sentimentos dos seres humanos. Naturalmente, há divergências intransponíveis e que tornam o amor impossível, mas essas são as que se dão a nível de valores, de carácter, de pilares fundamentais. Perdi a conta às relações que vi terminarem ou nem chegarem a começar por conta de diferenças superficiais, de um ser a noite e outro o dia, como se não fossem ambos essenciais e complementares, como se pudessem de algum modo existir sem o seu oposto.

Amar em tensão entre visões, idealizações e caminhos opostos sem a pretensão de alterar o ponto de vista do outro, sem aquilo a que Saramago chamava colonizar a vontade do outro, será a teimosia de fazer frente aos opostos que se anunciam como amores impossíveis, ou será um amor mais puro, mais indefinível, mais maduro, isento de razões com laivos onanistas e imbuído de uma aceitação e admiração que transcendem em muito o comodismo da partilha fácil?

Se não se admira a outra pessoa no próprio avesso e no contraste, se não é um espanto maravilhado com a lucidez ou poesia ou mundividência das coisas que pensa e diz ainda que nos choque, ou precisamente porque nos dá a conhecer o inverso do que é a nossa norma, se não se rebenta de orgulho desmedido no que a outra pessoa é, se não se lhe acha qualidades únicas em tanto do que faz, gosta-se do quê afinal? Da ausência de risco, de atritos e desafios? Da serenidade das conversas sempre concordantes? Da estagnação de sempre seguir o caminho mais batido? Da conformidade com os limites conhecidos, sem ímpeto para avançar, crescer e ousar mais além?

Amar a diferença é um desafio íntimo e talvez uma forma purificada e autêntica de amar. O mais verdadeiro amor. Dizer ao outro “amo-te, apesar das nossas diferenças” é amar condicionalmente, com constrangimentos e fragilidades. É uma constatação de que as diferenças são um factor negativo e que desgasta o afecto, uma espécie de aviso, como se uma agudização das divergências colocasse o amor em risco. É tolerar a oposição que o outro constitui. Dizer a quem está nos antípodas de quem somos “amo-te, exactamente como és” é amor incondicional. O amor nasce da liberdade porque o amor é, só pode ser a liberdade extrema de não necessitar de escudos protectores, regras ou limites. Tão simples. Tão complexo. Tão perfeito.

Ando com a cabeça em falência técnica e a escrita talvez tenha de ficar em pausa um bocado, mas a simpática Maribel Maia, do blogue Educar Com(Vida), passou-me esta “batata quente”, que me parece um bom pretexto para enxotar as moscas do blogue e para os potenciais leitores perceberem que atrás do pseudónimo está uma pessoa real, de carne e osso, com momentos e problemas e gargalhadas, com falhas e altos e baixos. Um bocadinho de mim, sem máscaras.

 

1 - O que mais odeias em ti?

Tudo, mas no topo da lista está a minha incapacidade de não deixar transparecer o que penso e sinto, e a constante necessidade de falar de tudo o que me incomoda, não deixar nada por dizer.

 

2 - Peso

Demasiado. Costumo dizer a brincar que é “peso intelectual”, mas não só não é como é uma manobra de diversão de um tema que me incomoda e fragiliza.

 

3 - Se pudesses visitar qualquer lugar no mundo onde é que irias e por quê?

Nova Zelândia, porque é um destino de sonho e com o qual tenho vindo a sonhar nos últimos tempos. E também todos os sítios do mundo que ainda não conheço.

 

4 - A última coisa que te fez chorar

Uma desilusão das grandes, em crescendo, há umas horas.

 

5 - Se pudesses voltar atrás no tempo, o que mudarias?

Só me arrependo do que não fiz. Não teria fugido um par de vezes da inevitabilidade.

 

6 - Eu não vou morrer sem…

escrever um livro.

 

7 - Quanto tempo levas para ficar pronta para sair?

Desde que acordo até sair a porta, em circunstâncias normais, 40 minutos.

 

8 - Último lugar em que estiveste

Passei o fim-de-semana no Liceu Camões, em Lisboa, a participar dos IV Encontros Internacionais Ecossocialistas, a ouvir gente que partilha do meu sonho de transformar o mundo num lugar justo e sem opressões.

 

9 - Comida favorita

Sardinhas assadas, polvo à lagareiro, leitão assado, sopa da pedra, feijoada, chili com carne. Queijo de qualquer tipo. Nectarinas. Figos. Dióspiros com canela. Presunto.

 

10 - Comida que não comes de forma alguma

Pimentos e cartilagens de bichos.

 

11 - Música do momento

Acho que chegou a hora - Tiago Bettencourt

 

12 - Vivo perdendo…

a calma. :(

 

13 - Uma frase…

A luta continua!

 

14 - Último concerto a que foste…

David Fonseca no Coliseu, comemoração dos 20 anos de carreira.

 

15 - Última mensagem no whatsapp

http://camp-in-gas.pt (visitem também e subscrevam a newsletter!)

 

16 - Última vez que te stressaste

Há umas horas.

 

17 - Tira uma selfie e mostra

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18 - Uma música com a palavra AMOR

O Lugar - Tiago Bettencourt

 

19 - O que é feio, mas que tu achas bonito?

Quem o feio ama, bonito lhe parece. Acho as bichezas todas lindas e fantásticas, das ratazanas às aranhas, escorpiões, raias e escaravelhos, tudo!

 

20 - Mostra a última foto do teu instagram

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21- Uma frase que a tua mãe diz sempre

“Gosto muito de ver este artista a trabalhar!”

 

22- Eu estou...

tão cansada...

 

23 - Eu sou...

uma revolucionária, aventureira e viajante presa na vida de uma assalariada mal paga.

 

24 - Eu quero…

aprender tudo o que possa, quebrar as correntes que oprimem a minha classe e fazer alguma diferença positiva nas vidas das pessoas com quem me vou cruzando.

 

25 - Ser amigo é...

uma definição que devia rever para conter as desilusões. Ser amigo é amar o outro por quem ele é, é partilhar os fardos pesados E partilhar também os momentos de alegria e celebração, é dizer sempre toda a verdade, é aceitar os erros e dar apoio mesmo quando não se concorda com as decisões do outro, é dar raspanetes quando é preciso e dar abraços sem reticências. É fazer bem ao outro e não permitir que a vida desgaste os laços.

 

26 - Quando morreres...

as dores vão dar tréguas.

 

27 - Um livro:

O Memorial do Convento (ou todos), do Saramago, sempre. Incontornável. Os capitães da areia, do Jorge Amado, outro romance life-changing. Qualquer um de contos da Alice Munro.

 

28 - Um filme

Cidade de Deus, do Fernando Meirelles.

 

29 - Uma meta a cumprir este ano

Chegar aos 2.222 seguidores na página de Facebook, sem sponsors!

 

30 - Queria ser uma formiga para…

ver de perto pormenores que me passam despercebidos e ter finalmente um exoesqueleto protector.

 

31 - Calças ou vestidos?

Jeans.

 

32 - O que te faz feliz na TPM?

Abraços e chocolate negro.

 

33 - Ser feliz...

É preciso tão pouco para ser feliz, e às vezes é tão difícil conseguir esse pouco.

 

34 - Queria ser...

mais forte, mais fria, mais alta, mais bonita.

 

35 - Queria ter...

Saúde.

 

36 - Se eu fosse homem (mulher)...

Poderia usufruir de todos os privilégios de que os homens (sobretudo os ricos, brancos e hetero) usufruem sem dar conta de serem privilegiados. Ganhava mais. Tinha mais leitores. Podia sair sozinha para a rua ou um bar à hora que eu quisesse, vestida como me apetecesse, beber o que quisesse, sem medo de ser violada, agredida, assediada ou de ser apelidada de oferecida, puta, galdéria...

 

37 - Uma pessoa que tens de/queres conhecer pessoalmente

Os que gostaria de ter conhecido já estão mortos.

 

38 - Cerveja é…

Pão líquido, que me faz inchar como um balão.

 

39 - Na noite passada...

Dormi seis horas ao todo, muito mais do que a média dos últimos tempos. Acordei às 4, andei às voltas na cama, mas ainda consegui dormir mais um bocado.

 

40 - Poderia ficar horas...

A ler, a escrever, a passear a pé por um sitio desconhecido.

 

41 - Uma careta…

língua de fora para fazer os outros sorrirem.

 

42 - O teu lema

In two days tomorrow will be yesterday.

 

43 - Morres de medo de...

Ficar dependente de alguém.

 

44 - Darias tudo para... 

que acontecesse a revolução da classe operária, para que o mundo fosse finalmente livre e justo para todos.

 

45 - O teu maior defeito que é uma grande qualidade:

Sou muito crítica, penso demais e sou muito analítica, o que implica uma auto-flagelação constante mas dá imenso jeito em termos de estratégia e pragmatismo. 

 

46 - A tua maior qualidade que é um defeito:

Sou brutalmente honesta e nunca deixo nada por dizer. Está claro que só me prejudico.

 

47 - Uma blogger que tu admiras e 3 qualidades dela

Uma muito recente blogger (que estreou o blogue Mulher de Papel hoje!), de quem admiro a elevadíssima qualidade literária, a capacidade de parecer serena quando tem a alma em ebulição e a generosidade: Lara Barradas. Sigam de perto. ;-)

 

48 - Que horas são?

17:06

 

49 - 5 palavras com a letra V

Vida

Viajar

Vitória

Ventania

… e o nome do meu pai, que não vou dizer.

 

50 - Indique 5 pessoas para essa TAG!

Não me apetece.

A rubrica "Ventania convida" tem estado espaçada no tempo, mas não ausente, e regressa com uma autora que já sigo há algum tempo, apesar de a ter descoberto um pouco por acaso e mais por proximidades virtuais políticas do que outra coisa - acasos que acolho com um sorriso de gratidão.

A Maria Jorgete Teixeira tem o coração e a margem do lado certo e isso trespassa fluidamente para a sua poesia resoluta e interventiva. Já tem dois livros publicados, pela editora Alfarroba: “O coração é puta sempre à espera” (2015), prosa poética e "“Mulher à beira de uma largada de pombos” (2017), contos inspirados em canções do Zeca Afonso.

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Deixo-vos o poema que a Maria Jorgete escolheu para honrar este blogue, minúsculo à beira do seu talento, e a incumbência de irem visitar a sua página de Facebook, Margem Inquieta.

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A menina que há em mim dorme ao relento
Perdida no vento
À espera da asa
do anjo que a rejeitou
 
À procura
De um desejo largado de uma estrela
De uma pérola de ternura
De uma voz embalada no cabelo
do odor do rosmaninho nas gavetas
 
A menina que há em mim
Ficou sentada no pial da infância
Onde começou a mágoa
enjeitada de si
Perdida no escuro
no canto dos beijos silenciados
amarrotados em lenços
onde se assoa a tristeza
 
a menina que há em mim
vive à espera
que lhe estenda
a minha própria mão.
JOELHO
 
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.

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Bem sei que não é nenhum feito extraordinário. São só 2.000 likes. É pouco, quase nada. Mas para mim é muito, porque estes apenas 2.000 likes são fruto apenas das minhas palavras e de gente que algum dia engraçou com alguma coisa que tenha escrito. São 2.000 likes sem grandes impulsos externos, sem auto-promoções em bicos de pés, sem choradinhos ou vitimizações, sem grandes boleias de quem tem mais visibilidade, sem dever favores. São só 2.000 likes, mas são-no sem entrevistas ou menções na rádio, sem convites de amigos para posições de cronista, maratonista ou malabarista, sem destaques nos blogues do Sapo, sem ter chamado a maior parte dos amigos pessoais para fazerem claque, número ou publicidade, sem ser convidada de nenhum evento literário ou poético, sem prémios, sorteios, patrocínios, sem lamber botas a quem quer que seja e até esquivando-me a uma ou outra oportunidade de ocupar um palco.
 
Não me entendam mal, nada tenho a apontar a quem cria ou agarra boas oportunidades, tivessem surgido no meu caminho e talvez tivesse aproveitado também; só não foi o meu percurso até aqui. Estes 2.000 likes não têm outra história, são likes no escuro, sem sequer ter mostrado a cara, sem cativar pela imagem, figura ou lindos olhos que não tenho. Mas são 2.000 e muitos mais sorrisos, esses sim, sempre genuínos.
 
São 2.000 likes e um espaço minúsculo que partilho com gosto, de coração aberto, com quem acho que merece a divulgação, com quem gosto muito de ler, seja ‘maior’ ou ‘menor’ do que eu, com vários ou nenhuns livros editados, porque o que me interessa é a boa literatura, é poder ler e dar a ler palavras maravilhosas, quer nunca saiam do facebook ou quer já sejam best-sellers de autores consagrados.
 
São só 2.000 likes, que sendo tão poucos são-me tanto. São 2.000 likes conquistados com textos que são quase sempre auto-retratos, diários, confessionários, raios-X da alma. São 2.000 likes com meia dúzia de leitores fiéis, que sempre têm uma palavra de incentivo e de carinho, que são um apoio inestimável, gigante por ser desinteressado, por serem incansáveis divulgadores, de pessoas que, se me puseram a vista em cima, foi não mais do que uma ou duas vezes. A vós devo ter encontrado forças para apanhar os cacos e continuar o caminho sempre que quebrei (e se quebrei!...).
 
São 2.000 likes que podem até ser alvo de chacota de tão singelos, mas são meus, são os melhores de todos, e dão-me uma imensa alegria. Só tenho a agradecer, com toda a humildade, a cada um dos que me deu o seu ‘like’, até aos que deram e depois tiraram. Bem-hajam.
 
"Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar." 💙
 

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Hoje visto-me de Rosa 🌹
Sem folhas nem folhos
Nem filhos, só sonhos
A liberdade é o meu perfume
Que inunda os teus olhos
Toque de seda, flor de jasmim
Meu cravo ao peito
E o teu, junto a mim
Omoplatas nuas
Vestidas de tinta
Tulipa negra a tapar o céu
Não me esqueço de ser lua
Se a noite é de breu
Mas hoje sou quase só Rosa 🌹
E o meu peito sem espinhos, teu

 

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Nunca lhe apertei a mão. Nunca lhe disse ao ouvido "obrigada". Sorvi todas as palavras que lhe ouvi, num anfiteatro gigante da que foi minha segunda casa e que rebentava pelas costuras, em 1998. Como sorvi, saboreando devagarinho, todas as que lhe li, em tantos cenários, de Mafra a uma jangada perdida no oceano.

Não li todas, ando a guardar algumas, a tentar racionar as doses que faltam, por serem finitas, sempre com receio que me fine eu antes de ter o privilégio de as ler.

Sou parcial. Das poucas pessoas que admiro enormemente sem ter conhecido, este será o maior. O mais admirável, pelas letras que compunha como nunca ninguém o tinha feito e muito mais pela humanidade. Tenho uma dívida de gratidão para com ele, cujas prestações de pagamento posso tentar ensaiar em cada linha que  escrevo e nunca, ainda que todas juntas e multiplicadas, serão suficientes  para balizar a emoção.

Deu-me tanto. Fez-me tanto. Escreveu a minha vida num século errado. Deu nome ao conjunto de sonhos que trago num molho, atados com corda de enforcar, dentro da algibeira. Deu-me um amor imenso e sem sentido que sobra em mágoa e em perdão. Fez-me rir, chorar, demoliu-me um par de vezes. E ajudou a construir coisas inquebráveis em mim. Uma certeza, uma força, uma verdade que se deve às palavras, a humildade perante a insignificante existência, a prostração perante o amor que nos molda. 

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Parabéns, José. E muito obrigada.

 

Pequenina, transparente, invisível. Diluída por entre o que brilha faustosamente, por entre a exuberância que te ofusca, sou grão de areia que parece só incomodar, causar desconforto, quando finalmente me sentes debaixo do calcanhar. Um empecilho, uma moléstia, insignificante até magoar.

Acenam-te com luzes, palcos, plumas, folhos e cetins e eu faço questão de não me esconder sob nenhuma dessas máscaras. Não tenho argumentos de monta, atractivos estéticos ou chamarizes sociais, nem sei bem como te detiveste, ao engano, na névoa invernosa que nos atirou para a mesma dimensão. Não tenho glitter nem purpurinas, não cresço em saltos altos nem te lanço escadas para te fascinar com uma inatingibilidade que é irreal. Não sou feita de magias ou perfeições. Sou de carne e sou de osso, de erros e defeitos mil, de cicatrizes e nódoas negras sentimentais. Estou no plano do real, em que o tempo passa, as distâncias doem, as palavras ferem e os silêncios dilaceram. Tropeço, zango-me, faço cara feia quando as lágrimas me apanham de soslaio, babo-me de raiva e de melancolia. Nem a distinção nem a elegância que gostas de ter a emoldurar a tua face visível, mas também ninguém me fez adorno ou bibelot.

Não sou uma mera personagem do teu romance, não deixo de existir quando fechas o livro e passas ao próximo, não me poderás conter em páginas que não te valem a resenha. Não sou a entrada vinte e três na colectânea das poetisas do tule e de coisa nenhuma que escrevem, deslumbradas, desfocadas, sobre o que acham que és tu. Não me contento com definições em versos desconexos sempre na primeira pessoa, extravaso em cada letra das palavras que me deste a custo. O que sou, valho e mereço escapa-te ao entendimento, como escapo eu das tuas teias, dos teus formatos quadriculados cheios de grades e margens e prisões.

Não nasci para ser princesa em contos de fadas, sou proletária, incendiária, de punho sempre erguido, tochas nos olhos e no coração, mestre tanto das fugas como dos choques frontais que te ofendem e te afastam. Não pertenço a este mundo onde cada um é só por si, das sombras e aparências com o verniz a estalar. Talvez deva agradecer-te as desfeitas, evidências inequívocas das palavras em que nunca quis acreditar.

Contra factos não há argumentos.
Não é comigo que celebras vitórias, não é a mim que ofereces convites ou mimos, com quem esbanjas adjectivos e superlativos. Não me ouves quando te grito, na sofreguidão desesperada de querer salvar-te de ti. Não te mereço os sorrisos festivos, as fotografias ou os abraços sentidos, que o meu lugar é na sombra, nos intervalos do que é importante, nos espaços intermédios da vida real que corre em direcções sempre transversais a mim. Nunca me citaste as palavras nem recordas os gestos, que essa sedução em mim não colhe, mas sou eu quem te vê inteiro e em primeiro plano, aqui do alto do meu lugar que é nenhum. A quem iludiste desta vez, quem te preenche as frestas na ilusão de não estares só?

Não sendo jamais urgência nem prioridade, fui (e serei) sempre a que aplaude com mais força cada feito teu, a que na penumbra te ouve e conforta, a que cola os pedaços que outros racharam, com cuspo e com cola de bem querer. Na certeza cimentada de nunca deixar de te incentivar quando perdes a fé, de ir quando chamas, de dar o que não tenho e dar-te tudo, até à última gota do que sou, esgotei o plafond. Um tripé mantido na penumbra para sustentar o truque de magia que és tu. Cansei de só existir enquanto suporte, desnecessária quando te acompanham camaradas das horas boas, dos risos rasgados e festins.

A cada segredo que te adivinho, é sem medo nem pudor que me deixas do lado de fora. O gigantismo do teu coração não se compadece com os meus temores e ainda teima em gelar. Jamais serei animal abandonado que mendiga uma festa de quem não se detém para o olhar. Esbanjas a palavra amizade com quem só te conhece o mel, só para mim despes a capa, atiras a espada, berras e cospes fel.

Colho gargalhadas jocosas onde outros passeiam com excesso de corações pendurados nos bolsos, esquecida e ignorada, silenciada. Alheio às minhas dores e lágrimas colhidas por comboios frios, continuarás o teu trilho, seguro e firme; em cada degrau um grão de areia esquecido. Atrás da cortina onde me cansei de esperar, sozinha, sem tempo de antena, sem direito a nota de rodapé, demorou, mas percebi. "O meu lugar não é aqui." 

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