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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Pára tudo! No meio das nuvens autoritárias e espessas, Ventania viu uma luz, como se um relâmpago lhe acertasse na testa.


O que raio ando eu a fazer da minha vida? Que incapaz resignação é esta, que me deixa prostrada entre memórias de circunstâncias e sonhos ficcionados? Eu valho muito mais do que viver em suspenso, à espera de decisões que não se podem decidir. Pronto, encontrei um tipo que me virou a vida, coração, cabeça e entranhas do avesso. Amo-o, com certezas e convicções maiores que o Sol e a Lua. Ele não me ama. Ponto final. Pior, ele não me ama mas usou-me, magoou-me, mudou de ideias demasiadas vezes, recorreu a mim para mais do que podia ter ousado. Disse-me que não e de seguida chamou-me. E eu fui. Seguindo sempre um chamamento duma força maior que o raciocínio, que o instinto, que o desejo. Uma e outra vez a estória a repetir-se. Ele chamava, eu ia, ele repelia. E eu iria sempre, continuaria a ir, ciente dos riscos, a fazer equilibrismo sem rede num pedaço desfiado de esperança. Nunca acreditei que fosse só amizade. Tricotei-lhe desculpas, pretextos do passado, do presente. Mas nunca acreditei. Quem não ama, incerto que esteja, inseguro que seja, não envereda por caminhos sinuosos que desembocam em mágoas comuns. Os erros... Errar, todos erramos. Repetir os erros, tantas vezes, tem de ter uma contrapartida muito forte. Nunca foi uma simples amizade. É uma crença minha, uma fé. Mas eu sou mais racional e pouco atreita a convicções sem factos.


Não mereço sufocar num sofrimento contínuo por não o ter mais. Fizeram-me coisas feias, coisas injustas. Perdi um amigo, um dos melhores. Acusou-me de ser um entrave à felicidade dele. Mas ele não sabe nada... Tolo. Se só vê o que querem que veja, se não suspeita da enormidade deste último erro, realmente não sabe mais que as sombras. Tenho saudades dele, a cada dia, em crescendo. Ter saudades é sentir dor na ausência, é não me contentar com as memórias, é desejar nunca repetir, mas fazer mais, ir mais além. É querer enviar o coração para dentro do dele e ali render-me.


Já chega. Mereço mais do que isto. Ele pode ser o melhor do mundo (até agora), mas não me quer. E eu sou mais importante que ele, serei sempre. No centro da minha vida, EU. E sou maior do que ela, a que ele procura em todas, por razões que não merecem ser lembradas. E eu não tenho o direito de me negar à vida. Sou uma mulher inteira, resolvida, interessante, independente, inteligente, densa, cheia de ambições maiores do que o mundo. Não vou deixar a vida passar-me ao lado. As oportunidades. Não posso continuar a rejeitar cada olhar como se fosse uma maldição. Ele não me merece, neste momento, nem de empréstimo, e eu não sei dar-me sem ser completamente.


Se consigo viver sem ele (em oposição a sobreviver)? Claro que sim. Eu acredito, luto para acreditar. Se é já hoje? Claro que não. É que “sem ele” significa mais do que sem o amor dele. É sem ele, a pessoa extraordinária que ele é, o amigo maravilhoso que ele é, a pessoa espantosa que iluminou as minhas descrenças e me provou que os sonhos se tornam realidade. “Sem ele” significa que no lugar dele reside uma ausência que lamento profundamente, residem mágoas e ofensas, e reside a lembrança duma oportunidade falhada, negada. A impossibilidade de alcançar o impossível. Tenho de lamber as feridas, canalizar raiva, desgosto e pesar para o mesmo luto. Tenho de calar as fotografias, as palavras escritas e ditas, os olhares e cheiros e lugares. Tenho de pegar em cada um dos mil pedacinhos estilhaçados e começar a reconstrução. Tenho de afastar as tentações e resistir. Tenho de me fazer prometer.

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