Perguntaram-me “porquê ela”? “De tantas pessoas no mundo, estás a ficar amiga logo dela?!” Porque não? Se é uma pessoa como outra qualquer, se afinal até temos tanto em comum, se há confiança. E foi-me ganhando. Fizémos pactos, logo no início, porque lhe pedi, para que não houvesse promiscuidade nas palavras que escorrem duns para outros ouvidos, porque quis separar a pessoa-para-mim da pessoa-para-outros. O que me interessa numa amizade é quem aquela pessoa é para mim. Não me interessa o que dizem que é ou foi ou fez. Se amigos comuns estão de costas voltadas, não tomo partidos. Tendencialmente, as opiniões ficam marcadas pela primeira versão do que se ouve, não necessariamente verdadeira ou falsa, mas uma versão, um ponto de vista. Prefiro não ouvir versão nenhuma. Ou se ouvir, lembrar que as realidades dependem do ângulo de observação e relativizar. Mas isso sou eu, que já sei os terrenos que piso.
Adiante. Fui alertada, mas nunca vi sinais de perigo. Costumo dizer que tendemos a julgar os outros pela nossa própria bitola. Apenas duas raparigas com poesia e sonhos a correr nas veias, com filosofias antagónicas e irmãs. Fazíamos planos juntas, que nunca passaram disso. Íamos viajar juntas, aqui, ali e além. Sonhei uma vez com ela, a prever-lhe o enlace que me confirmou pouco depois. Antes de confirmar a muitos outros. Perguntou se gostaria de ser convidada para a festa. Guardei a discrição que nem foi preciso pedir. Sempre, mesmo quando quis amparar as lágrimas de alguém, guardei para mim o que me tinha sido confiado. “Conversas entre nós duas, são entre nós duas”, era o pacto, pelo qual zelei sempre. Mesmo no fim, quando senti uma punhalada nas costas que me atingiu bem no centro da confiança. Que me levou a perder a única coisa que importava. Podia ter-me munido de armas e provas e evidências, mas o mal estava feito e não ia voltar atrás. Se houvesse volta, que não fosse por aí. Quem abraça rancores sem fundo nem fundamento não é digno de encontrar a verdade que não pelo seu próprio pé, a custo, para lhe ser mais verdadeira do que o que vem escrito nos livros da escola.
Para mim, os valores da amizade passam pela confiança, pela partilha, pela honra. Mesmo que a amizade seja incipiente, mesmo que seja uma “promessa” como outrora lhe chamei. Para mim, estes valores são lineares, incontornáveis, não têm espaço para subjectivismos. É por isso que não me perco no labirinto da identidade. What you see is what you get. Não sou uma projecção de quem gostaria de ser, não sou uma imagem diferente de mim a que tenha de corresponder. E é, também por isso, que gosto de ser quem sou.