Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

000000.jpg

And all the things we were going to do. All the plans to being young and fearless until we woke up really, really old and hold each other's hands and kiss like we always did, with poetry between the lips, no walls and no clothes, just us and the poetry of the softest kisses.

Como é que se perde um amigo? Falo de uma perda de amigos vivos, falo do fim da amizade, de uma árvore seca, sem seiva ou lume; falo de ficar um vazio, seco e frio, onde antes estava uma super-cola imaterial a unir duas pessoas. Perder um amigo é diferente de um afastamento, de um desgaste, de uma fase mais complicada, de um amuo ou zanga; nestes casos tudo pode voltar naturalmente ao que já foi, ou pode só manter-se esta distância feita de indulgência mútua, sem nunca se ter passado pela ruptura, pelo sentimento de perda. Há amizades que se diluem no tempo, nas distâncias, nas circunstâncias da vida, nos desencontros, nas diferenças, nos desânimos, nas derivas lentas. Mas falo de ter algo raro, bonito e precioso num momento, e de repente não mais o encontrar. Falo de faltar um chão que era sustento seguro, de se ser dispensado do lugar de presença constante e incontornável. Falo de uma dor repentina como um trovão, insustentável, dilacerante, paralisante.

 

Perder, diz-nos o dicionário, é “deixar de ter alguma coisa útil, proveitosa ou necessária, que se possuía, por culpa ou descuido do possuidor, ou por contingência ou desgraça.” E amigo é “quem sente amizade por ou está ligado por uma afeição recíproca”. Perder um Amigo é, portanto, uma afecção disruptiva da reciprocidade de um afecto, por culpa ou descuido, contingência ou desgraça.

VS_perderumamigo_destaque.jpg

 

Confesso que sou nova nisto de perder amigos e talvez por isso me custe tanto a compreender. Já deixei ir alguns amigos, quedei-me passiva perante as imposições de algumas distâncias ou permiti que desgastes e frustrações alargassem os elos, por negligência ou circunstâncias várias. Também já coloquei em pausa Amizades importantes, por motivos de força maior, mas os elos não quebraram e estas uniões retomaram o seu lugar ou retomarão um dia. O afecto e todo o muito que nos unia continua a existir, intacto. Na hora de recomeçar, pega-se no ponto onde se ficou, basta sacudir e desempoeirar as marcas do tempo, a cumplicidade retorna e a partilha também.

 

 

Era mais um primeiro dia, adiado há meses por todos os travões que compõem as fugas. Era, como sempre, o Rossio que ampara encontros e desencontros. Era mais uma ginja, daquelas que deviam dar desculpa à língua para se soltar.

Era a cabeça às voltas com as inevitabilidades de fins e começos de motins internos, de desarranjos emocionais. Era a chuva nos óculos dele e um regicídio por celebrar. Foram palavras hesitantes e atrapalhadas, banalidades, sorrisos e silêncios dentro do olhar que diziam muito mais. Havia ali uma estória por ser escrita, a termo incerto.

Novamente, o Rossio. Novamente uma ginja desencontrada e um ano mais sobre o regicídio que abriu portas à República. Novamente, silêncios entre a chuva e decisões idiotas a serem tomadas com parcas palavras, que dos silêncios distantes de uns se fazem as aproximações de outros. Feridas abertas precisam de pensos rápidos quando a negligência já não chega para estancar.

photo-1516395614785-58f599409d3c.jpg

Tomada por um torpor paralisante, por mais que esprema não me saem as letras que quero dizer. Sei que por mais rodeios em que apanhe boleia, é a ti que vou ter, como sempre, desde sempre. São os teus olhos que me calam, que já não sei mais o que lhes contar. 

Consegui dizê-lo pela primeira vez, escorreita; professei o meu amor com todas as letras e de viva voz. Sem abafar o eco que nunca sai destas paredes.

photo-1535914599008-09dba60ca697.jpg