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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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A política do medo instalou-se por todo o lado. A comunicação social tornou-se ainda mais perversa e vale tudo para vender, vale o título gerador de conflito e de pânico, vale adiantar factos não confirmados, vale desinformar em vez do que devia ser a sua missão primeira, o oposto disso.
Vale a mentira.

A mentira é sempre a pior política, a meu ver. A nível individual, seja nas relações pessoais ou laborais, sigo desde sempre a minha regra da verdade acima de tudo. Traz dissabores, sim. É difícil de gerir, por vezes. Tem de se usar de diplomacia extra para dizer algumas verdades mais penosas (de dizer ou de ouvir). Mas vale a pena, porque não há nada que magoe mais do que a mentira. E é uma ofensa, seja por colocar aquele a quem é dita a mentira num patamar intelectual ou emocional inferior, no mínimo fraco. Ou acham que nunca irás descobrir a mentira, ou que não és capaz de lidar bem com a verdade.

A mentira é, ponto assente e repetidamente comprovado, o modo de viver das classes políticas mais fortes, porque é através dela que chegam ao poder. A mentira vale os votos dos mais distraídos, crédulos, ignorantes, interesseiros e cínicos. O interesse comum e público é cilindrado em prol de alguns interesses pessoais e materiais. É por esse motivo que a educação e a ciência são inimigos do despotismo encapotado, esse sim temível e mortífero e devastador.

Como é que nos habituámos a viver assim, a ser (des)governados assim, e sem muito fazer para trazer a verdade ao de cima?! Vivemos realmente num mundo fabricado, numa matriz para consumo imediato e superficial.

 

Até quando iremos tolerar esta deriva no nevoeiro?

O estado de emergência que Hollande quer prolongar por 3 meses e as imagens de uma multidão em fuga quando se ouviram sons confundidos com tiros (afinal foi o metro a passar normalmente uma lâmpada de um candeeiro público a estourar) na Praça da República provam bem que o clima vivido em Paris é ainda de medo e pânico. Compreensivelmente. E é precisamente esse o objectivo dos terroristas. Vamos ceder, Europa?

 

Para mim, o ideal seria haver condições de segurança para recuperar o Bataclan tão depressa quanto possível e fazer uma enorme festa a celebrar a Libertade, mostrando que não conseguem intimidar-nos! Infelizmente, não creio que se consiga esquecer o medo tão cedo.

 

 

Depois, o medo tem um outro lado, muito pernicioso e que, a continuar a escalar, há-de ser o fim da Europa e o início (oficial) da III Guerra Mundial.

 

Não vão faltar aproveitamentos políticos por parte da extrema-direita, e por parte dos ignorantes que acham que os refugiados da Síria são menos humanos e menos merecedores de viver em paz com as suas famílias do que os europeus. A distinção entre o "eles" e o "nós". Os "nossos" primeiro e blablabla (o chorrilho nojento de barbaridades que todos já conhecemos). (Curioso que o primeiro terrorista identificado até é luso-descendente e outros são belgas.)

 

Podia parafrasear o Diogo Faro (Sensivelmente Idiota). E, além disso, citar, ipsis verbis, o meu amigo Bruno Carvalho:

 

"Só para lembrar que é dos responsáveis pelo banho de sangue em Paris que fogem os refugiados que abandonam a Síria, o Curdistão, o Iraque e a Líbia. Hoje, foi em Paris. Ontem, foi em Beirute, onde mais de 40 muçulmanos foram assassinados pelo terrorismo do Estado Islâmico. Em Beirute, morreram árabes. Em Paris, morreram europeus. Todos vítimas dos mesmos carrascos. Não se esqueçam disso quando, amanhã, começar a campanha xenófoba nas televisões, rádios e jornais."

 

 

 

 

O que me choca mesmo é que haja pessoas que desconhecem os processos democráticos a ponto de genuinamente acharem que o que ser passou dia 10 na Assembleia é uma "aberração", "palhaçada" e outros mimos que ouvi e li por aí. Mal informadas, seguramente, mas diligentes o suficiente para propagarem as suas verdades de bolso como se fossem a voz da razão.

 

Não é demais repetir até à exaustão que as eleições legislativas elegem representantes do povo no Parlamento, ou seja, deputados. Não determinam as cores do governo e muito menos que o que quer que seja sujeito a votação na AR seja aprovado, nomeadamente o presidente da Assembleia, os orçamentos, os programas de governo e quaisquer iniciativas legislativas. Chama-se democracia.

 

 

Também me chateiam os pessimistas que não acreditam que isto vá resultar. Até podem estar certos, mas não ouviram dizer que pelo sonho é que vamos? Vamos esperar para ver antes de ditar sentenças de morte, sim? Eu sei que a mudança assusta muita gente, até alguns dos que votaram à esquerda, mas quando as coisas não estão bem (e só os patrões podem achar que as coisas estavam bem sob a desgovernação ultra-neo-liberal da coligação, não me lixem!) não vai melhorar sem essa mudança.

 

Chamem-me idealista e utópica à vontade, mas mesmo com todas as reservas em relação ao PS e ao António Costa, o que se passou ontem fica para a história, e pode bem ser o início de uma união à esquerda que eu anseio há décadas, assim o espero.

 

E sim, comovi-me quando li "o governo caiu", quando abracei o meu amor, quando cheguei ao Rossio e a cidade me cheirou a esperança nova, e ainda agora enquanto escrevo estas linhas. Comovi-me porque já não me lembrava de ter orgulho neste país e pela primeira vez em muitos, muitos anos, tenho alguma esperança da vida dos portugueses melhorar um pouco, de não ser obrigada a emigrar para criar uma família em condições.

 

Mesmo que tudo corra mal, agora sabemos que é possível. Já não é só um desejo, uma conjectura, uma hipótese etérea. É real.

Momento histórico na nossa jovem e imatura democracia, mas convenhamos que nada mais do que um processo simples e comum nas democracias mais sólidas. Não estou a rebentar de felicidade como vejo alguns amigos do Bloco, ansiosos e talvez ingénuos. O próximo governo (e contando com alguma inteligência de Cavaco, o que não é garantido, bem pelo contrário - não me espantaria nada que ainda tentar forçar um governo de iniciativa presidencial, com elenco do centrão no seu pior) não será de esquerda. Lamento, genuinamente mas, a ser, será apenas um governo PS com controle da esquerda. Esquerda essa que esteve realmente bem em todo o processo, engolindo alguns sapos em prol da libertação do país do neoliberalismo radical. Foram "apenas" algumas arestas do programa PS que a esquerda conseguiu alterar, mas que arestas! Muito bem, fico realmente orgulhosa e ainda mais convicta de que o caminho é uma junção de forças entre BE, PCP, Os Verdes, o Livre, o Mas e, se o PCTP-MRPP voltar a ter gente capaz e racional na sua liderança, também.

 

Adiante, que esse é um post que tenho em rascunho desde antes da campanha eleitoral e falaremos disso mais tarde. Do que tenho pena é que a esquerda não se tenha querido comprometer e realmente envolver na governação. Compreendo, perfeitamente até, que seja um cinto de segurança, não para proteger votos como tenho lido por aí, mas porque o comportamento errático dos anteriores governos PS não nos deixaram propriamente descansados. É uma desconfiança legítima, infelizmente, mas não basta ter socialismo no nome como garante de políticas socialistas. Seria um risco enorme, é facto, mas o meu idealismo ainda acredita que seria mais proveitoso para o país se estivesse nas mãos de pessoas competentes de esquerda a possibilidade de realmente reformar profundamente áreas críticas, e quanto mais cedo melhor. Enfim, resta aguardar com confiança que seja feito o melhor que se conseguir. E regozijemos, o pior (des)governo de sempre em Portugal vai, finalmente, cair. De quatro.

Para quem tem de sair de casa cedo e chega a casa tarde, o horário de Inverno é uma seca. Significa sair de noite e voltar a entrar de noite. O dia parece render ainda menos, parece que só vamos a casa dormir e "à pressa".


Na verdade, a hora presente ou de Inverno é a que coincide com a hora solar, no Verão é que adiantamos os relógios para maximizar a luz solar (daylight saving time). Ah, e quem teve esta ideia NÃO foi Benjamin Franklin, mas sim um entomologista neo-zelandês, George Hudson, com o intuito de maximizar a utilização da luz solar e também poupar energia.


Já agora, sabem qual o melhor sítio para certar a hora de relógios e aparelhos electrónicos? É no Observatório Astronómico de Lisboa (podem seguir o link e olhar para o canto superior direito do écran).


Tenho-me divertido à brava com o bluff que o António Costa pôs toda a gente a jogar. Divirto-me, sem ansiedades de maior, porque acredito que não passa disso mesmo, bluff, com o único propósito de:

 

a) se correr demasiado bem (era preciso que o Cavaco deixasse de ser quem é, ou nascesse outra vez) chegar a ser primeiro-ministro - não acredito por um minuto;

 

b) ficar legitimado para o que vem a seguir e tentar não perder o que falta do eleitorado. [Infelizmente, algures pelo caminho ganhei este cinismo que me impede de sonhar a cores com o (tão assustador para alguns) "governo de esquerda". Não vai acontecer.]

 

E mesmo que o PS e os partidos da verdadeira esquerda (porque não basta ter o socialismo no nome) chegassem a um entendimento, seria ainda um governo centrista - na melhor das hipóteses, e porque puxado por duas rédeas para a esquerda. Convenhamos, sempre que o PS tem sido governo, em matérias sociais como o trabalho, saúde e educação, teve posturas tão ou mais à direita que os governos PSD ou PSD+CDS.

 

A CDU esteve à altura do momento e teve uma atitude exemplar, quanto ao zelo pelos melhores interesses do país e quanto à inteligência necessária para lidar com esta questão. Está disponível para deixar passar uma proposta de orçamento que tenha em conta os pontos fulcrais para as protecção dos direitos dos trabalhadores e não exige qualquer cargo nos ministérios (novamente, bem, porque nem a CDU quer "tacho", nem seria coerente com o discurso em relação às propostas mais neoliberais do PS e ainda deixa o espaço necessário à oposição que fará falta em todos os pontos sem o "consenso" da esquerda). Ou seja, pagou para ver e subiu a parada.

 

O Bloco, talvez por ainda estar a viver uma espécie de euforia pós eleições, esperou (por um lado, para ver a reacção de comunistas e verdes, por outro, para poder ter a última palavra) e surfou a onda. Catarina Martins colocou toda a sua teatralidade nas primeiras declarações após a primeira reunião com o PS e exagerou ao dizer que o governo de Passos e Portas havia acabado. As precipitações podem ter aquele efeito do discurso do Rui Tavares pouco depois das 20:00 de dia 4, que em pouco tempo de virou contra ele, transformando-se num - como se chama na minha terra - grande melão.

 

Costa está a fazer-se de difícil com a coligação (e a conseguir exactamente o que quer), Passos já começou o discurso choramingão do costume: "aquele menino não quer brincar comigo".

 

A minha aposta no que vai acontecer: como Costa tem a bola, mas quem tem o campo e as balizas são os meninos queques (PàF), lá chegarão, com enorme sacrifício de parte a parte, a um acordo de amigos. O jogo será arbitrado pela esquerda séria e a sério, espera-se um festival de cartões e até uma ou outra expulsão. As claques vão andar exaltadas e são expectáveis distúrbios de alguma violência verbal (mas não mais do que isso). Na 2ª parte (logo após as eleições presidenciais de Janeiro), é possível que as tendências de jogo mudem...

 

E nós a gostar de ver...

Só uso a Fertaus (o "comboio da ponte", do Grupo Barraqueiro) quando tem mesmo de ser e hoje foi um desses dias. O homem ridiculariza este meu ódio de estimação, a maior parte das pessoas acha que é o máximo passar na ponte de comboio e tal, mas eu não vou nisso. Qual velha(das) do Restelo, bato o pé e não me demovo. Não por teimosia, mas porque as razões para este ódiozinho não faltam:



    • As estações são geladas: mesmo nos dias de Verão, meus amigos, as estações que eu tenho de usar, quando calha um desses dias, na margem certa, são um absoluto gelo! A 500m pode estar calor, mas nas plataformas das estações o grizo é impressionante!

 

    • Os horários deixam muito a desejar. Faz sentido que a ligação entre a capital e uma das maiores cidades do país, Setúbal, só se faça de hora a hora?

 

    • O espaço, ou melhor: a falta de espaço. Não sei se quem fez as carruagens estava a desenhá-las para Liliputianos, mas caramba (!), o povo português até é baixinho e tem pernas curtas (no geral), como é que o espaço entre lugares obriga a que os joelhos dos passageiros se toquem?! (Sim, sou cheia de não-me-toques, e depois?!)

 

    • O preço é absurdo! As viagens de comboio são das mais caras da Europa se observarmos o preço médio do Km. O valor mais baixo é 1.40€ para trajectos de uma paragem e vai até aos 4.35€ para a ligação Setúbal e Lisboa. Se eu for dos Foros de Amora para Lisboa pago 2.50€, mas se apanhar o comboio na estação anterior (Fogueteiro) são mais 0.40€ por uma distância de 3.3 Km (4 min de Fertagus).

        • Sulfertagus, o serviço de autocarros da empresa, não se fica atrás. A tarifa mais baixa para bilhetes simples é de 2.70€ (um trajecto de uma estação, por exemplo, de Corroios ao Pragal ou do Fogueteiro a Coina) e pode ir até aos 4.55€ (do Pragal a Setúbal). Não admira que tanta gente continue a preferir usar o automóvel. Falando em automóveis...

        • Se levarmos carro para um parque de estacionamento Fertagus, eis mais uma bela forma de arrombar o orçamento: 1.50€ ou 1.90€ (consoante se trate do parque exterior ou do auto-silo), ou em versão "passe": 25€ ou 30€. Amigos do Porto que vão ver a SCTP privatizada, utentes da TAP (sim, Grupo Barraqueiro, estou a olhar para vós!), si prepara!

        • Fazendo as contas, se eu substituísse o meu actual passe L12 (59.45€) por este magnífico serviço privado, pagaria sensivelmente o dobro. E chegava exactamente à mesma hora ao trabalho, e a casa. E ia / vinha provavelmente de pé ou com joelhos de estranhos a roçarem-se nos meus.

Ainda estamos, oficialmente, na silly season. Em Agosto o país está a banhos, as notícias nem chegam a ser parciais de tão tontas (há umas semanas vi um efeito, num jornal da noite, com as cabeças dos líderes dos principais partidos políticos dentro dum carro a dirigirem-se aos seus locais de férias - de onde me surge a exclamação "mas vão todos no mesmo carro?!"). Sendo que o povo português já não prima propriamente pela boa memória, tão pouco pela seriedade quando é chamado a botar cruz nos boletins de voto, esta silly season inquieta-me sobremaneira. Mesmo as poucas pessoas que ainda pensam, falam e debatem política, chegam aos seus dias de dolce fare niente de papo para o ar e a cabeça entra em modo de poupança de energia, em que a decisão mais crítica que deve fazer é se vai para a praia do costume ou se vai para a outra praia, se vai à vila almoçar um peixe grelhado ou se fica por ali e petisca qualquer coisa numa esplanada. (E estão no seu mais pleno e amplo direito, sobretudo após 11 meses de trabalho num emprego cansativo, mal pago, longe de casa, em que são feitas muitas horas extra não remuneradas, com medo de o perder e com ele o sustento da família, dos problemas de saúde agravados pela ansiedade e pelos cortes forçados nos cuidados médicos e até no tipo de alimentos.)

 

 

 

 

Mas é precisamente por isto que a silly season é tão perigosa. O neurónio com consciência crítica e política, a existir, vai de férias e, no regresso, já nem tem bem presentes as patifarias perpetradas durante todo um mandato, ou toda uma república. E depois ainda há a agravante do futebol, ópio do povo, com mais intrigas do que as novelas da TVI, o mercado dos jogadores, os treinadores "traidores", a pré-epoca e toda essa puta da loucura que tem zero interesse para a vida real e os problemas reais do país, mas consegue absorver energias e paixões de homens e mulheres que vivem daquela fogosidade, sofrem pelas suas cores, saem à rua em êxtase quando o seu clube ganha qualquer coisa, mas não têm qualquer interesse em ir votar, ou em conhecer aquilo em que votam.

 

Em suma, o português "médio" (é como o português suave mas sem nicotina) regressado de férias é bem capaz de se ter olvidado dos desabafos, argumentos e declarações convictas do "nunca mais voto nestes ladrões!". Pior, vem conformado e já diz "os outros ainda são piores, querem é encher os bolsos".

 

É verdade que amanhã já será Setembro e vai passar a falar-se da reentrée. Mas quanto ao que interessa, deu-se o reset "que lhes interessa". Em termos políticos, a silly season portuguesa dura 12 meses no ano. E enquanto não for exigida uma cultura política e social participativa, que é o pilar da Democracia, enquanto não se ensinar nas escolas, em cada casa, na comunicação social, que a política é feita por todos os cidadãos e que só não somos donos do nosso destino colectivo se não quisermos, então seja o (des)governo PS, PàF, PSD ou outra corja idêntica, temos exactamente o país que merecemos.

 

 

 

Os coitadinhos, mesmo vivos, já me irritam solenemente. Irritam-me as pessoas que chamam os outros de coitadinhos, diminuindo-os, e ainda mais me iriam os coitadinhos profissionais, os que fomentam a imagem de coitadinhos e ainda acham que essa é uma boa maneira de obter algum ganho pessoal. Ai, coitadinho de mim, que trabalho tanto, que tenho tantas dificuldades, que tenho aqui uma dor. Em suma, tenham lá pena de mim, que sou *pequenino*.

 

E depois há a outra raça, dos que passam a ser coitadinhos porque morreram. Mesmo que, quando vivos, tivessem sido os maiores bandalhos, patifes, cabrões, filhos da puta. Mas se agora estão mortos, coitadinhos, deixá-los lá descansar em paz. Como se a morte fosse só por si castigo por todas as malfeitorias e apagasse as mesmas e suas consequências. "Então mas agora o que queres tu fazer, ir buscá-lo ao além para dizer-lhe umas verdades na cara"? Não é necessário, digo à mesma e se o mortos ouvirem, melhor.

 

 

 

Cravos vermelhos. 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais. A minha favorita de sempre e que tenho como lema de vida e pilar fundamental do meu sistema de crenças: o Povo Unido jamais será vencido.

 

Nasci no seio de uma família de fazedores de Abril. Da geração que cresceu na ditadura, com muitas dificuldades - dificuldades sérias, é preciso explicar, que a palavra se banalizou. De avós operários das fábricas, sem instrução, sem casa própria, que viviam em águas furtadas sem casa-de-banho, que tinham de fazer duas sardinhas e um ovo esticar para alimentarem três bocas. O 25 de Abril trouxe possibilidades inegáveis de uma vida melhor, a capacidade de ambicionar algo mais, direitos, participação cívica, desenvolvimento pessoal. Já não era necessário entrar à socapa nas salas onde se reuniam membros dos partidos políticos clandestinos, atrás da sede do clube de futebol local. Os meus avós ousaram então, só então, sonhar com uma casita alugada, paga do salário deles, com quartos e cozinha e casa-de-banho, até um quintal para poderem semear uns legumes. Os meus pais ousaram encerrar o ciclo: casar e constituir a sua própria família, sem a condenação inevitável da pobreza, sem ser necessário mandar os filhos trabalhar ainda pré-adolescentes para ajudar ao sustento da casa.

 

Eu, tendo nascido anos depois, sinto-me filha de Abril. Tudo o que sou deve-se àquele momento em que homens e mulheres valentes ousaram derrubar o sistema e entregar o destino do país às mãos do povo. 

 

O 25 de Abril é o dia mais bonito. O cravo vermelho é a flor que toca todos os corações. 11155032_10204008002743919_252136526884919777_o.jp25sempre.jpg

 

A Democracia está longe de ser perfeita e está, para mal de todos nós, desvirtuada. Ao 41º aniversário da Revolução dos Cravos as notícias dão-nos conta de mais um vil atentado à liberdade de imprensa pelo arco da governação das últimas décadas, mais um retrocesso nas portas que Abril abriu. Apelo aqui à memória da ditadura, na 1ª ou 3ª pessoas, para que não se ceda nem mais um milímetro dos direitos arduamente conquistados há quatro décadas (salário mínimo, direito à educação e saúde gratuitas, igualdade de géneros, direito à greve, a férias, Segurança Social, etc., etc., etc.), porque ainda há muito a conquistar para que esta sociedade seja realmente justa.

A nossa capital foi devastada, muitos milhares de vidas perdidas naquela manhã do dia de Todos os Santos de 1755. Um sismo de magnitude 8.5 na escalha de Richter, com epicentro a cerca de 240 Km de Lisboa, no rift do Atlântico. O evento dramático que marcou a nossa história foi recriado pelo Smithsonian Channel e aqui está o impressionante resultado.



 

Lembro-me de andar na escola primária, 3ª ou 4ª classe. Estávamos no Inverno, talvez Novembro ou Dezembro. O trabalho de casa era fazer uma redacção sobre o nosso feriado preferido. Inevitavelmente, uns 25 dos 30 meninos escreveram sobre o Natal, a paz, a família, os doces, as prendas, as férias da escola. Eu escrevi sobre o 25 de Abril. Escrevi sobre fotografias que tinha visto de cravos nas espingardas e de soldados amigos do povo, que ganharam aos mauzões que prejudicavam as pessoas. Juro por tudo que nunca, até hoje, ninguém da minha família tentou influenciar as minhas opções políticas (ou religiosas, for that matter), nunca fui brainwashed para pensar assim ou assado. O que naquela altura sabia sobre o 25 de Abril era o que via na televisão a preto e branco da sala e o que me iam respondendo às muitas perguntas. Lembro-me de ouvir os meus avós falarem do "antes do 25 de Abril", de quando tinham para o jantar de três um ovo e uma sardinha, tomavam banho num alguidar e viviam por favor na casa duma irmã. Lembro-me das dezenas de cartas guardadas no armário da sala da minha avó, trocadas entre os meus pais quando namoravam, ele no ultramar, ela a trabalhar em lojas da Baixa desde os 13 anos, em que se falava da guerra e do regime e se sonhava com um futuro. Lembro-me de acreditar que éramos vencedores de qualquer coisa, que o 25 de Abril tinha sido um triunfo dos bons sobre os maus, da justiça, e que dali em diante nunca mais nos íamos deixar espezinhar, que quando alguma coisa estivesse mal só tínhamos de falar e defender os nossos direitos.

 

Hoje sinto-me defraudada pelas expectativas que tinha aos 8 anos. Não percebo para onde foi a memória colectiva deste país que se encolhe e resigna aos maiores insultos e parece-me que o povo que imaginei a fazer a revolução de abril está todo esclerosado e entrevado e que os seus filhos e netos já nasceram cheios de artroses e são (somos) um monte de incapazes que só reagem ao futebol. Cada um de nós agarrado a uma desculpa de coitadinho, à rasca, pobrezinho. Sinto que somos uma cambada de sacos de porrada, de todas as gerações. Coitadinhos dos reformados que têm pensões microscópicas, coitadinhos dos trabalhadores que são explorados, coitadinhos dos estudantes que não vão arranjar emprego, coitadinhas das criancinhas que não têm futuro. Os grandes e mauzões tiram-nos o dinheiro do almoço e a gente só sabe é chorar. Caramba, pá! Recuso-me a ser coitadinha! Recuso-me a encolher-me na cadeira sem fazer ondas, a rezar para que o FMI não me tire o subsídio, recuso-me a comer e calar, recuso-me a ver o meu trabalho ser desvalorizado e os meus impostos entregues aos bancos e às Donas Brancas de Wall Street. Recuso-me a ser condenada pela austeridade, pela crise e pelo medo. Não tenho medo, nem de trabalhar e muito menos de lutar pelo meu país, pelos direitos do meu povo, pela saúde dos avós e pela educação dos filhos. Somos pobres, mas somos muitos, somos bem-formados e temos livre-arbítrio! Sejamos da esquerda ou da direita, somos todos pessoas, temos direitos e temos deveres, temos voz, e tanto quanto vejo daqui, estamos todos na merda. Que tal, para variar, tirar o rabo do sofá, ir fazer pela vida e sair da merda? Para a rua gritar, às urnas votar, agarrar na trouxa e bazar, seja qual for a melhor forma de nos fazermos à vida. Em 1974 fez-se a mais bela revolução do mundo. Em 2011 nada nos impede de voltar a acreditar.

 

O 25 de Abril continua a ser o meu feriado preferido. Mas todos os dias do calendário são igualmente valiosos e cada um deles merece ser vivido com dignidade, liberdade e consciência. E enquanto tiver palavras, ninguém me pode calar!

 

25 de Abril sempre! O povo unido jamais será vencido!

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