Tenho andado a pensar em cortar contigo, fechar-te num envelope e manter-te só no pretérito, como uma recordação saudosa e amarelada que se encontra com surpresa no fundo de uma gaveta quando se faz uma arrumação. És difícil de conter num envelope; não te consigo resumir em meia dúzia de fotografias ou nas milhentas cartas que já trocámos, feitas aviões de papel em vôos picados, cada um a despenhar-se desajeitadamente sobre si próprio, sem sobreviventes. Há sempre uma ponta que se solta ou uma página que ainda aparece, desenquadrada, virgem, inédita. Uma palavra quase esquecida, um novo carinho insuspeito que largas ao acaso no meio dum raciocínio distante, interrompendo o meu luto.
Sei que tenho de te arrumar em algum lado, nos confins de mim, onde não me desafies nem inquietes. Tenho mesmo, que viver com um permanente ardor no peito e um vazio num pedaço de alma, qual membro fantasma de uma coisa que nunca esteve realmente lá, não é sustentável, vai envenenar o que tenho de são e dissolver a fortaleza que me orgulho de ser.
Talvez tenha de te cortar efectivamente, com golpes fundos de navalha, com força impiedosa e toda a raiva que me tenho, para te imputar a ti a tarefa do silêncio. É ainda mais difícil, que sempre que te arranho arrasto-me pelos dois e depressa esqueço todos os planos tão racionais de abandono sem voltar costas, para te querer mais perto, proteger-te, fazer do meu corpo tua carapaça, tomar por ti todas as dores e curar essas feridas abertas em que deitas sal. A tua presença é-me difícil, assim como é, vagarosa e nublada, intensa e fantasmagórica, em fuga constante; já a tua ausência é-me insuportável. Fazes-me falta, iluminas uma parte de mim de que já me ia esquecendo de ser. Escureces inseguranças que não têm lugar nos teus olhos e o que vês de mim é muito mais o que sou eu sem casca nem carapaça. É, tudo isto, um perfeito desperdício de amor e de forças. Afastar-me para não sofrer, e afinal sofrer com isso muito mais. A equação é cruel. As perguntas já se habituaram a seguir sem respostas. Também já me ocorreu cortar com tudo o resto, com todos os outros que fazem desta provação uma tortuosa espiral de ferros em brasa. Só que o meu sentido de justiça é um estúpido que fala mais alto, não posso penalizar quem nos quer tão bem só por não (te) ter. Não havendo mais opções para lidar com o martírio, o corte é este, o meu, por cima de cicatrizes antigas, para se notar menos a quem olha em horror. Sem lágrimas. Com lâminas tristes e rombas que fraquejam quando chegam ao osso, mas terão de continuar mais fundo, que para cortar a tua presença em mim tem de ser renovado o tutano, ou então nascer de novo. A falta que me fazes ninguém sabe e se me perguntares nego com toda a força bruta que desconheces. Que tristeza esta que alimenta demónios chifrudos, fatia a fatia, engordando vazios cheios de ti. Que ausência é esta, amigo, que emaranha os novelos que te apertam em mim?
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A recordar até aprender.
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Bom, bom, é poder ser quem se é sem entraves, sem limites, etiquetas ou hesitações. É rir dez horas seguidas, é aprender com os de sessentas e com os de oitentas, é a delícia dos disparates dos pequenos, amparar os planos dos teens, as estórias dos outros e sonhar amanhãs.
É bom dizerem-me que pareço ter uns 25 (é óptimo!), ouvir rasgados elogios aos pastéis de nata que nunca tinha feito ("dos melhores cremes que já provei na vida" - o ego rejubila), é mesmo bom fazer gazeta à medicação e mimar o palato com o lambrusco, o Muralhas rosé e o tinto do Douro reserva 2010 que me deslumbrou tanto que esqueci o nome. É bom estar com amigos que escolhem a nossa companhia na "lua-de-mel" e um mimo estar na companhia dum Paula Rego, um Maluda, três Cargaleiros e outros que tais.
Venham mais dias bons, que os neutros não ficam na memória.
Mesa de Luz, Paula Rego
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Estou longe de ser uma pessoa estável. Sou até bastante temperamental, de fases, consoante a lua, a hora, o interlocutor, o tempo ou as cores… Sou errática e desequilibrada, de extremos e peremptória nas escolhas que faço. Detesto rotinas e a ausência de estímulos novos: conversas, locais, desafios, ideias. Talvez por isso não esteja nunca demasiado cansada para embarcar em programas que me digam algo às sinapses. O que me cansa é exactamente ter limites pré-definidos, saber antecipadamente como vai ser um dia de trabalho, uma refeição, tudo com horários e regras. Detesto conhecer de cor as pedras da calçada e os buracos no alcatrão, a acomodação de usar sempre o mesmo caminho só porque é o mais rápido… Do que eu gosto mesmo é do inesperado, de surpresas, de aventuras de e em todos os sentidos. Gosto de passear a pé, em cidades desconhecidas, no meio da serra ou na planície. Gosto de encontrar velhos amigos em locais inesperados. Gosto das rajadas de vento que deixam a verdade a descoberto. Gosto de arriscar mudar só porque sim. No caos em que a minha vida se encontra neste momento, achando-me até ineditamente desanimada, encontro alento no amanhã por descobrir. Tenho a absoluta certeza que a próxima semana será diferente desta, e conforta-me não ter a mínima pista de onde estarei ou a fazer o quê.
Quando era miúda não conseguia imaginar-me com mais de 18 anos. Até aí a vida seguiria certamente de acordo com o planeado, em torno da escola e pouco mais. A partir dos 18 não conseguia sequer visualizar uma sombra de futuro. O que até é estranho, porque sabia exactamente que curso queria tirar e onde (e foi isso mesmo que fiz), mas esse é outro capítulo, o da obstinação desmedida (que quando meto uma ideia na cabeça não desisto até a ver concretizada; mas é que não desisto MESMO!). Nunca tive planos muito concretos a longo prazo, nunca imaginei como seria a minha vida aos 20 ou aos 30. Sabia, grosso modo, o mesmo que sei hoje: que o que me dá prazer é aprender e viajar pelo mundo, que amar é imprescindível e que a felicidade não reside nos bens materiais. Tenho confiança em mim, e isso basta-me, por ora, para não ceder à resignação.
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Na semana deserta entre o Natal e o Ano Novo, chovia o Chiado todo com aquele cheiro de ciclo prestes a recomeçar.
Debaixo do toldo que ainda cheirava ao doce dos crepes ao lado, dois espelhos de frente um para o outro devolvem-se o que são, uma fuga apressada e uma pausa em contemplação.
"Se não estivesses caidinha por mim, podíamos ter aqui uma bela amizade." desviou-se o espelho da moldura.
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Ninguém vai perceber, mas quero lá saber. É o momento adolescente (no bom sentido) da semana.
E também me apetecia uma ginjinha, mas fica para amanhã, em excelente companhia. Cá vai disto:
"RCCE foi uma merda, mas trouxe-me uma das melhores coisas do mundo." A Amizade verdadeira, gratuita, espontânea, forever more. E só por isso valeu a pena e fazia TUDO de novo.
Disse ontem à minha chefe que sou filha única, mas tenho irmãos. Aqueles que escolhi. E de que não abdico por nada no mundo.
Big sis, Adoro-te! Amarguinhas forever!
(E é mais ou menos por aqui que se ouve os copos tilintar e está aberta a pura da loucura!)
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Este momento. Paz, Amor, Saúde, Amigos. O resto pouco importa. Tenho tudo. Tenho alegria dentro de mim, tenho as mais maravilhosas pessoas do mundo na minha vida, tenho a sorte de ter uma família para lá de impecável, tenho um Amor capaz de vencer tudo.
Se melhorar, estraga.
Se tenho maleitas, tenho. Coisas a melhorar, tantas. Sonhos por cumprir: imensos. Algumas mágoas fundas, cicatrizes e dores, cansaço extremo. Um emprego que me subestima e pouco paga, e injustiças pelo mundo fora, e a crise que aperta, e os tostões cada vez são menos, e muitos problemas que não são para aqui chamados. Não interessa. são pormenores, coisas secundárias. Mesmo assim, estou FELIZ. E não me lembro de alguma vez ter sido feliz assim.
Por isso, com vossa licença, vou ali curtir o momento. :)
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Sabem aquelas pessoas com quem a gente descobre uma empatia imediata quando as conhece?
Sabem aquelas pessoas que nos lêem cada palavra como se nos conhecessem a vida toda?
Sabem aquelas pessoas de quem se gosta porque sim?
Sabem aquelas pessoas com quem não se tem contacto frequente mas se sabe que estão lá sempre, a torcer por nós, a sorrir com as nossas vitórias e a estender a mão quando nos vêem em baixo?
Sabem aqueles amigos com que a vida de vez em quando nos brinda, sem que tenhamos feito nada de particular para os merecer?
Sabem?
Cb, esta é para ti. Ou pensavas que me fazias um elogio destes e eu me ficava? ;)
Obrigada. Por tudo. :)
Feliz Dia da Mulher!
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"Nobody's irreplaceable" the doctor said. I'm sorry to say she was wrong.
I still miss you, L.
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2008 foi um ano mau, complicado, de mudanças. Depois, em 2009, tudo se agravou e pensei que tinha sido o pior ano de sempre na minha vida. Accomplishments à parte, que cumpri grande parte do que me havia proposto. Mas foi terrível. Sofri, e sofri, e tornei a sofrer tudo de novo, num repeat tão masoquista quanto mágico. Em 2009 esgotei-me. Apesar de ter sido em 2008 que perdi o chão e vi planos quebrarem-se em cacos, 2008 foi a descoberta de mim sem sideshow. It was all about me. E os instantêneos irreais de paixões imensas a inundarem-me… 2010 começou mal, tão mal, e continuou pior do que podia imaginar. Nada, resume-se a nada. Um enorme vazio, buraco negro em que nada se permite respirar, nem o imaterializado raciocínio que deixou de caber nas sinapses. E de repente, out of nowhere, a coragem para dizer “Basta!”, para quebrar o ciclo, e o ciclo quebrou. E entrou a luz, e entraram sorrisos em catadupa, e entrou magia, e entrou encantamento, e entrou um pássaro azul pela janela, e entrou sangue nas artérias, e entrou ar nos sonhos, e entraste tu e não mais saíste de mim.
O pior ano da minha vida acabou por abrir portas ao melhor de mim.
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or a good cry, whatever exhales from utterly tired minds. So we went for icecream. No matter if it's freezing and if we have tons of things to get done, if we have to swallow up the tears in front of everyone else.
And that's why some Friends are irreplaceable.
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Planos para amanhã hoje: acordar com as galinhas. Enxotar sono com duche quentinho, colocar corrector de olheiras, sair a voar sem esquecer nada. Consulta "para demorar a manhã toda, menina". Almoço de Natal (bardajonices extra-calóricas, que é de praxe) com a minha periquita loira e quiçá também com Sr. meu Pai. Ir até à ponta oposta da cidade para outra consulta xpto, com direito a brinde no bracinho, que é um mimo de Natal. Em sobrando tempo, corridinha até casa para mais um duche quente zen e adequação de outfit. Corridinha de mais 30 Km de volta, com passagem algures para compra de suminhos orgânicos e bio e 100%. Paragem no melhor hotel/bistro lisboeta para Jantar de Natal com as minhas gajas (as solteiras mais giras e inteligentes e fofis da área metropolitana - gajos, de que é que estão à espera, hmmm?). Tentar não abusar do tinto (os suminhos não são para mim), que são muitos degraus a descer. Com um bocadinho de sorte, arranjar boleia com o Ambrósio mais charmoso deste mundo e arredores, cravar beijinhos bons e seguir até casa a curtir o som e a companhia. A chave de ouro seria aterrar as costelas no colchão rijinho e a cabeça num ombro quentinho.
Cansativo? Nah. Poder estar no mesmo dia com 75% das minhas pessoas favoritas do mundo é mesmo é uma grande sorte.
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Se mais de 6 anos a escrevinhar aqui ou ali nunca haviam chegado para me sentir uma blogger plena, eis que o momento chegou.
Não, este blogue não vai passar a ser um blogue com passatempos, com considerações sobre as colecções das lojas x ou y, com graças geniais, sequer com maledicências gratuitas e os milhares de visitas que premeiam os blogues das categorias anteriores (e digo isto sem snobismo, que sigo alguns e se não gostasse não perdia tempo a ler).
Nada disso, meus caros (em média diária, cerca de 100... uau?) leitores.
Sinto-me gente neste mundo porque, como só acontece a gente invejada e que suscita dores de corno a alminhas mesmo muito tristes, a minha conta de Facebook foi cancelada. Alguém desconfiou que Princesa Ventania não fosse o meu nome real e vá de denunciar a conta. Well, guess what? "Tô nem aí..." Tenho muito mais (e tão melhor) em que pensar, não vou chatear-me nem abrir outra conta. Foi bom enquanto durou. Tinha cerca de 2.500 amigos virtuais, chegaram-me mensagens muito positivas, feedbacks engraçados, conversas enriquecedoras e sobretudo, gente boa. Chegaram, não vão desaparecer e sabem quem são. São as excepções, as tais de que gosto. Quem quiser entrar em contacto comigo tem a caixa de comentários e o e-mail (ventaniaazul@gmail.com). Aos outros, que denunciam contas de bloggers (que, não tendo os pseudónimos no BI têm o mesmo direito à existência social em ambientes reais e virtuais, "penso eu de que" - claramente o Mr. Zuckerberg discorda), e que são cada vez maiores argumentos da (minha) regra*, fuck you. E que a diarreia que têm no lugar do cérebro se entranhe nas tripas e vos faça cagar de esguicho todos os dias da vossa patética existência. (Não é só mau-feitio nem é só desejo de vingançazinha, é mesmo uma arrogância eugénica de quem gostaria de ver o mundo liberto de trastes.)
*A minha regra é "as pessoas não valem um tostão furado."
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Até aos meus 6 anos, quando todos os outros miúdos se deliciavam com chupa-chupas e chocolates, o que fazia as minhas delícias eram... lascas de bacalhau salgado. Tinha um cúmplice, com mais sessenta anos que eu, que me introduziu à gulodice do sal. E que me tratava como à filha e à neta que nunca teve, amor a dobrar, pelas duas juntas. O primeiro homem (e cúmplice) que perdi. Perdi-o para o malvado do tabaco (sim, foram os cigarros que o levaram, não foi o cancro, o cancro é só uma consequência inevitável).
Comprei bacalhau desfiado e não o demolhei. Homenagem ao T., que não chega para matar a saudade. Ando a comê-lo em pequenas lascas, a recordar as estórias do Alfeite, as tardes em frente à cozinha de porta azul, aos bancos de perna adornados como tronos, com conchas e seixos, para o Rei e a Rainha daquele que foi o melhor dos mundos. Continuo a odiar cigarros (e cada vez mais), que depois me tolheram mais dois.
Perder Amigos cúmplices é daquelas crueldades que nunca doem menos do que doía ontem.
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A primeira pessoa que me recordo vivamente de ter-me mentido foi a Lurdes. Pequenina e franzina, muito branquinha, com cara e cabelo de boneca, cheio de canudos. Chamávamos-lhe Lurditas. Éramos amigas desde a 1ª classe e isto aconteceu no 5º ano. Já não me lembro exactamente de qual foi a mentira, ou até se foi uma mentira sobre mim dita a terceiros em vez duma mentira que me tenha dito a mim. Não interessa. Interessa a parte de que nunca me esqueci. Fiquei magoada, desiludida, ultrajada. Como podia alguém de quem gostava tanto, em quem confiava, com quem ria e brincava, alguém que eu ajudava e protegia como podia, ter um acto tão vil para comigo? Lembro-me do sítio exacto do recreio da escola onde lhe disse que tinha descoberto e informei que não pretendia ouvir-lhe novamente a voz dirigida a mim. As duas de olhos mareados. Eu muito zangada. Penso agora que aquilo a que chamam mau feitio possa ter nascido muito antes da adolescência, esse bode expiatório para as decepções que causamos nos outros, esse chiar duma torneira que se abre nesse instante e não seca jamais. Passaram-se dias ou até semanas. Quando a Lurdes falava para o grupo, eu não respondia, olhava para o lado, nem sequer era capaz de rir da melhor das piadolas. Doía ainda a traição. Ela esforçava-se, eu sei que sim, na esperança de eu esquecer-me da zanga, de me deixar ir e voltar a chamá-la de amiga, voltar a caminhar com ela, voltar a dirigir-lhe um “olá” que fosse. E eu, irredutível. Depois houve uma manhã, antes de começarem as aulas (de Inglês, com aquela “stôra” de quem eu gostava tanto) e antes de chegarem mais colegas, em que a Lurdes veio ter comigo. Pediu-me desculpa. Dei-lhe uma resposta qualquer na 3ª pessoa (distante e altiva, como só sei ser se estiver magoada), mas assentindo. Sim, podíamos voltar a ser amigas. Sim, eu também tinha saudades da minha amiga. E sim, tornámos a falar e a rir e a brincar. Mas a essência do que nos unia, a pureza que tem uma amizade sincera, essa ficou manchada. Nunca mais voltei a confiar na Lurdes. Nunca mais lhe contei um segredo. Ia às festas de anos dela. Jogávamos ao elástico, desenfreadamente. Aos países, até à exaustão. Mas nunca mais foi como era. Nunca mais podia ser. Porque há coisas que podemos perdoar, mas não esquecer. Não esqueci, passados tantos anos, passados tantos guiões de aventuras e dramas tão mais possantes.
Há coisas que nunca mudam.
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Saudades de escavar abóboras no Alto Alentejo, passear de noite pelos caminhos sem iluminação até ao cemitério, ver filmes de terror naquele quentinho que se tem quando se tem um pedaço do coração de cada lado no sofá. :)