O Almada & outros poemas / Machado de Assis – São Paulo
Globo, 1997, - (obras completas de Machado de Assis) p.126.
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O meu amigo João Morais está prestes a lançar o seu segundo álbum de originais e, a julgar pelas pérolas do primeiro, será imperdível.
Ainda não escutei uma canção do João de que não gostasse muito. O ritmo de Bossa Nova e samba em português lusitano, a harmonia melódica e irrepreensível, com uns laivos de jazz, os poemas extraordinários e os instrumentais requintadamente deliciosos.
Ouçam, deixem-se viajar pela sonoridade doce e inquietante e sigam de perto a carreira do João, que tem tudo para explodir! Se gostarem tanto quanto eu, divulguem, que a boa música deve ser partilhada.
Já não caibo numa casa Onde o espaço é todo meu Não são obras que me salvam Eu só sei crescer
Durmo de janela aberta Tenho os braços no estendal Eu podia acenar-vos Mas só sei crescer
Leio o topo da estante Tudo livros de engordar E eu preciso abreviar-me
Mas só sei crescer
Qualquer palmo que me meça É de mão sem cicatriz O que eu sou é largo de ossos Pois só sei crescer
Eu só me caibo cá dentro Mas bato no peito Por estar com meu ar rarefeito Eu inicio o discurso Citando o sujeito Primeira pessoa é preceito
Eu nem cá dentro me caibo Pois bate a cabeça no teto E cai na travessa Eu já calei o discurso Que a língua tropeça Mas o gigantismo amordaça
Eu já invento virtude No pico não peco Lá em baixo ficava marreco Estou tão em-mim-mesmado É tiro ao boneco Gigante barrado no beco
Eu já não sei inventar-me É só mais do mesmo Fermento em massa de autismo Eu nem de mim já me pasmo Há mar e marasmo Há ir e voltar aforismo
Mas eu só sei crescer
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Quando nos dias maus, de abandono, de incertezas, de quebras, te surge uma nau de tinto alentejano por esse rio acima, com a promessa de céus estrelados e abraços doces, enxugas a lágrima teimosa e bebes um golo. Brindas às incertezas que podem ser surpresas muito boas e segues em frente, com mais uns epítetos na bagagem do quase nada que és.
Por este rio acima Deixando para trás A côncava funda Da casa do fumo Cheguei perto do sonho Flutuando nas águas Dos rios dos céus Escorre o gengibre e o mel Sedas porcelanas Pimenta e canela Recebendo ofertas De músicas suaves Em nossas orelhas leve como o ar A terra a navegar Meu bem como eu vou Por este rio acima
Por este rio acima Os barcos vão pintados De muitas pinturas Descrevem varandas E os cabelos de Inês Desenham memórias Ao longo da água Bosques enfeitiçados Soutos laranjeiras Campinas de trigo Amores repartidos Afagam as dores Quando são sentidos Monstros adormecidos Na esfera do fogo Como nasce a paz Por este rio acima
Meu sonho Quanto eu te quero Eu nem sei Eu nem sei Fica um bocadinho mais Que eu também Que eu também Meu bem
Por este rio acima Isto que é de uns Também é de outros Não é mais nem menos Nascidos foram todos Do suor da fêmea Do calor do macho Aquilo que uns tratam Não hão-de tratar Outros de outra coisa Pois o que vende o fresco Não vende o salgado Nem também o seco Na terra em harmonia Perfeita e suave Das margens do rio Por este rio acima
Meu sonho Quanto eu te quero Eu nem sei Eu nem sei Fica um bocadinho mais Que eu também Que eu também Meu bem
Por este rio acima Deixando para trás A côncava funda Da casa do fumo Cheguei perto do sonho Flutuando nas águas Dos rios dos céus Escorre o gengibre e o mel Sedas porcelanas Pimenta e canela Recebendo ofertas De músicas suaves Em nossas orelhas Leve como o ar A terra a navegar Meu bem como eu vou Por este rio acima
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No teu corpo de abrigo
Sou inteira
Sem filtro
No desejo de ti todo
Encontro
O que é selvagem
Perdido
Procuro um casulo
Refúgio
Meu lar
Escondido
Nossos peitos abertos
Sofridos
Esmagados e comprimidos
Colados
De par em par
A sede que te tenho
Inebria
Teus beijos
De oásis
Estremecem
As mãos nos quadris
Padecem
Línguas que se abraçam
Dormentes
Peles que se roçam
Brilhantes
O embalo melódico do coito
Gemidos
Nomes que se soltam
Volúpia
Cantam tesão
Teu corpo de abrigo
Contido
Meu porto amigo
Secreto
Final em vibrato
Explosão
Começa-te em mim
De fogo
Alma aberta
Paixão
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Odeio clichés, mas efectivamente não me ocorre forma mais assertiva e completa de dizer isto: a Lara Barradas é uma força da natureza, ponto.
A escrita da Lara é absolutamente estrondosa! Com meia dúzia de palavras, meticulosamente esculpidas com o fogo todo da alma, consegue deixar-nos prostrados, boquiabertos e comovidos, seja na poesia portentosa ou na prosa tecida com tanta força como com suavidade.
Escrevi, há algum tempo, a seguinte crítica na sua página: "Tudo o que a Lara Barradas escreve pode ser sorvido em camadas. Primeiro, vem o perfume das palavras e da harmonia; a seguir, vão-se descobrindo novos significados, uns estridentes, outros quase sussurrados, cada vez mais profundos, até se chegar a um íntimo que já não percebemos se é o nosso ou o dela, em cruzadas empatias." Não sei como dizer melhor que a página da Lara é mesmo incontornável! É imperioso seguir de perto esta autora, que está só no início de uma carreira literária que tem tudo para ser longa, produtiva e brilhante.
Já daqui a um mês, é lançada a primeira obra a solo da Lara, o livro infanto-juvenil Anchieta, com ilustrações do Rodrigo Estiveira e sob a chancela da editora Alfarroba Edições.
"A obra original, conta a história de uma indiazinha que vive na Amazónia, e que é muito curiosa em relação ao mundo de betão. Anchi conta com a companhia do seu irmão Eke, nas brincadeiras na selva, e do seu macaquinho de estimação. Tal como todas as outras crianças, tem um medo que quase a domina, e vai contar com o apoio dos seus amigos para o ultrapassar, sendo no entanto, constantemente importunada pelo malvado Xinfrim.
A obra conta com personagens inspiradas na tribo Guarani, no folclore Brasileiro e faz alusões a personagens do âmbito fantástico, que vão estimular a criatividade das crianças. Tem uma forte componente de consciencialização para a preservação da natureza."
Estou em pulgas para ler a história e a rebentar de orgulho desta miúda com quem partilho uma empatia enorme sem nunca lhe ter botado a vista em cima (mas as pessoas extraordinárias que nos entram de rompante vida adentro são como as cerejas, é o que vos digo).
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As mãos duras abrigam poemas
Escorrem agruras em teias de nós
É violenta a ausência de quem se perdeu
E é bruta a força dos anos que passam
E nem por isso pesa o sorriso
Falhado, orgulhoso
Perfeito
Que ri por cima da história
Da ditadura, dores,
De fome, trabalho,
De desprezo, traição,
De abandono, injustiça
Ri com liberdade
Com o descanso de ser e ter sido
Fortaleza invicta
Fera, amazona e tecto
Punho erguido e colo, cobertor
Ossos fracos, varizes
Rugas e cabelos brancos
Rude como a terra arada
Fértil, analfabeta e sábia
Camarada e amiga
Amada
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Por entre corredores sujos Trapos e vidros rachados Oiço o arranhar das lágrimas Esqueletos de melros na gaiola Atestam a beleza insuficiente da morte Não se sacode o pó, que magoa Só as pegadas marcam vestígios Nas paredes de musgo E gavetas perras Ruínas de nós Cadeiras coxas, a cama rota Molduras quebradas Fotografias baças do que nunca fomos Os filhos que não nos nasceram Dos corpos que não se trocaram E o cheiro que se entranha Cartas antigas, amarradas, amarelas Encerram poemas e guerras E tanto Amor
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Não digo que te amo Não posso dizer Não posso quebrar Torturo um piano Faço-o cantar As coisas tão bonitas Que colho no teu olhar Só tu me dás poemas Que apertam o peito Que fazem chorar Barcos à vela que voam Aviões de papel que naufragam Beijos passados, sofridos Corvos atentos no ar Procuro-te no fundo De mensageiros tintos Réstias do pedaço teu Que completava este lugar Faltas à chamada Segues cego sem me ver Segues só por não querer Não digo que te amo Porque este amar faz doer
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nos teus olhos não vejo céus azuis, bonança eterna nos teus olhos não bebo rimas dulces, promessa efémera nos teus olhos vejo tormentas labaredas de ternura orgulho cerrado e tanta força punho esgotado de lutar socos pra dentro, facadas num peito em que todos cabem menos tu que sempre cedes o teu lugar vejo o sorriso da solidão desgarrada, a provocar irresistível, bem sei namorada de colo cheio braços e pernas abertos casulos de gente como nós que nunca se soube amar não sei quem foste ou querias ser quem és sobeja, nada há a mudar vejo humildade e respeito culpa órfã de indulgências e um caminho de fatalidade de que prometo não me apartar vejo-te beijos sem reservas verdades da carne em erupção e o cansaço do falhanço medido nessa bitola que sempre teimas em desviar ouço-te a voz que é só tua consagração maior dos poetas pejada de espinhos a arranhar e mil mágoas que pesam por não as saberes largar também te vejo nos silêncios o que deixas por adivinhar nos teus olhos vejo músicas que ainda estão por inventar vejo uma alma tresmalhada e chamo casa a esse olhar corrida em frente, em fuga cega, na ânsia de chegar aonde sempre és esperado só não vejo o teu perdão por escolher sem pecado o que mandar o coração não sei o que te chamam sou invisível, não existo na sombra do teu lugar mas sei bem quem vejo e amo posso ensinar-te a não calar não creias no que dizem meus lábios ou os meus olhos cansados de ver sem olhar sei-te de cor, tal qual te mostras face contida de planícies e mar sei-te melhor no avesso da lua touro bravio, miúdo perdido todo de escuro e estrelas a latejar não me perguntes o que te vejo vejo tão mais do que ouso contar vi-te por dentro, sabe-lo bem olha-me tu e promete ficar segura-te, sozinho não ficas confia - não te deixo cair a repetição das dores enterradas aqui já não tem lugar dou-te tudo o que tiver o que não tenho irei buscar enfrentaremos os dias maus de capa e espada, como heróis garanto que irão passar com sol ou lua, luz ou negrume o tanto que te vejo e que às vezes me faz chorar dói e arde, mas faz crescer agarra a minha mão, grava o meu nome aquela que não te vai abandonar
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Para dar as boas-vindas ao mês de Agosto, em plena silly season, inicia-se aqui uma rubrica de autores convidados, que tenho o orgulho de arrancar com a poesia de uma amiga querida que nunca vi, nunca abracei (ainda), e que nada tem de silly. Queria começar assim, pelo puro prazer das palavras, sem mais amarras, sem expectativas e sem compromissos. Gosto da poesia da Susana Nunes porque é realmente isso mesmo: pura. Despretensiosa, descomplexada, leve, às vezes leviana, nunca oca. Quando a Susana escolheu este poema tive ainda mais certeza de seria o momento ideal para esta casa vestir as estrofes alheias, medidas às cegas, e que assentam que nem uma luva. Nem por encomenda seria mais adequado. Vão conhecer a Susana e deliciem-se!
Se calhar
Se calhar, não tive voz que chegasse e por isso, tu não ma ouviste Se calhar as letras deviam ter sido escritas a negrito ou então as palavras estavam esbatidas não foram de todo, as suficientes e talvez por isso mas não sentiste
Quando por fim consegui proferi-las claras cheias de frases sonoras e de versos audíveis em ecos de montanhas ... estavas longe e nas horas abertas em que juntei os meus poemas e os desfolhei nos livros aos ventos ... tinhas curvado a esquina e claro, não mas encontraste
Agora... Tenho sal a mais nas lágrimas tenho paladar amargo p'ra mim e p'ra mais uns centos e só me apetece gritar alto e voltar ao início em que a minha voz era rouca e pouca mas ainda conservava a esperança que te voltasses dessa terra dos silêncios sem morada sem caminho sem estrada que eu soubesse... ... e mesmo de longe que fosse me dissesses... - Espera pela minha voz, morena vou dar-ta, meu amor, de uma assentada espera... que já não demora... nada mais há, que eu queira tanto... ... e ai, como vai... valer a pena
trancados no cofre aberto de aprendiz de banalidades
Recusa as letras sujas do sangue que bebemos em festim
Foge das rodas dentadas que mastigam ferro sem idade
e das palavras que escorrem beiços abaixo, peito acima
Cala uma voz como quem cala um amor maldito
De açucenas nos dentes e coração de granito
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Há anos, muito antes de ter aprendido uma lição que custa a aprender, que nem sempre temos a importância para os outros que lhes damos na nossa vida, que nem todas as amizades são recíprocas, fiz um avião de papel com este poema, coloquei-lhe um beijo por companhia e atirei-o sobre o Tejo.
Hoje faz mais sentido do que nos outros dias. Hoje sem avião de papel, só silêncios e nevoeiro sobre a tua serra, frio húmido entranhado nos ossos, omnipresente, a fazer doer como as ausências e a arder como a tristeza. Gosto-te, aqui ao longe, discretamente para não te ofender ou incomodar. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. O meu trilho, não mudo por ninguém, nem mesmo por ele ou por ti. Não me atravesso no caminho de ninguém nem permito que me desviem do meu. E sei que não sei mentir.
POEMA PRIMEIRO
... Gosto-te. E desta certeza se abre a manhã como uma imensa rosa de desejo indestrutível. O futuro é o próximo minuto, para além da infatigável religião dos meus versos, em cuja luz me acendo, feliz e nu. O meu sorriso conhece a bondade dos animais, o poder frágil das corolas, e repete o nome feminino dos arcanjos de peitos redondos, perfumados pelas giestas dos caminhos do céu. Gosto-te. Amarrado pelos meus braços de beduíno do sol, pobre senhor dos desertos, profeta da distância que há dentro das palavras, onde se alongam sombras e o sofrimento se estende até à orla da mais inquieta serenidade. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. Aqui e ali me pergunto, despudoradamente. E sei que não sei mentir. É por isso, que recolho na face a luz imprescindível ao orgulho dos peixes e dos frutos. Gosto-te. Na-na-na, na-ô... Na-na-na, na-ô... na-nô... Canta o espírito do caminho, canta para mim e canta para ti, eleva o coração das grandes árvores, coração de seiva e de coragem, sangue fresco e verde, apaixonado e doce, de tanto contemplar o perfil das tardes. Gosto-te. Mas "longe" é uma palavra húmida, grávida, onde os sinos da erva tocam para convocar as sílabas. E, ao procurar-te, tremo apenas de ternura para que nem mesmo a inteligente brisa da manhã possa dar por mim. Mais discreto que isto é impossível.
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Nasceu-me a liberdade Onde tinha encerrado a dor Um rio atravessou-me a meio Comportas abertas de espanto, talvez amor Teus olhos naufragados Tomaram conta de mim Fui teu farol, bússola e mar Foste-me cravos, poesia, motim Num terminal de chegadas Na tarde baça em que pari Fatalidade ancorada Bolsos vazios, sem regresso Nem promessas nem metáforas Mudou o ano, virou o jogo Poemas mortos, secos, gastos Papel borrado, desperdício Jogada a um canto, no lixo Carta anónima, profana, rasgada Sem resposta ou lugar, sem nada
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Poet: Charles Bukowski The Laughing Heart; Roll the Dice Narrated by: Tom O'Bedlam
Go all the way - Charles Bukowski
“If you're going to try, go all the way.
Otherwise, don't even start.
This could mean losing girlfriends, wives, relatives and maybe even your mind. I
t could mean not eating for three or four days.
It could mean freezing on a park bench.
It could mean jail.
It could mean derision.
It could mean mockery--isolation.
Isolation is the gift.
All the others are a test of your endurance, of how much you really want to do it.
And, you'll do it, despite rejection and the worst odds.
And it will be better than anything else you can imagine.
If you're going to try, go all the way.
There is no other feeling like that.
You will be alone with the gods, and the nights will flame with fire.
You will ride life straight to perfect laughter.
It's the only good fight there is.”
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Trocamos poesias e músicas que falam ao ouvido as palavras mil que evitamos, farpas de honestidade ferrugenta por baixo das unhas. Trocamos beijos e sorrisos inseguros sem nos tocarmos, de olhar no vazio, esperanças desertas e vontades casmurras. Recordo o teu discurso cheio de razões quando só queria ver-te sorrir. Devia ter-te calado com um beijo sôfrego nos teus lábios de glaciar impertinente, um beijo apressado, espantado do desejo que me apanhou na curva. É que o teu sorriso arrepia, ainda que viva só num sítio feito por mim, à tua medida, onde ris exuberante, onde os teus olhos brilham em festim guloso e jamais acusam saudade ou desesperança. Os teus sorrisos, difíceis de conquistar, acendem coisas obscuras em mim, sombras lilases de uma ternura sem fim. Juro que podia viver nesse sorriso, podia respirar só esse ar fresco de poesia, de seiva a escorrer do excesso de beleza que trazes ao mundo. Queria tecer-te um casulo de doçura para te ensopar as melancolias, as agressões, as arestas cortantes das noites de solidão, protecção que abraça e te afaga o cabelo, que te embala e promete que tudo vai passar. As paredes rombas da fortaleza que sou eu têm ninho para ti, têm navios cargueiros pendurados do tecto para caberem as tuas fugas, toda a bagagem rota que arrastas nos bolsos da servidão. Sempre te afastas da porta como se fosse a entrada dos infernos, como se a estética dos meus afectos te ofendesse, como se entrar aqui na arcada do meu peito em clamor significasse que descarrilas do rumo que não queres seguir. Recolhe os silêncios na noite espessa, não sabes ainda que todas as palavras podem caber na poesia, que a beleza não se encerra nas palavras chão e flor, nuvens e pardais, que o amor também vive nos desapegos banais que me gritas à janela, em impropérios invernosos e desabafos que a almofada desconhece.
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Não tenho vela nem escamas
Nunca aprendi a nadar
Basta sentir que me chamas
Esqueço o medo do mar
Largo tudo em correria
Mergulho veloz e segura
Pelas águas frias, geladas,
Contra a corrente a marchar
A tua voz grave, astrolábio
Uiva-me o nome em amargura
Espera por mim, meu amante,
Afogo-me eu para te salvar
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Fizeste-me mil maldades e uma maldade muito grande que não se faz acho que devo ter sido a pessoa a quem fizeste mais maldades nem deves ter feito a ninguém uma maldade tão grande como a que me fizeste a mim não sei se tens remorsos tu dizes que não tens remorsos nenhuns porque dizes que és um vil criminoso para mim eu também sou uma vil criminosa mas não para ti desconfio que tens o remorso de ter alguns remorsos por me teres feito mil maldades e uma maldade muito grande a maldade muito grande está feita e não se faz acho que essa maldade muito grande nos aproximou um do outro em vez de nos afastar mas para mim é um drôle de chemin e para ti também deve ser mas com um vil criminoso nunca se sabe
Num dia de São Pedro um vil criminoso trocou-me as voltas todas, fez-me uma maldade. Como vil criminoso que é, não descansou até me tornar numa vil criminosa. Eu não tenho remorsos de nada, só do que não fiz, porque deixei trocarem-me as voltas de novo, e o vil criminoso fez-me uma maldade muito grande, que não se faz, que nos aproximou em vez de nos afastar. O vil criminoso tem remorsos de ter remorsos mas nem por isso deixa de ser um vil criminoso. Escreveu a Adília Lopes e podia ter escrito eu. A diferença é que a vida seguiu depois do poema, o vil criminoso não sabe fazer senão maldades, as piores e mais cruas maldades e eu vou ter de ser a maior e mais vil (e brava) criminosa, porque há maldades que não se fazem e caminhos que se não se caminham lado a lado terão de ser para sempre apartados.
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- diz (quase) assim a música.
Ouvir as mesmas canções é ter uma base de comunhão, de entendimento, quiçá de visão sobre uma série de aspectos. E é bom apanhar um murmúrio entoado no duche e fazer coro, pegar nas deixas e completar versos entre risos e uivos. É tão bom dançar em silêncio com a mesma banda sonora que não dá tréguas a ecoar em duas mentes sintonizadas na mesma estação, ondas médias ou curtas, inverno ou verão. Uma mão pousada na cintura, outra desleixada a deambular corpo acima, corpo abaixo. Como ímanes, dois animais que se pertencem, enganchados, bailando no ritmo que sabem de cor, suspiros e gemidos entredentes a marcar o compasso da sinfonia suprema sem maestro.
Partilhar com outra pessoa as nossas, tão nossas, canções, deixar escorregar uma gota atrevida e partilhá-la à janela com quem mora no silêncio invisível, do outro lado do coração, é todo um outro capítulo. É uma dádiva pessoal feita de adivinhas e silêncios, de empatias mudas e verborreias extensas. É abrir uma nesga da concha e soltar cavalos de batalha pela imaginação fora, sem coreografias ensaiadas. É fazer rebentar desejos de beijos como ervas daninhas na berma, persistentes, por muito que se tente arrancá-las pela raiz. São mãos que se tocam sem pele, tacto profundo, direito ao canto seguro onde enterramos segredos, sementes, sem medos.
[Quem me dera, meu bem, que te deixasses perder no olhar da Ventania. Quem me dera, amor, morrer para nascer de novo e te resgatar das labaredas que te gelaram, abraçar-te com toda a força e prometer que nunca te vou deixar cair, mais depressa cairia eu contigo do que soltar-te incerto no mar revolto. Enquanto eu estiver aqui, neste plano, não te faltará com quem ouvir a mesma canção ou espantar a solidão.]
Restolho - Mafalda Veiga
Geme o restolho, triste e solitário
a embalar a noite escura e fria
e a perder-se no olhar da ventania
que canta ao tom do velho campanário
Geme o restolho, preso de saudade
esquecido, enlouquecido, dominado
escondido entre as sombras do montado
sem forças e sem cor e sem vontade
Geme o restolho, a transpirar de chuva
nos campos que a ceifeira mutilou
dormindo em velhos sonhos que sonhou
na alma a mágoa enorme, intensa, aguda
Mas é preciso morrer e nascer de novo
semear no pó e voltar a colher
há que ser trigo, depois ser restolho
há que penar para aprender a viver
e a vida não é existir sem mais nada
a vida não é dia sim, dia não
é feita em cada entrega alucinada
p'ra receber daquilo que aumenta o coração
Geme o restolho, a transpirar de chuva
nos campos que a ceifeira mutilou
dormindo em velhos sonhos que sonhou
na alma a mágoa enorme, intensa, aguda
Mas é preciso morrer e nascer de novo
semear no pó e voltar a colher
há que ser trigo, depois ser restolho
há que penar para aprender a viver
e a vida não é existir sem mais nada
a vida não é dia sim, dia não
é feita em cada entrega alucinada
p'ra receber daquilo que aumenta o coração
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Este blogue repudia veementemente o Acordo Ortográfico. Neste blogue não se faz corridas. Nem passatempos. Nem giveaways (que são a mesma coisa que os passatempos com um nome mais snob). Neste blogue não se mostram outfits ou detalhes (também conhecidos por trapinhos ou fatiotas). Também não se mostram fotografias da blogger (até para protecção ocular dos leitores). Este blogue pode ser tudo menos politicamente neutro e está em permanente campanha eleitoral pela oposição de esquerda, que deixou de existir no Parlamento. Mesmo quando se fala de outra coisa qualquer, porque tudo é política, até o Amor. Neste blogue normalmente não se fala de clubes nem de futebol porque é tema que me entedia enormemente - a não ser que seja para arreliar lampiões. Neste blogue não há bebés nem animais de estimação. Não há demagogia, não há juízos de valor nem lições de moral.
Neste blogue o que há são gritos, desabafos, opiniões, suspiros, alegrias, música, poesia, há flashes do quotidiano de uma pessoa banal e seus encontros e desencontros com pessoas especiais. Há pedaços de insignificâncias e dissertações de suma importância. Há rajadas de raivas e paixões, fragmentos de vidas reais cobertos de palavras tecidas em mantos frugais.