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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Aqui, neste blogue, não se mente. Nem no dia das mentiras, por si só irritante, só pelo facto de existir. Não se mente porque eu odeio as mentiras, abomino-as com todas as minhas forças. Umas são menos más que as outras, de acordo, mas a minha política é a da tolerância zero. Já terminei relações importantes (românticas e de amizade) à conta de mentiras, outras já perdoei, e mantenho uma estima muito especial pelo único homem (no contexto romântico-coiso) que nunca me mentiu, nem quando talvez tivesse sido menos doloroso mentir. 
As omissões, não sendo mentiras de cara lavada, podem ser igualmente falsas e graves. Eu gosto de tudo às claras, sem dissimulações, sem segundas intenções, e prejudico-me muitas vezes por isso, mas decidi há muito muito tempo que tem mesmo de ser assim. Nem seria possível de outra forma.

 

Tenho dito.


 

Pouca vergonha: Dias antes das eleições, a coligação PàF nomeia cerca de uma centena de dirigentes (boys) para funções públicas e faz publicar as mesmas em D.R. entre dias 5 e 23 de Outubro.

 

versus

 

Sem vergonha: No dia da indigitação de António Costa como novo Primeiro-ministro, a coligação ainda em funções de gestão (por poucas horas) nomeia boys para jobs.

 

 

Não pretendo ofender ou ridicularizar as pessoas que têm uma qualquer fé e acreditam nas fantasias mais rebuscadas em algo "superior", ou Deus, ou lá como quiserem chamar. Eu não acredito, de todo, mas isso sou eu e não tento impôr a minha ausência absoluta de Fé aos outros (apesar de considerar que as religiões apadrinham mais mal do que bem no mundo). De forma simétrica, acho redutor e ofensivo que um jornal supostamente independente publique uns "artigos jornalísticos" apregoando como factos inquestionáveis eventos que carecem de qualquer evidência. 


Vejamos, se eu pegar no jornaleco editado pela IURD (ou visitar o site), não será de espantar que lá pelo meio se diga que a oração curou uma doença qualquer a alguém ou que alguém ressuscitou. Mas se vou ler um jornal diário como o i não me parece muito aceitável que se afirme que o número de casos de possessão demoníaca tem vindo a aumentar, sem indicação sequer da fonte dessa informação. Foi o INE que o disse? Era uma pergunta constante do último Censo? Wtf?!


Não é suposto o jornalismo tentar fazer um relato dos acontecimentos reais e ajudar no esclarecimento da verdade? Em caso afirmativo, estas peças do jornal i não estão sequer perto do que é jornalismo.


Se calhar, publicar um especial conjunto de reportagens com explicação de como fazer um exorcismo, perguntas e respostas que não se sabe bem quem deu (o padre Sousa Lara, que explica como foi o seu percurso de betinho da linha que queria ser santo e pai de dez a padre exorcista?), mas são apresentadas de forma categórica, sem citações ou espaço para alegações e histórias de possessões demoníacas está para o jornalismo como o "Inferno" está para o "Céu" - bué, bué longe!


Será que se eu for dizer por aí que sou vampira e que nas noites de lua cheia o homem se transforma em lobisomem o jornal i também vai fazer reportagens sobre nós?


 


E depois, além da seriedade dos temas escolhidos, ainda temos as pérolas ortográficas...


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O espaçamento também está caro, o melhor é poupar...


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 (A sério, já não há revisores de texto nos meios de comunicação social?)


 

A mentira continua a ser aquilo que mais me magoa e mais me lixa. Em todos os âmbitos.

 

Mesmo as little white lies. Nenhuma mentira é tão inofensiva assim.

Por exemplo, o chefe diz a 50% dos seus colaboradores que são os melhores e os maiores e sem comparação. Pretende motivá-los e escolhe fazê-lo pela positiva, mas excede-se. Em vez de apontar e reforçar os pontos positivos de cada um, diz-lhes, a todos estes 50%, "és o melhor de todos". (Como um tipo dizer às 3 namoradas "és o maior amor da minha vida".) E os colaboradores ficam contentes, todos inchados, de ego cheio. Até ao momento da verdade. Sim, que a verdade descobre-se sempre. E os colaboradores vêm-se preteridos, ou prejudicados, ou passados para trás. E percebem que havia mais meia dúzia na mesma situação, convencidos que seriam a primeira escolha do chefe, ou o braço direito, até os factos o desmentirem categoricamente. (Ou as namoradas apanham o tipo em flagrante a pedir outra em casamento.)

 

Este "balde de água fria" dói sempre muito mais que a verdade nua e crua. Porque mais do que acreditarem em algo irreal, os colaboradores (ou as namoradas) foram feitos de parvos durante um bom bocado. Não só não são os melhores nem os mais bem vistos pelo chefe, como ainda ficam com a certeza que o chefe os acha burros e totós ao ponto de acreditarem... (Ou, não só as namoradas foram todas encornadas como o tipo ainda acha que são tão parvas que nunca iriam descobrir.)

 

Acredite-se, a verdade é mesmo a melhor política.

As palavras não valem nada, já sabemos, são ocas. Mesmo as ditas com vigor e verdade, tendem a trespassar-nos e a não deixar memória. A não ser que magoem muito. Essas tendem a ficar tatuadas na memória, são as mais difíceis de lavar, persistem, languidamente, puxando todas as outras para si mesmas, como um buraco negro.

 

As palavras não valem nada. Como nos permitimos dar-lhes tamanha importância, acreditar em quaisquer sílabas que alguém se lembra de juntar? As mentiras não são mais do que palavras, palavras na ausência e na distância de factos. Ainda que sejam, concedo, interpretações retorcidas duma verdade desfocada. E as mentiras são abomináveis. Abomináveis amontoados de palavras insignificantes, que não valem nada, mas que têm um inigualável poder corrosivo, destruidor mesmo. E como as palavras não valem nada, nada podemos contra essas mentiras maléficas que alguém plantou de soslaio, nas sombras, às escondidas. Na sombra lá germinam o seu putrefacto caminho e lá se vão apoderando de corações outrora puros.

 

E quando alguém que pensamos amar nos mente? Ousamos acreditar, porque quem julgamos amar roça a perfeição e vamos engolindo mais ou menos a seco. Vou confessar: alguém que amei mentiu-me, há muito tempo. E eu sabia, tentava não ver, e o amor foi criando rachas. Quando a pressão rebentou o amor desfez-se em cacos e desapareceu na maré. É que os amores construídos sobre mentiras são ocos e fraquinhos.

 

As mentiras são hediondas e as bocas que as proferem ou os dedos que as escrevem deviam um dia ser condenados ao silêncio, para que não mais magoassem. Deviam, mas não são, porque as palavras não são provas nem testemunhas, as palavras não valem nada. O que se diz hoje desdiz-se amanhã, os sonhos caem por terra, os planos fingem que nunca terão existido nem na imaginação. Afinal, é tão fácil mentir! Dizer que se ama, se odeia, se pretende ou se deseja. Dizer para sempre, dizer nunca mais.  São só verbos, sinónimos e pronomes misturados com pouca mestria e olhos baixos.

 

Devia aprender a mentir um dia destes. Talvez me fosse menos tumultuoso conviver com as mentiras alheias. Isso e ficar de boca calada quando as verdades andam ao soco para se libertar. Um dia destes...

 

Acho que fiz outrora o elogio do verbo. Tão fundamental que ele é. Com verbos as mentiras são mais fáceis de articular. E as verdades também. Valem o mesmo. Nada.

 

 

 

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Quem me conhece um pouquinho já terá percebido que não sou poupada nas palavras. Tenho a feliz coincidência de viver com os pensamentos soltos entre o cérebro e a laringe. Sem rédeas nem cintos nem travões, escorregam massa cinzenta abaixo. Se calha serem em número, arrepiam caminho mesmo que não tenha vontade de soltá-los. (Deve ser por causa da gestão de tráfego, quando há engarrafamento os sacanas desviam caminho pelo atalho mais próximo.) Isto significa que mesmo quando durmo, a boca abre-se e as palavras, os risos e suspiros, todos vão escorrendo sonos e sonhos fora.

Não padeço de grandes males que afectem o discurso, nem tenho já a grande timidez verbal que durou até ao fim da adolescência. Talvez porque o mundo se tenha tornado maior e mais ruidoso, algures pelo caminho devo ter percebido que, se não fizer escutar a minha voz, ninguém a poderá detectar por magia, telepatia, ecos no silêncio, ou o que lhe quiser chamar. E tenho conhecimento de mim própria o bastante para saber que, se explorar bem as palavras, mais as escritas que as faladas, sei ser suave e diplomata, sei ser assertiva e ríspida, sei ser poética quando os humores colaboram, sei ser concisa e restringir-me a linguagem límpida e técnica. Infelizmente, para mim e para os que me rodeiam, a impulsividade cresceu-me tão à flor da pele quanto a verbalidade. Isto traduz-se em reacções a quente, muitas vezes desproporcionadas e, concedo, exageradas. Se a situação me traz os sangues à ebulição, aumenta o ritmo cardíaco, vasoconstrição, os pensamentos são mais ágeis no sprint, sinapse acima, sinapse abaixo, o espaço mais e mais apertado e “sem estômago” para os fermentar, são disparados à velocidade da luz. Chegam a atropelar-se, atabalhoados na língua, que não consegue ser tão lesta. E assim, seja onde for, não há vultos que intimidem, venha quem vier, a (minha) verdade sai em socorro dos “pobres, oprimidos e injustiçados”. Manifesta-se amiúde também o advogado do Diabo, sempre disposto a defender o indefensável, com os mesmos pesos e as mesmas medidas.

Tudo isto para constatar e advertir, advertindo a constatação, que por mais que saiba que devia ter tento na língua, pensar bem e limar arestas antes de libertar discursos com os punhos a bater no ar ou nas mesas, não o consigo ter. Ou talvez não tenha grande interesse nisso e me permita esta indulgência com até algum prazer. Acérrima defensora da Verdade, sempre, para todos, creio que o seu potencial de deferir golpes tem a benesse de não ser passível de repetição. Ao passo que as mentiras e meias verdades se somam, se multiplicam, se prolongam, se obscurecem cumulativamente, a Verdade quando é encontrada não tem marcha à ré. Dói, ou pode doer, como um punhal enterrado por entre vísceras e costelas. E pode infectar, dar febres difíceis de curar. Mas cria-se uma imunidade. Outras verdades podem doer, outros males podem estilhaçar. Mas aquela verdade descoberta, nua, encandeia no momento, mas aos poucos aprende-se a viver com ela, a Ver. E jamais tornará a doer.