Já pensei seriamente em fazer aconselhamento a famílias sobre onde poupar. Consulta única, 50 "aérios", eu vejo as contas do mês e digo exactamente onde se pode poupar, e muito.
Afinal, sou perita. Vou contar em traços largos porque digo isto e já seguimos o tema.
Nasci pobre e a tendência não tem sido melhorar. Nunca fui habituada a luxos em coisa nenhuma mas nunca me faltou nada indispensável. Quando era miúda precisava de pôr aparelho nos dentes, era muito caro e os meus pais trabalharam a vida toda (desde a pré-adolescência) e não conseguiram fazer esse esforço. Tudo bem, aguentei-me à bronca e com o advento ortodôntico low-cost tratei do assunto há alguns meses. Precisava de fazer uma cirurgia enorme, em escala de risco/delicadeza/impacto e idem em escala de preço - no valor de algo como metade dum apartamento como o meu (estamos a falar de várias dezenas de milhar de euro) no privado, que é onde está o "melhor médico". Em tratando-se da minha saúde e da delicadeza da operação, quis o melhor e nada menos que o melhor, uma excepção à minha regra. E também esperei por ter alternativa (leia-se seguro de saúde) para me escapar ao total e pagar a custo a minha parte da coisa (em prestações, o que também é excepcional para a minha conduta económica).
Ambos os meus pais nasceram pobres (não é remediados, quero mesmo dizer pobres, do género "há uma sardinha para o jantar de três") e foram escapando a pulso, com muito trabalho e sem grandes chances de estudar. Revolução, etc. e tal, eventualmente conseguem o conforto de alugar um apartamento e procriar. Tudo o que têm foi ganho com trabalho, muito trabalho e eu aprendi o valor do dinheiro. Talvez por isso mesmo, nunca lhes pedi nada. Até porque tinha tudo. Educação, amor e carinho. E isso é tudo. Nunca andei em colégios privados, nunca tive roupa de marca nem nada dessas mariquices. Fui bem educada, incutiram-me valores que continuam a ser os meus pilares, sempre fui aluna exemplar, pelo que não tenho qualquer dúvida que nada disso me fez falta ou pode fazer a alguém. As férias de verão significavam passear Portugal fora, de opel corsa com os 5 lugares ocupados, durante 3 ou 4 dias. E eram belas férias, que me deram a conhecer o meu país de lés a lés e alimentaram o bichinho (que entretanto se tornou um monstro) de sair sem rumo e chegar aonde a estrada levar, de improvisar, de descobrir tascas castiças e gente bonita. Cresci e fui a primeira da família directa a frequentar uma universidade. Segui o coração e calhou ir para o mais belo curso do mundo e o único que poderia encher-me as medidas mas que tem empregabilidade zero.