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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Meia noite, deixar texto a meio com medo dos sentimentos que recorda.

 

Arrumar cozinha, deixar mais algumas coisas preparadas para fazer a mala.

 

Ir a cambalear de sono para a cama. Dar voltas e voltas, antecipando fantasmas que virão, culpar as dores nas costas.

 

Duas e qualquer coisa, eventualmente adormecer.

 

Seis e trinta, ouvir vozes de dentro dos sonhos que são o despertador, carregar no botão errado e adormecer até ao próximo berro.

 

Duche, lavagens e esfreganços vários, cremes e básicos a correr. Primeira desilusão da manhã, o cabelo ficou uma merda ("Porque é que nada funciona comigo?"). Porra, esqueci-me que hoje não posso ir de calças de ganga, o que vou vestir? A primeira mancha negra que apanho no roupeiro terá de servir. Já não há tempo de comer, abrir janelas e voar escadas abaixo. Repôr nas caixas de correio a correspondência dos vizinhos que o carteiro insiste em deitar na minha caixa. Corrida para os transportes públicos, atrasados de novo, fantástico. Pelo meio uns minutos para adiantar mais umas páginas e anotar na agenda o que faz falta comprar (pão, leite, detergente para roupa). "Faz-me falta o doseador..." e pensamentos que tomam a curva errada. Metro cheio, vai-se de pé. Chegar ao trabalho já com pensamento nas mil coisas que têm mesmo de ficar finalizadas hoje. Caras ensonadas que chegam a conta-gotas. E-mail de colega a pedir que ligue com urgência. Precisava de colo e de desabafar, e pelo caminho pedir que se pense nela quando houver uma vaga. Vou ver o que posso fazer. Colo uns slides que o chefe enviou numa apresentação importante, afinal aquilo estava tudo engatado. Chefe chega de trombas, da cefaleia e mais uma noite mal dormida, tenho de lhe dizer que o que enviou está uma bosta, de ouvir as suas justificações (porque chefe pode errar, índio é que não) e quando me farto, agarrar naquilo, que não é trabalho meu, e fazer bem. Amiga em crise larga notícias bombásticas, desesperada, e depois não atende o telefone. Ufff! Outra colega pede ajuda, eu ajudo. E mais uma pede um formulário duma área que não é a minha há mais de um ano, também envio. Esqueceu-se de agradecer, porreiro. Despacho mais umas coisas, respiro fundo, vejo que uma das Professoras a quem pedi para tentar mudar datas de exame (porque calham 3 num dia e mais 3 noutro), diz em termos fofinhos "temos pena". Reclamo com a cabeleireira, quer uma 2ª oportunidade, tudo bem. São quase 11 quando consigo tomar o pequeno-almoço em 10 minutos. Não chego a sentar-me no regresso porque o chefe quer a minha aprovação numas alterações que está a fazer. Vejo textos meus serem apagados, para voltarem a ser escritos sem regras gramaticais ou ortográficas, em palavras diferentes que soam mal e voltam enfim a ser as que eu tinha colocado.  Inspiro, expiro. Corrijo os erros, trabalho encerrado, passo ao próximo. Lembro-me que ainda não tomei os medicamentos, vão com 5 horas de atraso. Mais urgências, segue o baile. Reunião com chefe. Hora de almoço, ainda na reunião com chefe. Almoço com colegas, conversas da vida, da morte, de trabalho e dinheiro, palavras corriqueiras e palavras fulcrais, entre guardanapos descartáveis.

 

De volta ao PC, colega de curso reclama que não atendi a chamada, queria dizer que saiu mais uma nota. Porreiro, outro 19. Mais trabalho sob pressão, outra ajuda a uma colega. Querem ver que andei a adiantar bagagem p'ro galheiro?! A puta da espanhola deve estar a gozar comigo, a cena marcada e confirmada há 8 meses e agora, dias antes, diz que se enganou no ficheiro!?! Sai disparada uma reclamação e em português, acabou-se-me o stock de diplomacia. Ligo para avisar quem de direito, sai-me do outro lado uma má notícia na pior altura. Disfarço, com a brutidão habitual. "Ai viram qualquer coisa na mamografia? Deixa lá vir o relatório, isso deve ser um gânglio inflamado, não sejas piegas." São poucas as vezes que me apetece dizer palavrões, e é a única coisa que consigo verbalizar depois de desligar o telefone. "Outra vez não, outra vez não." Não posso ir abaixo. Penso num filho da grandessíssima puta que tanto prometeu que sempre que eu precisasse estaria lá para mim e sempre que precisei nunca esteve, agora ainda menos. Ao menos esse já não me suga as energias, pelo menos de forma consciente. Acabo o trabalho, saio mais cedo do que é costume (só uma hora depois da 'minha hora'). Encontro-me com amiga, rumamos à inauguração da exposição de outra amiga, finalmente liberta e a perceber que é capaz de tudo quando se liberta de grilhões. Algumas caras conhecidas, a primeira coisa que oiço é que estou mais gorda. Obrigadinha, não tinha ainda reparado, os espelhos lá de casa partiram-se todos com o horror. Discurso de ir às lágrimas, ou sou eu que ando demasiado sensível. Tenho de sair, que os transportes duplicaram o preço e reduziram a frequência para metade. Bonito, metro interrompido. Esperam retomar em 15 minutos, a espera acaba por ser mais de 30. Cereja em cima do bolo, de quem é aquela cabeça ali ao fundo? Porra, só faltava mais esta. Enterro a cabeça no livro e viro as costas, deixando ficar só a dúvida, "se calhar era só alguém parecido". Não sei, nem quero saber.

 

Olha, o chefe tentou ligar. Deve ter aparecido uma merda qualquer para lixar os grandes planos de amanhã. Pergunto o que se passa. "Só queria dizer que a apresentação está perfeita." Isto é raro, note to self: "guardar mensagem para referência futura". A seguir acrescenta que o filho está doente, afinal parece que os planos vão mesmo pelo cano.

 

Nove da noite, só mais um transporte. Amiga a meio de crise existencial combina conversarmos na net, não pode ser ao telefone.

 

Nove e meia da noite, chego a casa. Ligo o PC enquanto os restos para o jantar aquecem no microondas. Falo para o boneco. Respondo a uma das raras mensagens. Engulo qualquer coisa com aspecto de comida, mas tenho é sede. Trouxe uma coisa para fazer em casa, do trabalho, mas já não tenho forças. Tenho estudos em atraso, menos forças encontro. Começo a escrever este post, o PC morre a meio. Os fios estão a descarnar. Talvez se não estivesse há 3 meses à espera que me devolvam a merda dos parafusos. Até os parafusos, porra, não tinhas melhor recuerdo para guardar que parafusos, o doseador de detergente, os panos de pó e os meus guaches? Porra, desaparece do meu pensamento, idiota. Onze e meia, a outra já não aparece, eu já dou cabeçadas na atmosfera.

 

Meia-noite outra vez.

 

 

 

Que post vazio, que vida vazia. Tantas palavras desperdiçadas.

 

 

 

Tantas voltas para um dia vazio, mais um. Tão cheio de nadas, tão pobre.

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