Não me venhas espiar as sílabas, não. Continua a fingir que cessei de existir e segue sem o entrave que fui eu. Segue rápido e feliz e vive tudo o que procuravas na fuga de mim. Não me venhas tomar o cheiro quando em vez, saber se já morri ou me tornei em quem não reconheces. Não me visites amiúde, não te quero aqui. Não sintas a temperatura a ver se está frio o suficiente para não queimar, ou morno o suficiente para te tirar o gelo do coração. Não te escondas debaixo desse manto de invisibilidade presunçosa que, sabes, não funciona comigo. Não vás retirando sanções até te julgares no direito de apagar o passado. Não. Deixa o tempo passar devagar. Quando me sentires a falta, não de quem preencha a minha vaga nas funções, mas de MIM, virás. Nesse dia, ler-me-ás de rajada e recordarás cada momento como um tempo que cristalizou. Far-se-á Luz na caverna escura de ti e o degelo será um flash. Nesse dia, se o dia chegar, entornarás significados antigos que evitaste e tudo será claro e límpido como a verdade que te vai ensurdecer. E nesse dia vais procurar por mim. Em cada rosto, em cada palavra, em cada um dos pequenos vazios dentro de ti, em cada saudade que descobrires. Vais ensaiar aproximações, negociá-las com o medo da rejeição. Eu não sei onde vou estar. Só sei que não estarei onde me deixaste, naquele sítio onde cabiam o teu mundo e o meu, onde tudo estava por ser. Não vou regressar a esse sítio nunca mais. Não acredito em regressos. Só acredito no infinito e em mim.