Dizia-me alguém um dia da semana passada, por entre as sombras da cidade a anoitecer, que no alcatrão também nascem flores. Não duvidei, como nunca duvido que a força da vida seja maior que tudo e que vença quantas camadas de vis obstáculos se lhes surja.
Não me recuso a florir sob um Sol menos quente, estejam as nuvens alinhadas de modos apetecíveis. Nem me resigno a estagnar e empedernir. As grandes certezas que me sustentaram a vida toda estão a ser substituídas por dúvidas. Os dogmas abalados, um por um. O tom imperativo a ser substituído por reticências. Estou a suavizar-me, e bem precisava, que as cascas ásperas não repelem só os toques indesejáveis e não têm de ser sempre os outros a desbravar terreno por entre o mau feitio para chegar ao núcleo de mim. Estou, devagarinho, a deixar de ter vergonha de ser quem sou, a expôr-me, a deixar cair o pano. Sim, sou ultra-sensível e comovo-me facilmente, tenho feridas que doem quando se lhes põe sal, tenho complexos de sobra, gosto mais de pessoas do que admito, sinto saudades de quem já não está, sou de carne e osso, falível e fraca, talvez venha até a descobrir alguns medos. Nem sempre tenho os pés assentes na terra e sonho acordada com as coisas mais simples, gosto de atenção masculina e de ser mimada.
Obrigada, R., por tentares com tanta convicção tirar-me o resto da casca. E pelo gelado numa noite fria. Por me fazeres sentir que não sou sempre à prova de bala. Mas entende que eu serei sempre eu, nunca quem queres e imagines que seja. Sou diferente de quem imaginas, sou pautada por sentimentos, princípios e convicções maior que a tua e a minha vontade juntas. E da minha vontade já falei. O que será de nós amanhã ninguém sabe. Mas eu sei que o meu lugar não é aí.