Como pessoa obcecada pela verdade de todas as coisas, que faz corresponder à verdade a fidelidade a ideais, valores e talvez até a algum moralismo, é muito raro mentir. Também minto, demasiadas vezes para sentir que cumpra os requisitos mínimos da coerência, mas não o sei fazer, e prefiro sempre dizer a verdade absoluta ou, no máximo, evitar magoar ou prejudicar alguém calando algumas verdades. Defensora da verdade nua e crua, digo muitas verdades que não são levadas a sério. Sou conivente e até causadora de algumas mentiras, que não desfaço por não serem minhas ou o meu lugar.
Penso nisto tantas vezes, debato comigo mesma o potencial destruidor da verdade contra o potencial destruidor da mentira, estudo pessoalmente os indícios de cada pessoa quando mente e, sobretudo ultimamente, tenho-me dedicado a observar as reacções a verdades incomuns.
Chega a ser divertido que tantas pessoas tenham dificuldade em acreditar nas verdades que lhes são atiradas a sangue frio. As verdades inesperadas, que chocam, aquelas que são frequentemente maquilhadas com mentiras, são tantas vezes recebidas com gargalhadas nervosas, inseguras, incrédulas, como piadas e como falsidades. Quando se reforça e assegura que não há nada de falso nas inéditas afirmações, assume o lugar o espanto, o receio (o tal do diferente), eventualmente a consternação. E fica a verdade como um incómodo que é preciso explicar, justificar a fundo. Fosse uma qualquer balela e seria aceitável com tranquilidade.
O desconforto da mentira fica só com quem mente para não ofender os restantes, que se sentem ofendidos com a dívida de verdades. Será a mentira um gesto de sacrifício ou abnegação? Ou talvez seja o comodismo que faz perpetuar as mentiras e a aceitação social das mesmas. Talvez seja demasiado difícil, exigente, cansativo, penoso ser sempre inteiramente fiel à verdade absoluta. Mas para quem? Para quem fala verdade ou para quem prefere viver num mundo de faz-de-conta a lidar com verdades incómodas, que magoam, que desarranjam os lugares das coisas?
Não fosse o quotidiano feito de lugares de sombras e enganos, quantos mentirosos se renderiam? Quantas famílias desmoronariam e quantas seriam erguidas mais alto e mais fortes? Qual é o custo da mentira e, mais importante, qual é o custo da verdade?