Há um ano entraste de rompante, vindo do nada, como se as coincidências cósmicas tivessem um propósito. Disse-te o meu nome, tu disseste o teu nome, deu-se uma espécie de explosão catastrófica e fantástica, cheia de fogos-de-artifício e vórtices de caudal pleno de estrelas e tormentas espinhosas, e nada mais foi como havia sido até então.
Não poderei elencar as dores, as zangas, os abraços, as confidências, os sorrisos, as lágrimas que nos causámos, que excedem em número e em força a disponibilidade da memória. Poderia elencar os beijos e poemas, as promessas cumpridas e as quebradas, mas tu preferes esquecer e eu também. Passei um ano inteiro a escrever-te a ti, de ti e para ti e tudo o que só os teus olhos leram já diz demais, sem nunca dizer as palavras de que fiz barreira maior. Creio que devia parar aqui. Não só de escrever para ti, mas parar por completo. Parar de abrir portas a quem chega de novo com ideias e sentimentos e requisições e entusiasmos. Fechar as frestas que abri antes e parar de sentir frios e arrepios. Parar de me importar contigo, parar de querer dar-te o que te ofereci e não colheste, parar de confundir com afecto que tanto tenhas colhido de mim. Devia parar de sentir, de te sentir ao longe, de te ouvir a voz plena, de te escutar lamúrios e suspiros desanimados mascarados com planos que não te bastam. Devia parar de ser para parar de doer.
No outro dia, os que me querem e conhecem bem, só ainda não todo o avesso, que só sabem um resumo da nossa estória, brindaram à tua ausência, à tua saída com a porta a bater e a fazer estremecer as minhas paredes. Tiveram essa audácia, apesar de suspeitarem o quanto me dói este naufrágio sem jangada, para me convencerem com afronta de que estou muito melhor sem ti. Sem saberem que ruí por completo, que me perdi no caudal de mim mesma. Enquanto os copos tiniam, pensava em como nunca te culpei de nada e na ambição em que se tornou o teu sorriso. Nunca me arrependi daquele Janeiro escuro em que te encontrei de olhos vendados, te tirei as máscaras e derrubei os muros todos, como disseste no primeiro dia. Olhei para o fundo de um copo, imóvel e calada, concentrada em não deixar cair lágrima alguma, a muito custo. Tenho saudades, sim, e preciso de saber que estás bem, que alguém te cuida e aquece o bloco de gelo com que proteges o coração.
Tantas vezes me aconselharam a voltar-te costas, a não te dar a importância que nunca me deste, a proteger-me. Mas prometi que não te deixaria só, e não me interessa quantas barreiras e novos muros nos separem, só não ficarás. Prometi que não seguiria sem ti e aqui estou, estagnada. Já tentei retomar a marcha, com um pedaço a menos, que me falta, mas seguindo. Ainda não consegui o reequilíbrio, talvez o pedaço que me faltas seja mais central do que antecipava.