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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Foi Salgueiro Maia, capitão de Abril, que o disse há quarenta e cinco anos. A ditadura foi derrubada e a democracia teve, depois de quarenta e um anos, as portas finalmente abertas.

 

Desobedecer a leis de regimes opressores, ditaduras, ou quando as leis não servem ao povo mas a quem o explora, é um direito e um dever de quem tem a justiça como ideal.

 

O sistema judicial é feito para proteger a classe dominante e manter os poderes. Não nos iludamos, as leis só servirão o povo quando o povo mais ordenar efectivamente. Até lá, a lei é burguesa e protege o poder, ou seja, o capital, ou seja, os ricos, patrões e empresas.

 

A noção de legalidade não é em nada paralela a uma mensurabilidade do que é certo face ao que é errado (em termos de justiça e não em termos morais). Disso mesmo são evidências históricas as inúmeras validações legais de atentados contra a humanidade. A escravatura era legal, o holocausto foi legal, o apartheid na África do Sul era legal. A segregação racial nos Estados Unidos da América era perfeitamente legítima perante a legislação então em vigor, da mesma forma que o voto às mulheres era negado ou o trabalho infantil de doze horas diárias na Inglaterra em plena Revolução Industrial era prática corrente. Hoje mesmo, o casamento entre pessoas do mesmo género é duramente condenado em muitos pontos do globo (como se de um crime horrendo se tratasse), ou o adultério da mulher, por exemplo. Fica claro, portanto, que legalidade e justiça são conceitos afastados e só vagamente relacionados.

 

Os actos de desobediência civil podem ser tão pouco confrontativos como não pagar impostos, como fez Henry David Thoreau (o pioneiro a teorizar sobre o conceito) no século XIX, contra a escravidão e o financiamento da guerra contra o México, ou faltar às aulas como forma de protesto, ou ocupação de espaço público sem comunicação prévia às autoridades, bloqueando o trânsito, ou à ocupação ou danificação de propriedade privada. Por norma, a desobediência civil pauta-se por acções não violentas (embora o conceito de violência possa ser discutível), mas o seu impacto tem um efeito ampliado e provavelmente mais capaz de alertar e mudar mentalidades, sobretudo em tratando-se de acções massivas, repetidas, insistentes. Quando se sabe que se luta por justiça, por igualdade, por um mundo melhor, não há argumentos legais que demovam quem acredita; não há medo ou repressão capazes de calar a razão.

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Desobedecer é preciso. Num mundo repleto de injustiças, de violações de direitos humanos, de exploração dos mais fracos por parte dos mais fortes e de iminente colapso climático e ecológico, o problema maior é obedecer. É compactuar, pela inacção, com o sistema que causa e se alimenta das discrepâncias. Não é cumprindo ordeiramente as exigências dos mais poderosos que se muda alguma coisa do tanto que está errado. Não é com petições e abaixo-assinados que se alteram políticas ou que se revertem os efeitos do capitalismo selvagem que deixam tantos na miséria para muito poucos se tornarem cada vez mais ricos. Muitas vezes, nem sequer os protestos públicos, palavras de ordem e faixas se fazem notar o suficiente nas casas do poder, que continuam o seu caminho seguro de cilindrar as vidas de milhões de pessoas a troco de mais uns milhões nas contas bancárias, mais uma negociata bilionária a ser paga pelo bolso de quem já pouco tem. O agente de mudança real na sociedade, colocando de parte as opções violentas (que também só estão ao alcance das mesmas entidades políticas e económicas com meios para as concretizar e para sustentar uma organização robusta) ou, concedendo, com excesso de boa vontade, que as eleições democráticas possam realmente carregar um poder em que é natural e legítimo ser ou estar profundamente descrente, é a contestação massiva e organizada, a disrupção.

 

A desobediência é uma arma contra a opressão. A desobediência militar de um grupo de bravos derrubou a ditadura em Portugal em Abril de 1974. A desobediência civil é uma arma política de enorme potencial de mudança, que tem conseguido vitórias surpreendentes, desde as sufragistas aos movimentos pelos direitos civis americanos. Atente-se no exemplo de Greta Thunberg, a activista adolescente que fez da greve às aulas uma forma de unir meio mundo em torno da maior causa comum, ou o movimento internacional Rebelião de Extinção (Extinction Rebellion), na mesma luta pela justiça climática através de múltiplas acções directas não violentas de desobediência civil, em dezenas de cidades pelo mundo fora. Até onde se poderá ir se existirem inúmeras acções de desobediência civil, por todo o mundo, em sintonia em relação às suas reivindicações, a chamar à responsabilidade decisores políticos e poderes económicos, a alertar e despertar os cidadãos comuns para se juntarem às causas? Pequenas rebeliões locais, a multiplicarem-se a uma escala crescente, a crescerem e a deixarem de ser pequenas e locais para serem a grande escala e internacionais, a engrossarem as massas de uma mesma grande rebelião, serão um dia capazes de implementar uma autêntica revolução?

 

É difícil prever o que o futuro pode encerrar, mas é com esperança renovada nas vitórias dos movimentos sociopolíticos que se estão a erguer confiantes a exigir um mundo mais justo para todos que reside hoje a esperança na humanidade. Venceremos!

 

Crónica publicada originalmente a 16/04, no Repórter Sombra.

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[Crónica publicada no Repórter Sombra.]

No rescaldo de mais uma Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas), a COP24, ocorrida em Dezembro na Polónia, ousemos perguntar o que nenhuma televisão ou jornal mainstream perguntou: que avanços fez a maior autoridade mundial no tema em relação à mais premente ameaça global? A resposta é triste. Nada. Zero. Bola. Nicles.

Além de relatórios com dados científicos que apontam as balizas máximas a que podemos permitir que o planeta aqueça (“muito baixo dos 2°C”), cálculos optimistas e prazos demasiado permissivos para nos desviarmos do caminho do descalabro, o IPCC queda-se entre a impotência e a inépcia para realmente mudar o curso fatalista para que o capitalismo nos atirou.

Este organismo da ONU existe há trinta anos e o melhor que conseguiu até agora foi forjar acordos que têm sido incumpridos pelos signatários e desprezados por países que são responsáveis por grande parte da quota de emissões de gases de efeito de estufa. Os Estados Unidos da América anunciaram a saída do Acordo de Paris em Junho de 2017, o Brasil já deu sinais no mesmo sentido, e todos os países cuja economia depende dos combustíveis fósseis rejeitaram o último relatório do IPCC, divulgado em Outubro: EUA, Rússia, Arábia Saudita e Kuwait.

Em 1997, os signatários do Protocolo de Quioto estabeleceram a meta de redução de 18% (20% na União Europeia) das emissões de gases com efeito de estufa em comparação com os valores de 1990. Os EUA não assinaram e desde então Canadá, Rússia, Japão e Nova Zelândia ficaram fora do acordo, pelo que este compromisso só abrange cerca de 14% do total de emissões. Em 2014, a UE ratificou o Acordo de Paris, comprometendo-se com a meta vinculativa de 40% de redução (face a 1990) das emissões até 2030. Como expectável, este acordo de boas intenções não teve impactos significativos fora dos documentos e resultou em coisa nenhuma.

Ainda que fossem cumpridas as metas propostas por um documento que só abrange 55% das emissões de gases de efeito de estufa, as suas repercussões seriam insuficientes. Mas não é o caminho da redução de emissões que o mundo está a tomar. 2018 foi o ano recordista de emissões, com a concentração de CO2 mais elevada dos últimos três milhões de anos. Os vinte anos mais quentes da História ocorreram nos últimos vinte e dois anos. Ao passo que os governos neoliberais enchem manchetes de slogans apelativos a falar da descarbonização, de empregos verdes e de energias renováveis, na prática continuam a apoiar as indústrias petrolíferas e as actividades delas directamente dependentes, a concessionar áreas para prospecção de petróleo e gás, a fomentar a massificação do transporte aéreo, a penalizar os trabalhadores com taxas e impostos sobre veículos e combustíveis, a negligenciar a premência do combate às alterações climáticas e a não apresentar alternativas viáveis para as questões energéticas, alimentares, para a mobilidade ou para as crises sociais decorrentes ou agravadas pela crise universal ambiental e climática.

António Guterres, secretário-geral da ONU, na abertura da COP24 pediu a governos e investidores que "apostem na economia verde, não no cinzento da economia carbonizada". Fê-lo na Polónia, país com uma actual dependência energética de 80% do carvão, na cidade anfitriã de Katowice, cuja mais significativa actividade económica é a exploração de reservas deste combustível fóssil. As próprias reuniões da conferência tiveram lugar numa mina de carvão desactivada e um dos patrocinadores oficiais do evento é uma empresa de exploração de carvão. O presidente polaco, na mesma sessão de abertura, faz a apologia da utilização do carvão pela via da “segurança energética” (leia-se lucro) e segue a sua performance de demagogia extrema ao afirmar que isto não conflitua com a protecção do clima, e que "os diferentes países devem abordar a política económica e climática de uma maneira realista, e evitar situações que ameacem a estabilidade das suas sociedades", já que, embora "a acção climática represente muitas oportunidades e benefícios económicos, sociais e de saúde, também gera custos, especialmente em regiões tradicionalmente baseadas nos combustíveis fósseis". Ou seja, num evento que deveria centrar-se na ciência e nas políticas necessárias a evitar o colapso civilizacional, a palavra mais repetida continua a ser economia e o tema central continua a ser o capital.

Observemos, então, temas colaterais de somenos importância, como vidas humanas. Estima-se que a média anual de deslocados por mudanças climáticas entre 2008 e 2016 chegou a 25,3 milhões e, a continuar a este ritmo, as alterações climáticas serão responsáveis por 200 milhões (sim, duzentos milhões!) de refugiados climáticos até 2050. A Organização Mundial da Saúde estima sete milhões de mortes anuais por causas directamente relacionadas com a poluição. Ainda que observemos apenas a perspectiva capitalista, a mesma OMS estima que, nos 15 países que emitem maior quantidade de gases com efeito de estufa, os impactos na saúde da contaminação do ar custem mais de 4% de cada PIB, ao passo que as acções para alcançar as metas do Acordo de Paris custariam cerca de 1% do PIB mundial. Dá que pensar? Pensemos mais um pouco.

Sabemos que apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões globais de gases de efeito de estufa. Estamos a destruir a atmosfera (e a civilização como a conhecemos) para que muito poucas pessoas tenham acesso a lucros estratosféricos. Essas pessoas são tão mortais quanto o resto de nós, os seus descendentes e os nossos. A bem de quê? Do lucro imediato, da sustentação de um sistema que assenta na exploração de quase todos por parte de uns poucos? O lucro não pode continuar a ser colocado acima da vida de biliões de pessoas!

O máximo que podemos permitir que as temperaturas médias globais subam em relação a níveis pré-industriais é 1,5ºC (e até 2018 a subida média registada já é de 1ºC). Para isto ser possível, é necessário cortar as emissões em cerca de 50% nos próximos onze anos, até 2030, e atingir a neutralidade carbónica em 2100. Isto não significa que não existam já consequências graves neste momento (a abundância anormal de fenómenos climáticos extremos, secas e fogos florestais devastadores, a subida do nível médio da água do mar, com impacto directo na vida de pelo menos metade da população mundial), significa sim que, a partir deste limite, a vida nos moldes em que a conhecemos hoje será insustentável. Os efeitos das alterações climáticas e da geopolítica de um mundo orientado globalmente para produção de lucro são directamente responsáveis por crises migratórias, por escassez alimentar, por guerras e por crises sociais e humanistas. As populações mais vulneráveis são as mais pobres e fustigadas e, dentro destas, as mulheres são sempre o grupo mais fragilizado. Além de irracional, é eticamente aceitável que continuemos a permitir, impávidos e serenos, ao homicídio em massa da Humanidade?

Nem todos estamos de braços cruzados a aguardar o ponto de não retorno. O número de activistas envolvidos em protestos contra as alterações climáticas e a exigirem aos seus governos acções concretas e drásticas na redução de emissões de gases de efeito de estufa tem sido surpreendentemente grande, dizem os media, mas este factor surpresa só existe por parte de quem não reconhece a centralidade e urgência desta luta. As consequências das alterações climáticas são catastróficas para todo o planeta e o tempo de agir é agora, pelo que na verdade, do ponto de vista do activismo pela justiça climática, muitos mais (virtualmente, todos) são necessários.

A luta não é vã. Em Portugal, com apenas três anos de luta coordenada entre a sociedade civil e pequenas organizações ambientalistas, foram cancelados 13 dos 15 novos contratos previstos em 2015 para exploração de hidrocarbonetos (e os dois ainda activos, para exploração de gás nas zonas de Aljubarrota e Bajouca serão também suspensos), o que significou uma derrota estrondosa do plano de um governo que tem apoiado de forma despudorada as grandes empresas petrolíferas. Contudo, isso é apenas uma ínfima parte das lutas que têm de ser travadas em todo o mundo, porque a única forma de não mudar o clima de forma insustentável é mudar o sistema. Não há forma de a civilização como a conhecemos ultrapassar isto de outra forma. Não nos podemos dar ao luxo de perder esta luta.

A Maria Vieira e suas opiniões inusitadas e não menos inflamadas faz-me lembrar certos bloggers. Creio que o problema que os move é o mesmo e um único: carência. Há pessoas que precisam de atenção como de água, têm de ser faladas, notadas, ou no caso de bloggers, visitadas.

Se o seu trabalho não é notório e os conteúdos não têm um interesse avassalador para as massas, então a receita certa é simples: disparatar. Dizer coisas incendiárias, que polarizem opiniões, para logo se gerar celeuma em torno do tema. Os temas, normalmente, são tão fracturantes e absolutamente fulcrais para o planeta como as opiniões pessoais em relação a… sei lá... como exemplos avulso: a amamentação, dietas, alianças políticas, o busto ou os gémeos do Ronaldo. Ou seja, nada que interesse.

Em suma: o discurso do ódio rende. Move apoiantes e opositores prontos a digladiarem-se em praça pública (que é como quem diz, na internet), e entretanto o autor do disparate (ou opinião pessoal) colhe os seus dividendos: protagonismo, visitas, popularidade.

A Maria Vieira (ou lá quem actualiza o seu Facebook) prima por disparar em todas as direcções. O meu remédio para estas febres é, normalmente, aquilo que mais enerva quem busca protagonismo: ignoro em absoluto. Não partilho links, não entro em discussões com trolls cibernéticos (já me bastam os trolls que sou obrigada a aturar ao vivo). É a melhor forma de antagonizar o disparate.

Quanto ao aquecimento global, por ser efectivamente um tema por demais prioritário e que, creiam ou não os trolls, interessa a cada um de nós, deixo este *,.gif que não podia ser mais claro.