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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Há um ano entraste de rompante, vindo do nada, como se as coincidências cósmicas tivessem um propósito. Disse-te o meu nome, tu disseste o teu nome, deu-se uma espécie de explosão catastrófica e fantástica, cheia de fogos-de-artifício e vórtices de caudal pleno de estrelas e tormentas espinhosas, e nada mais foi como havia sido até então.

Não poderei elencar as dores, as zangas, os abraços, as confidências, os sorrisos, as lágrimas que nos causámos, que excedem em número e em força a disponibilidade da memória. Poderia elencar os beijos e poemas, as promessas cumpridas e as quebradas, mas tu preferes esquecer e eu também. Passei um ano inteiro a escrever-te a ti, de ti e para ti e tudo o que só os teus olhos leram já diz demais, sem nunca dizer as palavras de que fiz barreira maior. Creio que devia parar aqui. Não só de escrever para ti, mas parar por completo. Parar de abrir portas a quem chega de novo com ideias e sentimentos e requisições e entusiasmos. Fechar as frestas que abri antes e parar de sentir frios e arrepios. Parar de me importar contigo, parar de querer dar-te o que te ofereci e não colheste, parar de confundir com afecto que tanto tenhas colhido de mim. Devia parar de sentir, de te sentir ao longe, de te ouvir a voz plena, de te escutar lamúrios e suspiros desanimados mascarados com planos que não te bastam. Devia parar de ser para parar de doer.

No outro dia, os que me querem e conhecem bem, só ainda não todo o avesso, que só sabem um resumo da nossa estória, brindaram à tua ausência, à tua saída com a porta a bater e a fazer estremecer as minhas paredes. Tiveram essa audácia, apesar de suspeitarem o quanto me dói este naufrágio sem jangada, para me convencerem com afronta de que estou muito melhor sem ti. Sem saberem que ruí por completo, que me perdi no caudal de mim mesma. Enquanto os copos tiniam, pensava em como nunca te culpei de nada e na ambição em que se tornou o teu sorriso. Nunca me arrependi daquele Janeiro escuro em que te encontrei de olhos vendados, te tirei as máscaras e derrubei os muros todos, como disseste no primeiro dia. Olhei para o fundo de um copo, imóvel e calada, concentrada em não deixar cair lágrima alguma, a muito custo. Tenho saudades, sim, e preciso de saber que estás bem, que alguém te cuida e aquece o bloco de gelo com que proteges o coração.

Tantas vezes me aconselharam a voltar-te costas, a não te dar a importância que nunca me deste, a proteger-me. Mas prometi que não te deixaria só, e não me interessa quantas barreiras e novos muros nos separem, só não ficarás. Prometi que não seguiria sem ti e aqui estou, estagnada. Já tentei retomar a marcha, com um pedaço a menos, que me falta, mas seguindo. Ainda não consegui o reequilíbrio, talvez o pedaço que me faltas seja mais central do que antecipava.

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Começaram a subir a Travessa do Maldonado, devagar, atados com laços de vontades um ao outro, e um senhor que passava, observando-os contra a luz que se esbatia com o fim da tarde, derramou uma exclamação que soou bonita e sincera: "Vocês parecem anjos!"

Sorriram ambos. Ele, calado e talvez menos espantado. Porventura, já lhe terão chamado anjo, seria uma mera constatação do óbvio. Não trazia as asas postas, mas empurrava à mão duas rodas.

Ela respondeu com um sorriso largo e convicto: "E somos!"

O senhor agradeceu e acenou: “Bem-hajam!” Talvez tenha sido ele a presença angelical que lhes abençoou a noite de veludo, que a partir daquele momento, deslizou como nuvens empurradas no horizonte de lilases, a desafiar as definições do que é sonho, do que é perfeição.

Despenteados, desenquadrados da normatividade que não os incomoda nem consegue deter, têm o dom de passar invisíveis nos largos e ruas. Talvez os pés sejam silenciosos ou levitem um pouco, que sempre parecem situar-se num plano etéreo, num intervalo de esguelha entre planos de realidades duras, feias, doridas. Talvez os risos sejam cândidos ou talvez sejam realmente anjos incorpóreos a cirandar, com risos de cócegas na barriga e bochechas rubras.

Os despenteados caminham lado a lado, partilham-se, abrem sem pressa as portas rangentes do que encerram em si e deixam o outro entrar um pouco no íntimo do que os incomoda, o que os preocupa, o que os motiva. Não há sentimentos de posse, não há lugar para o ciúme. As sombras começam a espalhar-se nas paredes e janelas, os gatos vadios miram e escutam as conversas, interessados.

Sempre brotam sorrisos sinceros quando se encontram, feitos de luz, sorrisos inteiros, dos olhos ao queixo, leves e musicais. O mundo todo às costas não é um fardo, é uma aceitação de que há uma missão maior a que não se pode fugir. Os lábios tocam-se de mansinho, como harpas, em fôlegos macios e vítreos, translúcidos. Os dedos encontram-se e aninham-se, vestidos de carícias e cumplicidades, ainda que o calor de um Outono que lembra Junho peça nudez. Os narizes navegam, afoitos, por montes e vales, tacteando superfícies e odores. Os caracóis rebeldes são afagados, apertados e baralhados uns nos outros como cartas do mesmo naipe.

O cheiro do bairro, da casa, da roupa e da pele, que já fora estranho de desconhecido, tornou-se confortável e sinal de boa companhia, de sorrisos pendurados nas peles mornas, tão doces. Cheira a conforto e a aventura, a vontades e planos de mudar o mundo. Como uma manta protectora de ternura espessa que mantém tudo no lugar e à prova de agressões externas, um casulo em que faíscam inícios, germinam revoluções e entre parênteses se vão escrevendo páginas de um passado estendido, abrangente, certo como a idefinição do futuro.

A lua acende os sorrisos como narcisos, que existem só para se trocarem e rebentarem os limites da beleza que não tem tradução, os olhos dançam perdidos nos universos de si próprios. Ela jura que ouve poesia no sorriso dele, que a abraça com dedos, língua e asas, que lhe escuta segredos.

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Os anjos não precisam de nomes ou verbos, vivem materializados nos momentos de mãos dadas na sua rua, nos abraços prometidos, às vezes adiados, às vezes calados com lábios húmidos ou em queda livre no azul maior que o mundo.

Há quem engula coisas estranhas, como moedas ou giz ou penas de pombos. Há quem mastigue livros e cabelos. Os anjos engolem intervalos de coisa nenhuma, engolem músicas e um ou outro amor que encontrem encostado numa esquina suja e esquecida. Às vezes digerem memórias e partem-nas em milhentos pedacinhos, de forma a sobrarem só fragmentos desconexos das recordações dos seus encontros. Fazendo o esforço, só sobram salpicos e a certeza de que é tão bom, como o aroma de um licor de ginja forte e puxado à canela entre lábios meigos que falam sem sílabas.

Há quem mergulhe de cabeça em mar alto, há quem surfe comboios em movimento, há quem se enterre em afazeres e obrigações e lutos. E os anjos, esses lambem os dias e as noites e as estrelas, coçam silêncios para os ajustar à roupa em jeito de conforto, tricotam ideias ousadas e poéticas em letras de lã macia e encostam-se nos quintais frescos, de asas estendidas, despenteados, a ver passar meses ao longe e a recolherem um pouco mais perto, entrelaçados no sono, aninhados.

 

Porque é que gosto de ti, pergunto-me às vezes. Não sei se é por me reconhecer tanto em ti, em versão melhorada e apurada, não sei se é pela pureza que transparece nesse teu sorriso por que daria sete voltas ao mundo. De cada vez que tenho alguma certeza, alguma decisão firme em relação a ti, baralhas tudo de novo, boicotas-me sem saber.

Já decidi mil vezes deixar de gostar de ti, pegar em cada coisa ridiculamente estúpida que fazes para me apoiar as razões, que escrevo pelas paredes para que nunca me esqueça, e depois vejo-te por dentro e constato, mais uma vez, que não basta decidir, porque gosto mesmo de ti, em cada idiotice que compreendo bem, em cada silêncio que rasga e me fere e me diz que precisas que te vá resgatar.

Sempre que te vejo parece-me até fácil deixar estar tudo assim como está, conversamos e disparatamos em paz, rimos e discutimos em paz, e eu consigo disfarçar os momentos em que fico com um sorriso parvo só a olhar para ti, a rebentar de orgulho em ti, comovida só por te saber real, a pensar em como gostaria de te ter assim um bocadinho todos os dias, mesmo que fosse só assim, fazer-te uma festa na cara, gozar da tua companhia, da tua amizade, desta cumplicidade que é exclusiva, do fogo-de-artifício da tua gargalhada, dos tiques retorcidos dessa cabeça tão enrolada.

Depois fico um dia sem ti e a tua ausência enche cada espaço que reservei para a minha solidão. Depois são dois, seis, oito dias e o aperto sufocante não aperta menos, nem sufoca com delicadeza. Até que um dia, em que a contagem já se diluiu nos meses baços, já não me incomoda se o teu nome vem à baila ou se te sei aqui ao lado, a fingir que não existo e não queres saber de mim. A lucidez prevalece sempre, objectivamente, imbuída da sua verdade.

Talvez não devesse dizer-te que ainda gosto, estupidamente, de ti. Já sem paixão, já sem desejo, sem dor, que não cheguei a dizer-te, tudo se virou do avesso sem mexer grandemente. Não te falei ainda dos meus novos amores, que esperaram educadamente que deixasses de lhes ocupar o espaço, anunciados que estavam, para crescer. E como cresceram! Em direcções antagónicas, tão seguros de si. Entre o fascínio, o paraíso e o terror, a hecatombe anunciada, filmes daqueles surreais para os quais a vida me reservou. Seguros, fortes, para a vida toda. Sei que lhes vais lendo os vestígios, a espaços. Ficarias de sobrolho erguido com cada um, jocoso, talvez um dia que perguntes te mostre um pouco mais da maravilha, da explosão permanente em que ferve o meu coração.

Porque é que ainda gosto de ti, camarada, amigo, irmão, pergunto-me quando em vez. Não é importante a razão. A porta está no mesmo sítio, com um perdão não solicitado e não merecido por recolher, dentro de um saco de pão pendurado por fora.

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Era o quarto dia consecutivo que via a mesma mulher vazia, no mesmo lugar à janela do mesmo comboio, de olhos marejados e pendurados no infinito, transbordantes de negro como a roupa que vestia. Olhava com cara fechada um pequeno monitor na palma da mão, de onde saíam, além de alguma coisa que lhe abria um buraco no peito e que sugava as ondas do mar, gaivotas, peixes e traineiras ao largo, uns auriculares que completavam o cenário de exílio. Ela não estava ali, naquela carruagem que largava o início da manhã, pontuada de sonos, risos e agruras de uma pequena tribo rumo às rotinas laborais, um ou outro turista madrugador a caminho de uma praia ainda quase deserta. Sentiu curiosidade e alguma pena da mulher. Ganhou fôlego, levantou-se e sentou-se a seu lado. Ofereceu o seu mais aberto sorriso, com a placa de cerâmica a restaurar a plenitude da confiança dos seus tempos de galã, quando a mulher desviou rapidamente a mochila azul do assento e o olhar do seu vizinho.

Tornou a virar a cara para a janela, sem emoção, voltou ao seu mar de silêncio encriptado pelas canções de amor e Revolução que lhe cantava o cantor maldito ao ouvido e colocou os óculos de sol que lhe prendiam o cabelo em frente a dois pingos finos que lhe salgavam o rosto. Poucos minutos depois, sentiu tocarem-lhe levemente no ombro. O mesmo sorriso de avô que havia visto antes, curtido pelo sol, com o conforto de um hálito ainda preso a uma caneca de cevada instantânea e torradas acabadas de fazer atreveu-se a falar-lhe com a intimidade de uma flecha certeira já alojada entre as costelas. "Oh menina, não esteja triste. A menina desculpe, mas tenho-a visto aqui desde segunda-feira, sempre com essa tristeza toda... É por causa de um rapaz, não é?..." Ela não conseguiu segurar meio sorriso e meio soluço, acenou com o queixo a tremelicar, como se lhe tivessem feito uma rasteira e estivesse em queda, já antecipando os dois joelhos esfolados no asfalto. "Eu vi logo... Menina, deixe-o ir. Oiça o que lhe digo! Se ele gostar de si não a deixa escapar, uma menina tão bonita... Amanhã trago-lhe uma prenda. Não tenha medo nem me leve a mal, eu tenho duas filhas como a menina, uma é mais velha, já tem dois cachopos pequenos." O idoso sorridente continuou a debitar a sua vida, a tornar-se próximo e amistoso com a facilidade que ela sempre admirava nas pessoas com este dom de comunicar com os outros com a naturalidade de amigos de infância. Falou dos netos e alguma coisa sobre umas férias nas termas, alguma outra coisa sobre doenças próprias da velhice que ela preferiu não escutar, apesar de parecer atenta. "(...) Vou sair nesta, mas amanhã trago-lhe a prenda. É uma flor, a menina gosta de flores, não gosta? Mas já chega de lágrimas, hã?! Até amanhã, menina!"
Ela ficou na dúvida sobre o que tinha ali sucedido. Se calhar só imaginou aquele monólogo, se calhar cedeu ao sono que combatia com ganas e alucinou, ou se calhar foi só mais um dos episódios surreais que lhe pontuam a existência de quando em vez, só para recordar que as improbabilidades acontecem e desafiam a lógica, só para recordar que o inesperado pode ser o que falta para restaurar esperanças afogadas ou pode também ser a certeza de que a tragédia é a mais garantida forma de virar os enredos do avesso.
Cansada dos bons conselhos, iguais a todos os que não seria capaz de seguir, exausta das pausas forçadas para retomar o que já não tem cura e nem chega a ter retoma, ponderou imobilizar-se a meio da linha. Nunca tinha  encontrado beleza na possibilidade de abraçar, de peito feito e com a paz de um sorriso torturado, toneladas de aço e ferro a deslizar poeticamente na inevitabilidade. Analisou as opções. Não saberia fingir que gostava de flores se estas não estivessem vivas, incapaz de se imaginar a sobreviver a uma mesma viagem que já repetira, a que já conhecia as curvas e contra-curvas, os declives e o chiar dos carris, cansada de a estação terminal ser sempre o mesmo destino de solidão, decidiu. Não mais voltaria àquele comboio. Aquela tinha sido a última viagem.

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Fizeste-me mil maldades 
e uma maldade muito grande 
que não se faz 
acho que devo ter sido a pessoa 
a quem fizeste mais maldades 
nem deves ter feito a ninguém 
uma maldade tão grande 
como a que me fizeste a mim 
não sei se tens remorsos 
tu dizes que não tens remorsos nenhuns 
porque dizes que és um vil criminoso 
para mim 
eu também sou uma vil criminosa 
mas não para ti 
desconfio que tens o remorso 
de ter alguns remorsos 
por me teres feito mil maldades 
e uma maldade muito grande 
a maldade muito grande está feita 
e não se faz 
acho que essa maldade muito grande 
nos aproximou um do outro 
em vez de nos afastar 
mas para mim é um drôle de chemin 
e para ti também deve ser 
mas com um vil criminoso nunca se sabe

 

Vídeo

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Num dia de São Pedro um vil criminoso trocou-me as voltas todas, fez-me uma maldade. Como vil criminoso que é, não descansou até me tornar numa vil criminosa. Eu não tenho remorsos de nada, só do que não fiz, porque deixei trocarem-me as voltas de novo, e o vil criminoso fez-me uma maldade muito grande, que não se faz, que nos aproximou em vez de nos afastar. O vil criminoso tem remorsos de ter remorsos mas nem por isso deixa de ser um vil criminoso. Escreveu a Adília Lopes e podia ter escrito eu. A diferença é que a vida seguiu depois do poema, o vil criminoso não sabe fazer senão maldades, as piores e mais cruas maldades e eu vou ter de ser a maior e mais vil (e brava) criminosa, porque há maldades que não se fazem e caminhos que se não se caminham lado a lado terão de ser para sempre apartados.

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Pessoas que são um sumidouro de energia alheia, que sugam a boa vontade, o carinho, a disponibilidade. Que para toda a gente têm sorrisos, palavras doces e simpatias, mas para ti não, mal reconhecem a tua existência. Pessoas que te deixam pendurada à espera de respostas, que não retribuem com um mero aceno de cabeça, para fazer valer o seu silêncio, que mói e machuca. Pessoas que quase parece que fazem um favor em brindar-te com as suas palavras quando não precisam de nada, mas que não se fazem de rogadas em usar e abusar da tua estima para se protegerem das agressões externas (e internas, tantas vezes). Pessoas que colocas num pedestal na tua vida, no teu coração, mas que ignoram se estás bem e nem se dão ao trabalho de perguntar. Pessoas que se esquecem do teu aniversário ou das coisas realmente importantes para ti (porque tu não és assim tão importante). Pessoas que passam por ti e olham para o outro lado. Pessoas que fazem mil planos e promessas contigo, mas que nunca têm tempo ou oportunidade ou vontade de  concretizar nada. Pessoas que mostram o quão insignificante és a cada oportunidade que surge. Que não querem saber de ti. As mesmas pessoas que te dizem que és tão importante, que és fenomenal, que não querem nem sabem viver sem ti, que te rasgam elogios que te derretem, mas que jamais dirão um décimo de tudo isso em público e que te mostram exactamente o oposto, dia após dia. Pessoas que fazem de ti suas muletas mas sabem que têm o poder para dispor do teu humor, que abusam da desproporcionalidade para se sentirem lá no topo do buraco de onde as resgatas tantas vezes. Pessoas que viram todos os argumentos para te deixarem o ónus nas mãos, que chegam efectivamente ao ridículo de te dizerem que se gostas  delas é problema teu, que dizem que fariam tudo por ti e no momento da verdade nem vê-los. Pessoas que sabem que te querem por perto, mas não sabem porquê. Que dizem que te estimam e que te respeitam e gostam "muito muito" de ti, mas afinal onde cabes tu cabem tantas outras um degrauzinho acima e se um dia ousas exigir retribuição te viram costas porque estás a pressionar e a ser exigente e podes bem morrer que se lhes dá igual. Pessoas que não sabem o que querem, só sabem que é "algo entre o tudo e o nada" e não têm urgência nenhuma em chegar a alguma  conclusão porque te têm ali de reserva, na prateleira dos planos B ou C ou Z, com a etiqueta "usar para remendar o ego". Pessoas que usam a tua casa, o teu dinheiro, a tua vida, o teu coração como hotel, instalam-se como se pertencessem ali, aproveitam todos os benefícios incluídos, mas saem de repente sem dar uma explicação, sem entregarem as chaves, deixam tudo revolto e sujo para tu começares de novo e varreres os cacos. Pessoas que te custa a assumir, mas que te usam. Pessoas que te arrumam bem lá no fundo do baú das memórias, juntamente com as partes da vida que querem deixar para  trás e que nem se dignam a espreitar quando retornam de visita. Pessoas que nem sabem o teu nome quando te beijam às escuras. Pessoas que só te beijam às escuras ou dentro de quatro paredes e têm vergonha de ser vistas contigo em público. 

[Não serei actriz secundária da minha vida. Não me colocarei em segundo lugar nunca mais.] 

 

Pessoas acima identificadas, hoje digo-vos apenas isto: estimo que se fodam!

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A simplicidade do som da chuva a cair ritmada no quintal para dizer "bom dia" diz mais do que mil textos, promessas, planos idílicos para que nunca se mexeu uma palha que os fizesse concretizar. Só um sorriso e um cão. Assim, simples, honesto, como quem abre escancarada a janela de casa para que possas espreitar, entrar pela porta se quiseres. Sem mentiras, subterfúgios, juras ou desvios.

É, as relações humanas deviam ser menos idealizadas e mais analisadas sob a luz do materialismo. Sobretudo, simplificadas. Triadas sob o jugo fácil de quem nos faz bem, ou não.

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Costumava usar a saudade como uma pauta objectiva de avaliação sentimental, mas até isso questiono. Sinto muito a tua falta, mas não é saudade o que sinto. Onde estava alguma coisa cheia, por vezes invasiva, que ocupava tudo em redor, hoje não está, mas está tudo bem.

Descobri que onde te tinha a ti cabem outros universos, porventura mais bonitos, mais interessantes, mais honestos, mais descomplicados. Reparei que o medo que me travava as aproximações destes outros mundos tinha o teu nome, e quando o soube fiz jus à pessoa destemida que me orgulho de ser e mergulhei, em apneia e a toda a velocidade. Foi o melhor que podia ter feito, estou (mais) feliz. Descobri que outros lábios são mais ternos, que no tempo que açambarcavas, de dia e de noite, cabem aventuras, cabem ligações de aço, cabem descobertas com cheiro a maresia, cabem planos e lições e labirintos. Descobri que outros olhos vêem em mim o que me espantou que tivesses visto, desbravei caminhos que me eram alheios e insuspeitos. Como todas as viagens, esta mudou-me, organizou muitas coisas num caos delicioso. 

Tendo dado luz verde para retomarmos o melhor que tínhamos, continuo a auscultar o teu silêncio, com capa dura de indiferença, que já deixou de me magoar. Serás sempre muito importante para mim, hei-de gostar estupidamente de ti para sempre, só já esgotaste as hipóteses de ser o centro de alguma coisa na minha vida. É preciso dizer que falhaste miseravelmente enquanto amigo. Eu disse-te há meses que ia ser exactamente assim, porque só podia ser assim.

Quando voltarmos a encontrar-nos, quem conhecias já estará longe. Espero encontrar também outro de ti, mais maduro e seguro, de quem venha a poder ter saudades. 💙

#dia 5

 

Pus um pé na água, para ter certeza de que ainda molha, e a água estava fria, mais fria do que antecipei. Não sei se levo a mal ou se agradeço. Não sei se percebeste bem ou bem demais, ou se te encomendaram a distância.
Reparei que arranjei um destinatário substituto da verborreia e tornei a constatar o que a Sinéad já sabia, mas a diferença está mais do meu lado do que no outro. Respirei fundo uma mão cheia de vezes mas mantive os olhos secos. 

 

Sinéad O'Connor - Nothing Compares 2U

It's been seven hours and fifteen days Since you took your love away I go out every night and sleep all day Since you took your love away Since you been gone I can do whatever I want I can see whomever I choose I can eat my dinner in a fancy restaurant But nothing I said nothing can take away these blues 'Cause nothing compares Nothing compares to you It's been so lonely without you here Like a bird without a song Nothing can stop these lonely tears from falling Tell me baby where did I go wrong I could put my arms around every boy I see But they'd only remind me of you I went to the doctor and guess what he told me? Guess what he told me? He said girl you better try to have fun No matter what you do, but he's a fool 'Cause nothing compares Nothing compares to you All the flowers that you planted mama In the back yard All died when you went away I know that living with you baby was sometimes hard But I'm willing to give it another try 'Cause nothing compares Nothing compares to you Nothing compares Nothing compares to you Nothing compares Nothing compares to you

 

#dia 1

Foi a olhar para o pinheiro do lado de fora de uma janela que não era a minha, numa cama que não era a minha que os conselhos desapareceram e ouvi só a voz da consciência, que há tanto me dizia o mesmo que as vozes em uníssono no coro regado a álcool. Decidi. Fixei prazos e metas. Suspirei. Tive vontade de me afundar num outro corpo sedento à procura do desejo que não encontrei em ti. Decidi escrever e não te escrevi uma palavra.

 

#dia 2

Silêncios que estranhas, que vou convertendo em palavras e frases que não são inéditas. Tento começar pelo fim, para não perder o rumo. Suspiro e arrumo coisas nas gavetas, na cabeça também. Reparo que tenho mais tempo livre quando não estás. Escrevo em chorrilho. Abro e fecho o mesmo documento mil vezes. Hesito. Tenho raiva. Odeio que perguntes por mim.

 

#dia 3

Reparo que é só a saudade que me desata as lágrimas. São ribeiros encharcados de saudade. Ultimo os escritos, apago farpas. Tenho saudades de te abraçar, de te falar, de me rir dos disparates e de te beliscar o ego. Mergulho em músicas que contrariam o meu estado de espírito para não fraquejar. Fraquejo, repenso tudo, equaciono tudo. Respiro fundo e avanço. Aceitas com a leveza que te admiro e ressinto. Pondero fazer uma lista de coisas que terei para te contar quando regressar. Aceito que serei sempre ridícula. Adormeço a chorar.

 

#dia 4

Ainda respiro, com alguma surpresa. Tenho amigos maravilhosos. O mundo segue lá fora e o dia será bom. Tenho orgulho de ter feito algo só por mim, movida a egoísmo. A música ainda ajuda e o chocolate não atrapalha.

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Amizade é a gratidão e o espanto de ter outra pessoa a querer saber de ti, a gostar de ti, a devolver-te a admiração que tens por ela. Um amigo aceita-te com toda a bagagem que tragas e ajuda a arrumá-la ou a deitá-la fora para te tornar o caminho mais suave. 

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De cada vez que brigamos, ou melhor, que andamos às turras, saio sem perceber se te perdi mais um pouco ou se me dei demais novamente. Quanto mais dou de mim, mais te perco, parece-me. Exigirias de mim, se pudesses, que estivesse sempre presente sem estar inteira, com o coração aberto para não te resfriar. De ti só exijo o que sempre repito, a verdade e respeito. Queres que me passe tudo o que tenho entalado, sem teres ainda percebido que tu não vais passar, tu não podes passar, tu estás-me atravessado na goela, por mastigar, a seco. Bebo mais um copo à procura da solução, mas todas as equações têm o teu nome na incógnita, a tua pele, os teus segredos, tu és a constante incontornável de todas as conversas que ficam por ter, com as palavras todas a nú, erectas e festivaleiras.

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Onde eu estiver, estarás tu. Aonde eu for, tu irás comigo. Nos silêncios e nas verborreias, que nada fique por dizer. Saber que tu existes alargou o meu mundo, ampliou o meu coração e multiplicou o meu amor. Meu Amigo, irmão, camarada, amante. És espantoso, sim, e eu adoro-te, sim.

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2017 foi um ano bom. Do caraças, mesmo. Insólito, como são sempre os melhores anos.

Apaixonei-me. Fiz Amigos para a vida toda, ou enquanto me queiram. Descobri coisas insuspeitas sobre mim própria, que me fizeram mudar uma série de paradigmas e desafiar-me a mim e ao que me rodeia. Tive uma série de problemas novos, é certo, mas o balanço final é que as coisas boas, que são quase sempre pessoas, multiplicam-se se deixarmos. Vi sororidade brotar de desertos improváveis, aprendi que o que eu quero pode e deve ser tão importante como o que os outros querem, arrisquei quase tudo e assumi o que queria e quero. Não perdi, mas também não ganhei e por isso não desisti. Descobri que há outros bichos raros como eu por aí (o que é um pouco assustador). Abri-me e pus a alma a nú perante desconhecidos. Cortei alguns laços que eram lassos. Perdi vergonhas. Por breves instantes, senti-me realmente especial e capaz de mudar o mundo. Fui à luta e a Luta continua.

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Na internet, entenda-se. Há algum tempo atrás, eu era uma autêntica carmelita das redes sociais - só aceitava ligações de algumas pessoas conhecidas e mesmo estas só tinham permissões para aceder ao quase nada que disponibilizava. O anonimato no mundo dos blogs era absolutamente sagrado e apesar de ser utilizadora de um ou outro dating site/app, deixava quase tudo por revelar. Destes pontos ainda não abri mão nem sequer ponderei o assunto, até porque o anonimato me permite liberdades que de outra forma não poderia recuperar.

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Há uns anos, vieram insólitas histórias de amor, desamor e amizade e deixei de ser tão picuinhas. Ocasionalmente, passei a aceitar pedidos de ligação de pessoas que não conhecia mas tinham amigos e interesses em comum comigo, ou no caso de redes profissionais, interesses próximos. O conceito foi-se tornando cada vez mais flexível, passei a aceitar literalmente toda a gente no Linkedin (surgiram ali propostas de emprego deveras interessantes, sem outra indicação além da própria rede e mudei de emprego graças a uma destas ocasiões).

No meu Facebook pessoal (não o do blogue), que cheguei a desdenhar e estava mesmo quase a desactivar a conta, mudei o paradigma. Utilizo sobretudo para ter acesso a informação e divulgação dos temas que me interessam (com ênfase na vertente política), faço parte de alguns grupos internacionais de apoio e partilha de experiências (que são francamente úteis para receber e dar apoio a pessoas que tenham gostos/necessidades/situações semelhantes), para debater ideias e para descontrair um bocado com amigos - virtuais e não só - em qualquer canto do mundo.

Continuo a ser muito ciosa da minha privacidade e a ter comportamentos que porventura pecam por excesso de zelo: partilho muito poucos dados pessoais (nem o nome completo agora consta), muito menos locais de trabalho e localização, só partilho fotografias e outras informações mais sensíveis com grupos mais restritos, faço muito uso das listas de amigos para mais facilmente regular as definições de privacidade. Contudo, em termos de relacionamentos percebi que há pessoas que têm mesmo, inevitavelmente, de se encontrar. Não acredito, de todo, no destino, mas acredito nas leis das probabilidades. Seja mais cedo ou mais tarde, é incontornável que algumas pessoas um dia se aproximem, por tantos paralelismos ideológicos, políticos, artísticos e mesmo geográficos partilharem. Sobretudo quando se faz parte dos chamados "grupos marginais", minoritários, de contra-culturas. Estranho seria que pessoas que partilham tanto e num espaço relativamente pequeno passassem a vida toda sem se cruzar, ou que, cruzando-se nos mesmos sítios e eventos, deixassem de se partilhar umas com as outras por timidez ou falta de oportunidades.

Tendo tido experiências particularmente positivas ao longo – sobretudo – deste ano, em que alguns amigos virtuais passaram para o tridimensional e em grande, porque são pessoas mesmo porreiras, com quem me identifico muitíssimo e com quem me sinto desde sempre tão estranhamente confortável e à vontade para ter as conversas mais íntimas e profundas (acreditem que para mim que sou bicho-do-mato é mesmo muito raro isto acontecer), e outros que ainda não passaram para as três dimensões mas que já sabemos que há uma ligação muito forte e até bonita (hoje estou uma lamechas), concluo que em vez de adiar o que é inevitável e tão positivo teremos todos mais a ganhar com uma abertura mais descontraída de algumas portas. Assim sendo, nas redes sociais (sobretudo Facebook e Instagram) passei a ser uma verdadeira libertina. Aceito pedidos de amizade de quase toda a gente, faço pedidos de ligação a desconhecidos amiúde, tenho conversas e debates interessantes com malta que nunca vi e tenho aprendido coisas engraçadas sobre a natureza humana e muito mais.

No fundo, finalmente digo em relação às redes sociais aquilo que já digo há muito tempo em relação ao "online dating". Não há nenhum particular perigo à espreita se toda a gente estiver informada e essencialmente, a internet é apenas mais um sítio para as pessoas se encontrarem, é mais uma forma de estabelecer privacidades e empatias. É aproveitá-las. :)

Descobri mais ou menos por acaso que, pelo menos para iOS, o Facebook tem uma nova (?) função, que me parece muito útil.

Se forem pessoas particularmente sensíveis ou de pavio curto como eu, sabem que às vezes, a bem da manutenção da paz, de uma relação de amizade, da camaradagem entre colegas, da cordialidade para com conhecidos, da boa vizinhança, ou mesmo, in extremis, a bem de não ir parar à cadeia, o melhor a fazer é "dar um tempo". Fazer uma pausa, respirar fundo para poupar os nervos, distanciar um bocadinho para que as coisas que agastam a relação não toldem aquilo que se quer preservar. Não se quer cortar relações com a pessoa nem ficar completamente alheio à sua presença, mas demasiada interacção ou um excesso de emotividade pode fazer disparar algumas reacções exacerbadas e com um potencial destruidor irreversível.

O  Facebook simplifica a tarefa com a opção "Take a Break", que surge logo abaixo do "Unfriend" ("Remover Amizade"). Não é mais do que um atalho que permite a edição de várias opções: ver menos publicações daquele amigo, limitar as nossas publicações que o amigo pode ver e editar as opções de partilha para os posts antigos. Mais importante, serve de alternativa apaziguadora quando já vamos lançados para clicar no "Unfriend", enfurecidos, fartinhos até aos cabelos da palermice de um 'amigo'. 

Não faço ideia se esta funcionalidade é nova, mas para mim é novidade e por acaso veio mesmo a calhar. Também não sei se está disponível em todas as plataformas (nos telemóveis em que experimentei, iOS tem, Android não, e no PC também não encontrei). [Se houver por aí entendidos na matéria que queiram partilhar a sua sabedoria e esclarecer as dúvidas do povo, é favor botar faladura ali em baixo na caixa de comentários.]

O que sei é que isto dava um jeitaço também na vida real! Eu iria ser uma utilizadora intensiva, seguramente, pelo menos em ambiente laboral. De cada vez que sou interrompida pelos suspiros e intervenções racistas da chefe, pelas mil perguntas e relatos infindos da colega do lado, pelo karaoke da colega de trás (a acompanhar um rádio despertador que todos temos de gramar), tenho de fazer um esforço hercúleo para não ter um ataque de raiva e começar a bater em toda a gente, ou agrafar-lhes a boca - só porque não me dava jeito nenhum ser despedida neste momento.

Enquanto o teletrabalho continuar a ser a excepção em vez da regra e os meus colegas de trabalho continuarem sem ter a menor noção do que é o respeito pelo tempo e espaço dos outros, tentarei passar a aplicar algumas restrições de privacidade em 3D: não dar conversa, colocar os 'fones' nos ouvidos para me mostrar menos disponível e praticar muito a capacidade de abstracção.

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[Publicado originalmente a 13.07.2010.  E mantenho cada palavra.]

 

 

Hoje vou citar. E vou citar aos bochechos, que muito há para dizer. E quem vou citar? O Edson Athayde, no ionline. Ora vamos:

Fazer amigos, manter amigos, perder amigos. A vida, para mim, é isso. Tudo mais é complemento, é consequência, é redundância.

 

Não sou tão extremista. Há mais na vida para além dos amigos e, pese embora deva ser uma vida incomparavelmente triste e pobre, há quem não tenha amigo algum (acreditem, há) e tenha uma vida, lhe confira significado e talvez até tenha interesse. E há que separar o trigo do joio. Hesito em chamar amigo a pessoas que conheço, até com profundidade, se não as gosto. Outras há que, conhecendo em menor extensão, confio sem second thoughts, de natural que é. Daquelas coisas que não se explicam com muita lógica, mas que se sentem sem dúvida.

 

Fazer amigos: o mais difícil, com o passar do tempo. Quando miúdos, só são necessários uns interesses em comum. Entre os rapazes a coisa é ainda mais simples: basta ser adepto da mesma equipa, gostar do mesmo sabor de gelado, demonstrar alguma habilidade no Subbuteo, ter uma certa fixação pelos seios da professora Sónia. E assim começa uma longa amizade. Depois de cruzarmos o cabo da boa esperança dos 30 anos aparecem as complicações. Mais ninguém que nos aparece é assim tão confiável. Fazemos colegas de trabalho, companheiros de futebol, cúmplices de bares, mas amigos novos é coisa que vai rareando.

 

Na infância, os conceitos de lealdade e confiança são menos permeáveis às nuances das realidades que a vida adulta impõe. E talvez por isso mesmo, quer-me parecer que sempre coloquei as fasquias demasiado elevadas, e cada vez mais com o passar dos anos. No entanto, a vida te-me reservado boas surpresas (ao menos) neste campo. Não guardo amigos de infância. Alguns da adolescência, mas devo dizer que as pessoas excepcionais que fazem ou fizeram parte do meu círculo de Amigos, encontrei-as em grande parte em idade adulta. A comunicação vai muito para além do corriqueiro e toca sensibilidades que não estão expostas aos 15 anos. A frontalidade, o despretenciosismo de se dizer o que se pensa sem querer impressionar ninguém, ajuda imenso a conhecer as pessoas com quem se interage. E por vezes bastam meia dúzia de frases, uma empatia inicial que abre caminho a gargalhadas ou a reflexões. Falo por mim, que tomo consciência de que tenho feito novos amigos, de quem gosto genuinamente e a quem abro a alma sem reservas. As duas moças do curso de escrita, de quem sinto falta das cumplicidades. O pescador gótico com um sentido de humildade que me tocou. A ex-chefe a quem arregalava os olhos e não poupava críticas, de onde nasceram laços profundos. A velha colega de curso que de repente se revelou em palavras à distância. A amiga de amigos com quem estive em duas ocasiões apenas e me lê mais pensamentos do que os que partilho. O dentista que passei a tratar por tu por entre estórias de vida. A colega de trabalho com quem podia conversar dias a fio. É preciso não ter medo. Medo de ser quem somos, de assumir os nossos sonhos e as nossas falhas. Dar um pouco de nós aos outros não nos torna frágeis nem susceptíveis. Torna-nos mais ricos. Dar um sorriso que seja, não custa nada e pode alegrar o dia de alguém. Mais, pode convidar a entrar na nossa vida pessoas que, só por existirem, fazem da vida um sítio melhor.


Manter amigos: dependendo de com quem é pode ser uma missão simples. A amizade permite-nos um sem-número de erros, vacilos, pequenas maldades, desconsiderações. A amizade pressupõe uma quantidade hiperbólica de perdões. Claro, há sempre um limite. Mas não há amigos perfeitos, porque não há pessoas perfeitas. E o que seria da amizade sem a misericórdia, sem a compreensão? Aos amigos, tudo. Aos inimigos, o justo.

 

Não há amigos perfeitos, nem pessoas perfeitas. Dos grandes amigos espera-se demasiado, porque são aqueles que admiramos, que prezamos. As pequenas falhas magoam demais e podem tornar-se desilusões. As mesmas que causamos nos outros. Não há regra nem receita para o sucesso. Bom senso e compreensão costumam ajudar. Ver o lado do outro, walk a mile in their shoes. Perguntar "porque fizeste isto?" antes de julgar. E perceber que se a amizade não vale o suficiente para engolir o orgulho e perdoar, então não é amizade, é conveniência.

 

Perder amigos: costuma ser uma tristeza pior que a morte. Quando o que morre é a amizade e não o amigo, o fantasma do que antes era belo assombra e assusta. Quer pior coisa que um ex-amigo? O ressentimento é o cancro das emoções.

 

Não o diria melhor. Tristeza pior que a morte. Sei bem o que é perder um amigo, a pouca importância que têm as culpas e as razões perto do vazio que se instala no peito. Coloca-se tudo em causa: a importância que se teve para o outro, as palavras ditas, a confiança quebrada. Permanece, sobretudo, o sentimento de injustiça. Como pode alguém a quem quero tão bem descartar-me como se lhe fosse incómodo ou nefasto? A amizade valia tão pouco que foi trocada por isto?

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Fazer amigos, manter amigos, perder amigos. Repito, repito, repito. Penso e repenso nisso ao reparar nas mais de 6500 almas que me adicionaram como “friend” no Facebook. O que devo fazer para não decepcionar essas pessoas que não conheço? Como posso tornar sustentáveis milhares de relações virtuais sem (com isso e para isso) descuidar das pessoas de carne e osso que teimam em ter-me como amigo?
Há muitas respostas para essas perguntas. Mas não gosto de estabelecer regras nem professar ciências. Só queria alertar para que vale a pena pensar no assunto. Conheço gente que, desde que começou a facebookear, passou a tratar com descaso as pessoas reais das suas vidas. Eu mesmo apanho-me de vez em quando enciumado com amigos que postam nas suas páginas coisas que, teoricamente, só os mais íntimos deveriam saber. Se calhar é coisa minha (minha idade emocional não vai muito além dos cinco anos). Mas recomendo atenção. Amigos, amigos, Facebook a parte.
Ou como diria o meu Tio Olavo: “Amigo é alguém que, ao nos conhecer de verdade, não sai a correr.” 

 

Amigo é quem me conhece e, ainda assim, gosta de mim. Digo eu, que nunca privei com o Sr. Olavo. Não vejo porque separar os amigos "reais" do facebook. O facebook (e quem  diz facebook diz qualquer rede social) pode (e deve) conter apenas laços reais, cujo suporte se prolonga no mundo virtual. Longe das advertências do Edson, eu sou apologista incondicional das vantagens emocionais do facebook. Cuide-se da privacidade com bom senso (sempre) - e há ferramentas para isso, e as amizades não têm porque não sair fortalecidas. Claro que não é caso para trocar o convívio pessoal com o virtual. Mas, é inevitável, uma boa parte dos amigos e conhecidos não estão sempre por perto. Há uma boa porção de pessoas que as circunstâncias da vida afastam do dia-a-dia e que nas redes sociais não têm de estar afastadas. Convenhamos, quem vai telefonar ou enviar um e-mail àquele velho colega que está há dois anos emigrado e com quem não se manteve contacto regular só para dizer "olá" ou "ontem li uma notícia que me fez pensar em ti"? E porquê criar anticorpos à tecnologia, se esta, bem utilizada, não só não se substitui aos laços 'reais' como pode mesmo estreitar laços em que, de outra forma, não se investiria o suficiente?...