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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Para que saibas, estou óptima. Mil vezes melhor do que quando estávamos juntos. Olha para mim, reconheces-me?! Olha para a minha pele fantástica, tão bem que me fica esta maquilhagem. Repara no brilho do meu cabelo, e no meu sorriso que nunca foi tão branco e direitinho. Nunca me viste sem aparelho. Os medicamentos estão a resultar e já quase não tenho dores. As drogas que me incharam também já acabaram, dentro de meses vou voltar ao peso com que me conheceste, vais ver. Vais ver-me passar à tua porta de sorriso em riste e vais ficar de queixo caído a pensar "Quem é aquele avião?", vais deixar o cigarro queimar-te os dedos de estupefacção.

 

Estou óptima. Passei o sábado inteirinho sem derramar uma lágrima, nem uma. Na minha casa está tudo nos seus lugares, como se nunca tivesses passado pela minha vida. A mala de viagem que me emprestaste para a mudança está na arrecadação, à espera que a venhas buscar. O perfume que me ofereceste está escondido e nunca mais o usei.

 

Estou fantástica. Aposto que de cada vez que bebes para esquecer acabas a chorar e a pensar em mim, nos erros todos que cometeste. Aposto que vais sempre, a vida toda, lembrar-te do que me disseste no último dia: que estás bem ciente de que nunca ninguém te vai amar como eu te amei, e que vais sempre, a vida toda, lembrar-te que nunca vais amar ninguém como me amaste a mim. Espero que te arrependas amargamente cada dia da tua vida do mal que me fizeste, como eu nunca me vou arrepender de nunca ter desistido de ti, de ter dado tudo e feito tudo pela promessa que tínhamos.

 

Mas não te preocupes, eu estou óptima. Não precisas de andar a verificar o obituário, não vou atirar-me de lado nenhum por não te ter. Não sou do género de fugir às dores, se me conhecesses saberias isso. Como é que pudeste acreditar que eu tinha mesmo encontrado outra pessoa passado um mês?! Um mês, Hugo... Isso é o que tu fazes, é a tua forma de lidar com a minha ausência, procurar outro colo, que sabes que não vai resultar em mais nada, que sabes que nunca se vai comparar ao nosso amor. Não sou eu. Se me conhecesses, saberias. Se me conhecesses, ou não te terias apaixonado por mim ou nunca terias desistido sem antes tentar de tudo.

 

Sonhei outra vez contigo, naquela forma de assombração que consigo sentir e cheirar. Abraçaste-me e beijaste-me o pescoço enquanto pedias desculpa, mas eu sabia que era um sonho e só disse "vai-te embora". Apertavas-me com mais força e começaste a chorar, mas desta vez não foi suficiente. Nem sonhos, nem mentiras, por muito que queira acreditar, já não servem. Tornei-me cínica, desprezo o amor, desisti de tudo e a culpa é inteiramente tua. Mas eu estou óptima. Mil vezes melhor do que quando estávamos juntos. No sábado não chorei uma única vez, já te disse?

Eu queria dar um pai destes, o melhor, aos meus filhos. Sabendo que há pais assim, qualquer um nunca poderia servir. E durante algum tempo acreditei mesmo que o tinha encontrado. A sério. Apesar de tudo. Talvez parte do que me fez gostar taaanto de ti dele (diz que não faz sentido falar na segunda pessoa para fantasmas) foi o quanto ele me lembrava o meu pai, ideal aos meus olhos. Tem a mesma altura, a mesma profissão, a mesma força armada, no mesmo sítio, as mesmas funções, a mesma política, a mesma sensibilidade poética, até o mesmo detestável vício (o tal que eu consegui afugentar num e ia conseguir no outro).

 

Quando ele me falava em termos filhos, pela primeira vez numa vida inteira não me pareceu descabido, nem uma consequência de, entre muitas outras coisas, uma convenção social. Não me parecia irreal nem um lugar-comum. Parecia-me, mais do que natural, que só podia ser fantástico. Que filhos nossos seriam mesmo, passo o cliché, fruto dum amor tão mágico que só podia resultar numa família linda e feliz. Apesar de tudo. Quando os olhos dele brilhavam ao falar nos "bebés" (assim mesmo no plural), quando fazíamos planos para o "quarto do menino", eu sorria. Já não franzia o sobrolho nem fugia ao assunto, dizia que gostava mesmo era de ter gémeos e era tão fácil visualizar. Via-lhes as carinhas sorridentes, entre os livros com o pai, a conhecer os bichos com a mãe. Quando estava com ele já olhava para as crianças de forma serena, quase a permitir que o instinto maternal baixasse finalmente em mim.

 

E naqueles momentos, em que os sonhos eram planos, as dificuldades eram pequenos nadas que se iam dissipar, com toda a certeza que só tem quem ama. Apesar de tudo.

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Consegui contigo, como nunca antes tinha conseguido, visualizar o futuro das imagens que me plantaste. Nós dois a correr mundo de mãos dadas e sorrisos ao alto, a chegada dos bebés que tanto me pedias, os nossos abraços cada vez mais estreitos, os sorrisos cada vez mais cúmplices, envelhecermos juntos no campo, na quietude que tanta falta nos faz. Visualizei netos a ouvirem embevecidos a nossa história, a mais linda de todas, passeios de bicicleta com aquele perfume do nosso rio, milhares de disparos de obturador a perpetuar o que foi nosso desde sempre, os passos gigantes nas promessas que nos fizémos.


Vi claramente todas as imagens.


E acreditei que seria assim. Tu fizeste-me acreditar. Tinhas a certeza, repetias. Era o nosso destino, que escolhemos de entre todos por ser o mais bonito, o mais certo, o único feito de luz.


 





Se já nem na minha cabeça podia confiar, se o nosso filme foi cortado e a bobine quebrou, que mais podia eu fazer?


No, you weren't for real. You should have told me.

My bluebird has broken wings, refuses to fly.


The wind is heavy and moist and lays with sorrow over the grass.


The wind also gets tired of holding wingless birds up in the air.


And as the bird is diving into an endless fall, the lonely wind fades and ends it all.


 


Este momento. Paz, Amor, Saúde, Amigos. O resto pouco importa. Tenho tudo. Tenho alegria dentro de mim, tenho as mais maravilhosas pessoas do mundo na minha vida, tenho a sorte de ter uma família para lá de impecável, tenho um Amor capaz de vencer tudo.


Se melhorar, estraga.


Se tenho maleitas, tenho. Coisas a melhorar, tantas. Sonhos por cumprir: imensos. Algumas mágoas fundas, cicatrizes e dores, cansaço extremo. Um emprego que me subestima e pouco paga, e injustiças pelo mundo fora, e a crise que aperta, e os tostões cada vez são menos, e muitos problemas que não são para aqui chamados. Não interessa. são pormenores, coisas secundárias. Mesmo assim, estou FELIZ. E não me lembro de alguma vez ter sido feliz assim.


 


Por isso, com vossa licença, vou ali curtir o momento. :)


 


 



 


 

A menina gosta de bilhetinhos pela casa, de mimos surpresa e doçuras que tais.


A menina escangalhou-se a rir quando encontrou este. E vai retribuir na mesma moeda.