Sabia-te de cor sem te saber o nome; vi-te na primeira frase além da capa que ergues como escudo, na escuridão diária que vais despindo para mim e és só tu, animal anónimo, todo do desejo e da solidão. Um beijo velado pelo silêncio de paredes caiadas vai sendo desatado, abraços longínquos sempre presentes amarram-me a cada promessa que te afasta e a luz assegura-me que um dia te trará aonde pertences, aqui.
Sinto que me repito quando digo que os génios são imortais. E que génio, senhores!...
A não perder, mesmo, a excepcional entrevista que a Anabela Mota Ribeiro fez em 2004 a Júlio Pomar e que hoje republica.
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Raramente me recordo dos sonhos que tenho, mas recordo-me de breves instantes dum, ocorrido há mais de quinze anos. Estava presa nesta gravura de Escher. Subia e descia escadas, apressada, e não chegava a lado algum. Estava aflita, desencontrada de alguém, sem cima nem baixo nem certo nem errado, mas sempre distante de onde queria estar. [Pensando bem, se calhar ainda vivo presa nesta gravura sem me dar conta...]
Outra vez, sim. Eu adoro a obra da Paula Rego! Ou não fosse uma fervorosa devota do surrealismo e expressionismo (além do impressionismo, que me enche as medidas e admiro profundamente quer em termos estéticos, quer na técnica e na essência artística que comunica), movimentos que me tocam de um modo muito especial e me transportam para planos alternativos da realidade, em que tudo é mais forte, mais belo ou mais fatal.
[Qualquer dia tiro um curso de História da Arte só porque sim, porque ainda não explorei devidamente esta paixão que tem tanto poder em mim. Eu sou a palerma que se emociona nos museus e que tem epifanias sobre a vida, a liberdade e o amor em frente a quadros de water lillies e de beijos.]
Para quem tiver possibilidade de visitar, há uma pequena exposição, "O Mundo Fantástico de Paula Rego", de entrada gratuita, a decorrer no Centro Comercial Colombo (Lisboa), em parceria com a Casa das Histórias Paula Rego, até 27 de Setembro. São litografias, gravuras e pinturas, unidas pelo facto de terem sido inspiradas pelo fantástico, em obras literárias ou histórias pessoais.
As narrativas que a Paula Rego constrói a partir de um mundo fantástico e grotesco que lhe domina a mente são - a Paula Rego é - absolutamente genial.
Aproitem ainda para ver, quando vos for possível, o filme "Paula Rego, Histórias e Segredos", do seu filho Nick Willing. Passou há umas semanas na RTP.
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Não é demais repetir até à exaustão porque há muito mais para dizer, para viver, ouvir e sentir.
É oficial, estou apaixonada pelo Salvador Sobral. Pela voz, firme e cristalina, pela alma, pelo ritmo, pela simplicidade, pela espontaneidade, pela postura perante a exposição mediática, pela rejeição do aproveitamento da doença, pela brutal honestidade, pela graça do seu jeito despreocupado. Pela imensidão do talento concentrado num só ser humano. Arrebatador.
O Salvador é um dos grandes, dos maiores, dos fora de série. Todo ele música, todo ele sentimento. Tão bom que chega a ser dramático, doloroso até. De ir às lágrimas, literalmente. "Voz de anjo", dizem. Coração de anjo, digo eu. Frágil, sofrido, leve, e com a força de uma trovoada. Não deixa ninguém indiferente, ama-se ou odeia-se. Só com a voz e a capacidade de reinventar cada canção em cada actuação, simples ou gutural, nada nesta criatura é normal, medíocre ou morno. Tudo é beleza pura.
(Posso ser parcial, e sou, que quando gosto sou exagerada, tudo-ou-nada kind of love, mas para mim o Salvador está hoje ombro a ombro, mano a mano, com o Benjamin Clementine. Acima deles, de entre os vivos, só o Mestre Jorge Palma, único e inigualável e para sempre o melhor do mundo.)
Não me canso de ouvir o disco (Excuse Me), não me canso de repetir o maravilhoso concerto a que tivémos o privilégio de assistir ao vivo, no Fórum Municipal do Seixal, e que passou na madrugada de sábado passado na RTP 1. Com a agravante de toda a febre da Eurovisão estar ao rubro, com uma enorme expectativa e mediatismo em torno da canção portuguesa, sorvo os vídeos dos ensaios, das entrevistas e das opiniões. E isto tem de ser dito com ênfase na real distância que me separa de todo o fenómeno eurovisivo. Eu, que já fui daquelas pessoas para quem o Festival da Canção era um "happening" musical todos os anos e que até já estive para compôr uma canção com uns amigos para participar (há 7 ou 8 anos), nos últimos tempos tenho ignorado o evento e, lamento constatar, apenas como consequência da pobre qualidade das canções escolhidas. Portanto, para deixar bem claro: que eu acorde com o Nada que esperar ou o Change a tocar dentro da cabeça é mérito integral do génio do Salvador Sobral; e é perturbador e é uma explosão de alegria.
Em dia de semifinal lá na Eurovisão, não deixa de ser curioso observar alguns fenómenos tão "tugas" - dos tugas que vivem de redes sociais, de CM TV, que se exaltam com as vitórias e derrotas futebolísticas, os que acham que Fátima é um lugar sagrado que serve para fazer e pagar promessas, e a volatilidade das suas marés. Como as pessoas passam de bestas a bestiais num sopro!... Os que torceram o nariz à canção "Amar pelos dois", seja por não percebem um caracol de música ou por acharem que a canção não é "festivaleira" o suficiente, parece que agora andam ansiosos e em vias de mudar de opinião porque a canção que representa Portugal na Eurovisão está bem cotada e tudo parece indicar que vai ter um bom desempenho em termos de classificação. Passeando um pouco pelo YouTube é fácil de perceber a quantidade de gente, de todas as nacionalidades, arrebatada pela canção e pela interpretação. Não é para menos, a canção é realmente perfeita. Per-fei-ta.
Mas nada disso interessa, o resultado da Eurovisão pode ser o que for, que já ganhámos. O Salvador Sobral ganhou projecção internacional e nós todos ganhámos um portento musical. Um dos grandes, dos maiores, dos fora de série.
O xilre é o meu novo blog-fetiche (adoro esta expressão, uma blogger que muito estimo usou-a uma vez com um dos meus blogs antigos e nunca mais me saiu da ideia). Adoro os textos em que se invade a privacidade de gigantes da pintura e literatura e os devaneios que exalam aquele inexplicável conceito de poesia.
[Aqui entre nós, a pintura é a minha paixão invejosa, ou o mais próximo da inveja que consigo sentir. Delicio-me com ela e detesto ter consciência de que nunca nesta vida saberei concretizá-la com a mestria dos que admiro. Ou sequer rodear-me da sua poesia (lá está) sólida e visível. Mas tenho um Klimt no quarto e um Monet na sala. A óleo, made in China, mas quase tão bonitos como se fossem originais.]
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o melhor de todos os escritores, de todo o sempre, para mim. Porquê?
Porque escreve com a intimidade de quem conta uma estória no sofá, enquanto beberica um chá morno, porque se demora em particularidades deliciosas, porque constata o óbvio que de tão óbvio e comum se teria tornado inominável para outros escritores. Porque cada sílaba tem uma sensibilidade amável, quase condescendente, de quem estudou a humanidade por dentro e foi ao âmago das questões. Porque tem um sentido de humor absolutamente extraordinário, mordaz, surpreendente. Porque esgrime a razão com um sentido de justiça inteligentíssimo e porque tem a imaginação duma criança de oito anos. Porque consegue plantar lágrimas em frases insuspeitas, tão cheias do que é mais puro.
Bendito velhote carrancudo, fazes tanta falta nesta dimensão dos tolos...