Os abraços, os prometidos que nunca senti e os tantos que vou enviando em silêncio, acumulam-se no caixote dos amores impossíveis, negados, aleijados. Não correspondidos. Vou tentando sentir na pele algum calor que me erice os pêlos, a tua presença em que preciso de me embrulhar. Imagino os teus braços a conterem-me por inteiro. Encostar a cabeça ao teu peito e ouvir-te sem dizeres uma palavra. Sentir o teu coração a sossegar, finalmente, na paz do tanto bem que te quero e os teus lábios cheios a declamarem irrealidades só nossas. As minhas mãos exploram as tuas, amam-te a cada centímetro, desfolham os teus segredos indizíveis. És bonito, tão bonito. Repito baixinho que viver nesse teu sorriso bastar-me-ia. É um sonho apenas. Nos sonhos podemos tudo, podemos até repetir os beijos mal ensaiados. Podemos ficar um no outro, podemos só olhar-nos nos olhos, profundezas de oceanos negros por explorar, podemos chorar de felicidade e fazer promessas novas, ilibando as antigas que nos apartam.
De volta à realidade, a tua presença distante não dá tréguas. A vontade que te tenho não se contenta com sonhos sem rédeas, as conversas que temos com as canções que dizem coisas que não podemos dizer não bastam para aplacar os vazios em que só tu poderias caber.
Cumpriria a mesma promessa mesmo sem ter prometido. Não seguirás sozinho jamais nem eu sigo sem ti. Abraça-me.
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Há anos, muito antes de ter aprendido uma lição que custa a aprender, que nem sempre temos a importância para os outros que lhes damos na nossa vida, que nem todas as amizades são recíprocas, fiz um avião de papel com este poema, coloquei-lhe um beijo por companhia e atirei-o sobre o Tejo.
Hoje faz mais sentido do que nos outros dias. Hoje sem avião de papel, só silêncios e nevoeiro sobre a tua serra, frio húmido entranhado nos ossos, omnipresente, a fazer doer como as ausências e a arder como a tristeza. Gosto-te, aqui ao longe, discretamente para não te ofender ou incomodar. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. O meu trilho, não mudo por ninguém, nem mesmo por ele ou por ti. Não me atravesso no caminho de ninguém nem permito que me desviem do meu. E sei que não sei mentir.
POEMA PRIMEIRO
... Gosto-te. E desta certeza se abre a manhã como uma imensa rosa de desejo indestrutível. O futuro é o próximo minuto, para além da infatigável religião dos meus versos, em cuja luz me acendo, feliz e nu. O meu sorriso conhece a bondade dos animais, o poder frágil das corolas, e repete o nome feminino dos arcanjos de peitos redondos, perfumados pelas giestas dos caminhos do céu. Gosto-te. Amarrado pelos meus braços de beduíno do sol, pobre senhor dos desertos, profeta da distância que há dentro das palavras, onde se alongam sombras e o sofrimento se estende até à orla da mais inquieta serenidade. Gosto-te. E tenho sido feliz, por nunca ter seguido os trilhos que me quiseram destinar. Aqui e ali me pergunto, despudoradamente. E sei que não sei mentir. É por isso, que recolho na face a luz imprescindível ao orgulho dos peixes e dos frutos. Gosto-te. Na-na-na, na-ô... Na-na-na, na-ô... na-nô... Canta o espírito do caminho, canta para mim e canta para ti, eleva o coração das grandes árvores, coração de seiva e de coragem, sangue fresco e verde, apaixonado e doce, de tanto contemplar o perfil das tardes. Gosto-te. Mas "longe" é uma palavra húmida, grávida, onde os sinos da erva tocam para convocar as sílabas. E, ao procurar-te, tremo apenas de ternura para que nem mesmo a inteligente brisa da manhã possa dar por mim. Mais discreto que isto é impossível.
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Febril, acordava em sobressalto, suada, ideias em ebulição confusa entre os sonhos carregados a carvão negro e o despertar para a escuridão de realidades que doíam com eco, nódoas negras subcutâneas. As palavras dele passavam em rodapé incessantemente, a comprimirem-lhe o peito como um corpete castrador. Sufoco, sim, por não poderem os olhos e as mãos conversarem em paz, sem risco de mal entendidos sem nexo. Por não conseguir curar, com os beijos milagrosos que sempre prometia, as mazelas antigas que lhe roubaram pedaços. A culpa de provocar culpa num peito culpado que ofendia por estar longe. Ofegava e dava murros no ar, raiva a jorrar de pequenez, de impotência amarga. Fechava os olhos com força e tentava apagar aquelas letras da memória. Sentia-se um ponto de interrogação desnorteado, entre a razão e a angústia, entre o amor que lhe tinha e a raiva de não conseguir ser melhor. A música que devia devolver a calma e o sono era impossível, todas desaguavam numa memória passada, ou pior, futura, com o perfume dele. Suspirava e gritava para dentro, para ontem, nuvens surdas não obedecem a ordens. Tinha sede. O sorriso dele plantado no pensamento, erva daninha imune a pesticidas e tesouradas, sempre a despontar em cada esquina, matreiro como a tentação. Bebia sofregamente da torneira, como cadela amarrada num descampado, como se pudesse afogar as inquietações que a consumiam. Os lábios fendidos ardiam, pingavam os olhos, o coração lembrava-se de disparar, ou de pausar em cansaço, errático, desaustinado. A imagem da cara maltratada no espelho meteu-lhe medo. E se a vida toda, a partir daquele instante, fosse assim? Se aquela luta interna e eterna entre o querer e não poder ter se resumisse a décadas dobradas de angústia, de silêncios e de olhos inchados de ausências? As pernas tremiam, os joelhos ameaçavam fraquejar. De repente tinha frio, todos os pêlos eriçados, abstraídos dos chamamentos das cigarras que lá fora confirmavam o verão aos mais cépticos. Voltou a enrolar-se num casulo de lençóis e colchas, débil, prostrada. Não havia injecção, remédio ou mezinha que a pudessem poupar àquela enfermidade. A vacina falhara. Habituada a dores agudas, no esqueleto e na alma, inconformada com o diagnóstico, procurou no sol que nascia um remédio, um tranquilizante, um soporífero que anestesiasse o vendaval. Maleita crónica, anunciava o reflexo provocador do rio, como se ela desconhecesse os sintomas destas maldições em forma de gente que lhe troca todas as voltas, vira do avesso, desassossega e faz falta como o ar. Será para sempre então, aceitou.
“Odeio gostar de ti”, confessou-lhe uma vez. Ele nunca fez ideia do quanto.