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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

Aeroportos e estações de comboios, feitos ambos de movimentos, uns perpétuos e rotineiros, outros cortes de guilhotina com o tempo e o espaço, marcando a cinzel um antes e um depois. Tudo passa, passam as gentes, para a frente e para trás, ficam uns enquanto outros partem, uns correm para o seu destino, expectantes ou desiludidos, como quem foge da sorte. Outros suspiram pelo reencontro, um regresso adiado, ansiado, para o seu lugar.
 
A vida acontece sob lentes caleidoscópicas e de ampliação de tudo o que mais importa nos aeroportos e estações de comboios. Como se fosse mais pura, mais filtrada do que é acessório e banal. Mesmo que não haja nada mais banal do que apanhar o comboio de volta para o sítio onde se iniciou.
 

As viagens ampliam a vida.
 


Venham lá todos dizer-me que não, que sou louca, que tenho de me acalmar e sonhar o que toda a gente devia sonhar, que estou a cometer um erro crasso - tanto que há a perder!, que não vou ser capaz de enfrentar tudo sozinha, que devia era encolher-me, fugir, conformar-me e fingir que não se passou nada. Força, atrevam-se. Digam-me que me acham desequilibrada, doida, que desafio a lógica e as forças do universo, que vou magoar-me mais, que não estou a considerar as consequências. Que estou a condenar-me a uma solidão devastadora, mascarada de sacrifícios. Digam-me na cara o que pensam, mas não encolham os ombros com receio e pena e com olhos lacrimosos. Não me dêem palavras de conforto, que o meu conforto é a verdade. Não me falem de justiça e de mundos perfeitos. Há coisas maiores que esse vosso mundo mirrado e tacanho e não sair do lugar é renunciar a descobri-las.


Estou longe de ser uma pessoa estável. Sou até bastante temperamental, de fases, consoante a lua, a hora, o interlocutor, o tempo ou as cores… Sou errática e desequilibrada, de extremos e peremptória nas escolhas que faço. Detesto rotinas e a ausência de estímulos novos: conversas, locais, desafios, ideias. Talvez por isso não esteja nunca demasiado cansada para embarcar em programas que me digam algo às sinapses. O que me cansa é exactamente ter limites pré-definidos, saber antecipadamente como vai ser um dia de trabalho, uma refeição, tudo com horários e regras. Detesto conhecer de cor as pedras da calçada e os buracos no alcatrão, a acomodação de usar sempre o mesmo caminho só porque é o mais rápido… Do que eu gosto mesmo é do inesperado, de surpresas, de aventuras de e em todos os sentidos. Gosto de passear a pé, em cidades desconhecidas, no meio da serra ou na planície. Gosto de encontrar velhos amigos em locais inesperados. Gosto das rajadas de vento que deixam a verdade a descoberto. Gosto de arriscar mudar só porque sim. No caos em que a minha vida se encontra neste momento, achando-me até ineditamente desanimada, encontro alento no amanhã por descobrir. Tenho a absoluta certeza que a próxima semana será diferente desta, e conforta-me não ter a mínima pista de onde estarei ou a fazer o quê.

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Quando era miúda não conseguia imaginar-me com mais de 18 anos. Até aí a vida seguiria certamente de acordo com o planeado, em torno da escola e pouco mais. A partir dos 18 não conseguia sequer visualizar uma sombra de futuro. O que até é estranho, porque sabia exactamente que curso queria tirar e onde (e foi isso mesmo que fiz), mas esse é outro capítulo, o da obstinação desmedida (que quando meto uma ideia na cabeça não desisto até a ver concretizada; mas é que não desisto MESMO!). Nunca tive planos muito concretos a longo prazo, nunca imaginei como seria a minha vida aos 20 ou aos 30. Sabia, grosso modo, o mesmo que sei hoje: que o que me dá prazer é aprender e viajar pelo mundo, que amar é imprescindível e que a felicidade não reside nos bens materiais. Tenho confiança em mim, e isso basta-me, por ora, para não ceder à resignação.