Vamos respirar fundo. A terrível tragédia da noite passada já não pode ser evitada, é tarde demais. Canalizemos os lamentos e o choque perante tamanho horror para o que pode fazer a diferença de agora em diante. Reflectamos, em conjunto enquanto sociedade civil, com a frieza que for possível.
Todos os anos o tema do verão é o mesmo e perante o horror espectacularizado nas televisões, pouco ou nada muda em termos políticos. Sim, políticos, porque também isto (como TUDO, aliás) é política.
As causas dos incêndios podem ser naturais (e algumas vezes até são, mas a maioria das vezes são crime, vil, nojento, irresponsável e normalmente impune), mas a destruição de floresta autóctone para dar lugar ao Eucalipto, o negócio milionário da pasta de papel, a desertificação do interior, a falta de limpeza e manutenção das matas e florestas, a falta de informação, de prevenção e sim, também de meios locais de combate, o negócio imoral que é também a indústria desses meios, não são a "mãe Natureza" a actuar, são causa e consequência de inépcia política e servilismo ao capital.
E se sabemos que as imagens dos incêndios em destaque permanente nas televisões são potenciadoras da actividade pirómana, para quando regulamentação que impeça o uso abusivo das imagens e as reportagens em directo com chamas em pano de fundo? Já que não há vergonha ou sentido ético que se sobreponha à mediatização da tragédia para "ganhar audiências", que se limite a estupidez onde seja possível.
As vidas das 62 pessoas que faleceram ontem no incêndio de Pedrógão Grande terão sido prematura e injustamente ceifadas em vão se nada mudar, se o povo continuar a lamentar no facebook as tragédias e não se lembrar que a tragédia lhes pode bater à porta quando colocam uma cruz num boletim de voto. Não basta fazer donativos às populações desalojadas e partilhar fotos de bombeiros a chamar-lhes de heróis. É absolutamente inútil fazer "orações pelas famílias das vítimas" (a não ser para o ego poucochinho do católico burguês). Útil é pensar o que podemos fazer, cada um de nós, para que este lamentável desastre nunca mais se repita. Útil é ter sentido crítico e exigir que os responsáveis eleitos façam o seu trabalho com honestidade, sabedoria e respeito, dando prioridade ao ordenamento do território e ao património natural sobre a possibilidade de maximizar os lucros para os mesmos (sempre os mesmos) grupos e escolher melhor quem se elege.
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Causa-me uma estranheza, quase física de tão visceral, de sabor acre e incomodativo como um perpétuo ranger das portas dos meus, muito meus, ideais, a injustiça. Todas as injustiças quase por igual, mas ainda assim umas mais iguais do que as outras. Nas relações humanas, por exemplo de tão fundamental que tem de ser o primeiro, a injustiça será o factor primordial de desequilíbrio das dinâmicas. A vil culpa de lares desavindos e amigos de costas voltadas, muitas das vezes, senão todas, será de uma forma de injustiça. Porque um dá mais do que recebe, porque alguém tem expectativas impossíveis de alcançar, porque o esforço é o mesmo mas a compensação nem por isso, etc. e tal. E depois de identificar o problema, como se faz para resolvê-lo ou contê-lo antes que provoque danos irreparáveis? Pois, essa é que é mesmo a questão. "A vida é injusta", dizemos, todos nós, a dada altura. Mas como superar a frustração, a sensação de impotência que a injustiça generalizada nos provoca? O melhor caminho será a resiliência, criar calo e aguentar, conformados? Ainda não tenho uma resposta, uma decisão pessoal fechada. Mas até agora, parece-me que esta solução imediata só resolve o assunto interior: deixamos de sentir revolta, progressivamente. Contudo, a raiz do mal, as causas das injustiças que nos revolvem as entranhas ainda lá estão, provavelmente a agudizar-se cada vez mais, à falta de posição capaz de as travar. A revolver as entranhas de outros. É aceitável a distanciação, o não envolvimento, passar a bola, numa fuga em diante? O meu idealismo ainda não o permite, ainda acho que é possível mudar o mundo. Por isso vou continuando, frustrada, em permanente campanha eleitoral contra os males do Universo.
Como não olhar para os partidos de onde vêm, onde estão, que os apoia (assumida ou discretamente), para observar antes a pessoa?!
Ao contrário do que parece a muito boa gente, não é (só) em pessoas que votamos, nem para as presidenciais e muito menos para legislativas e autárquicas.
Primeiro, não conhecemos, regra geral, as pessoas por detrás dos candidatos. Não sabemos em primeira mão dos seus afectos, dos seus humores, se preferem tinto ou branco, ou se têm mau hálito. Nem sabemos, nem temos nada que saber, nem isso importa minimamente para o caso.
Em segundo lugar, gostar ou simpatizar com uma figura pública, com a "persona", sem tomar em conta as ideias políticas e ideológicas, não garante qualquer tipo de confiança no desempenho de funções com competência e honestidade, muito menos é bom presságio de que se venha a concordar com as posições que o candidato venha a tomar, futuramente.
Por mero acaso, eu até conheço uma pessoa que é candidata à presidência. Não conheço intimamente, mas é uma pessoa que estimo, de quem tenho a melhor das impressões, que é, tanto quanto fui apurando ao longo do tempo, uma pessoa honestíssima e exemplar a muitos níveis, sobretudo o humano. Ideologicamente, até nos situamos a pouca distância, embora não tenhamos posições idênticas. Mas não é nesta pessoa que vou votar, e isso nem sequer me cruzou o pensamento. Porquê? Porque há candidatos que me representam melhor e que eu considero mais aptos para a função.
Se os apoios ou aproximações partidárias contam para esta decisão? Obviamente! Não tem qualquer fundamento ajudar para eleger uma pessoa cujo papel é o mais importante na democracia se não nos revemos no seu discurso, ou se criticamos as suas decisões ou ausência delas. Quero na presidência um candidato em quem confie para defender os ideais que, na minha óptica, são os mais correctos, os mais justos. Quero na presidência alguém que zele pelo bom funcionamento da democracia no meu país, que faça respeitar a Constituição, que chame à responsabilidade os governos, os protagonistas da economia e da sociedade civil. Não posso ignorar o seu percurso político, aquilo que fez e disse, aquilo em que acredita.
Uma destas manhãs dizia uma colega (daquelas pessoas que gostam muito de dizer coisas, muitas vezes contraditórias de semana para semana) que não importam os partidos, acha é que devem ser pessoas novas, com ideias novas, a assumir o cargo. Portanto, levando esta opinião a um extremo, esta pessoa acha que deve votar na pessoa mais jovem ou mais *novidade*, independentemente das suas ideias serem uma valente bosta. Se isto faz, genuinamente, sentido a alguma alma, a questão que se impõe é: onde é que estacionaste a nave espacial?
Sob a velha (e ignorante) perspectiva do "ah, os políticos são todos iguais, mais vale votar neste que a gente já conhece / é do meu clube / já vi este senhor na televisão", a coisa consegue piorar. É escolher, deliberadamente, uma porcaria, sabendo que é uma porcaria, cujo cheiro já é familiar. Foi assim que ficámos dez - atenção, DEZ! - anos com o pior múmia... presidente de que há memória, nesta pequena e mal afortunada República.
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Queria comentar mais amiúde os resultados eleitorais, mas de cada vez que escrevo uma frase depois de "grande resultado do Bloco e da Esquerda", fico com náuseas. Portanto, falarei só da abstenção.
A abstenção é a maior inimiga da democracia. Os valores são absurdos. São trágicos. Cerca de 43,1% dos eleitores abdicam do seu maior poder quanto a determinar o rumo do país.
9.375.466 eleitores portugueses inscritos (dos quais votaram 5.333.888). Não votaram 4.041.578 eleitores, sensivelmente o dobro do que o número de votos na coligação PàF, a opção mais votada!
Algo me diz que este valor está longe do real; não retirando importância à enormidade do valor da abstenção, era mesmo capaz de apostar que há qualquer coisa como um milhão de mortos nas listas, pelo menos. E limpar os cadernos eleitorais, hein?
Ao longo do dia, muitas pessoas nas redes sociais partilhavam que nunca haviam visto as mesas de voto com filas tão grandes. Eu não notei grande diferença, na Freguesia onde voto (e votei na maior parte dos meus anos de eleitora) há sempre fila. Não me lembro de em alguma eleição não ter de esperar. Verdade que não estive presente em todas, porque houve o ano em que o Cavaco marcou as eleições autárquicas para as minhas férias (que eu tive de marcar antes de haver data para as eleições e tive em atenção a data que se dizia ser a mais provável para ir a votos). Na altura, o cidadão comum não podia votar se estivesse ausente ou distante da freguesia em que está recenseado. Só se fosse atleta ausente em representação da Selecção Nacional, militar, hospitalizado ou presidiário, era possível aceder ao voto antecipado. Se estivesse acamado de forma súbita ou imprevisível, se estivesse fora em trabalho, ou lazer, não interessa, perdia o direito a votar. A lei eleitoral parece que já mexeu qualquer coisa e já não é bem assim. Afinal, apesar de tanto foguete lençado porque aparentemente a abstenção teria diminuído muito discretamente, não diminuiu coisa nenhuma.
Quanto aos emigrantes, não é fácil votarem, devido a uma carga burocrática irrealista. Recordo-me de umas amigas que viviam numa grande cidade alemã enquanto faziam o doutoramento e era mais fácil voarem para Portugal na altura das eleições do que conseguirem votar na Alemanha (e ainda assim teriam de deslocar-se a Berlim).
Estas coisas fazem-me comichão no neurónio. Em pleno século XXI, na Era da Comunicação, que sentido faz que o voto ainda se processe com cadernos eleitorais de papel e com estas limitações geográficas? Não seria bastante fácil permitir o voto em qualquer secção, com controle electrónico? Recordo-me de, há uns anos, terem sido testadas umas cabines de voto electrónicas. O que aconteceu a esse projecto?... Se se quer realmente combater a abstenção (duvido, dizem os estudos que quando desce a abstenção, ganha a esquerda), esse seria um belo começo.
A seguir, o próximo governo, se for minimamente sério, deveria dedicar-se a combater o problema na sua origem e a atacá-lo de frente. Se fosse eu a mandar podiam ter a certeza que o voto seria obrigatório. Mas também tornado bastante mais acessível e facilitado.
Ficam algumas dicas. Vão-se lá entreter agora a contar deputados e a esperar pelas contagens da emigração. Eu ficarei a sonhar com um acordo sério entre os partidos de esquerda para umas próximas eleições menos más.
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Final do dia. Apanho o meu terceiro transporte público da viagem de regresso a casa. Ao longe vejo que estão três pessoas a distribuir panfletos perto da saída, seguramente de campanha eleitoral. Parecem-me os senhores do Partido dos Reformados e Pensionistas (PURP) - "Outra vez?! Será que ainda têm o e-mail do hotmail como e-mail oficial do partido?", vou interrogando para com os meus botões. Não são. Entregam-me um folheto que olho com curiosidade. "Ah, ainda não tinha este cromo na caderneta!" É do PDR.
Até aqui tudo bem. (Bem mal, mas isso agora não vem ao caso.) Foi quando me aproximei da carrinha de apoio com os megafones que a coisa descambou. Era esta a música de campanha que fluía da carrinha com os cartazes do Marinho E Pinto (de onde veio o "E", caramba?!):
Juro! Isto é real, isto é Portugal, isto é a campanha eleitoral! 2015, senhores!
(Peço desculpa às pessoas que seguiam à minha frente a quem assustei com os guinchos, mas eram risos abafados que não aguentei conter.)
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Em relação ao meu post abaixo e em jeito de resposta ao certeiro comentário da Maria... Não, nem todos merecemos o país e o (des)Governo que temos, porque nem todos contribuímos para a sua eleição. Cruzes, canhoto!
Mas a verdade é que vivemos em democracia, com todas as suas falhas e virtudes, e que, não sendo perfeita, é a melhor tentativa de estado justo* que conhecemos. E nesta democracia, temos um (des)governo eleito com a maioria dos votos da população eleitora, a representação parlamentar que os eleitores escolheram, o "Presidente da República" (desculpem mas não consigo escrevê-lo sem as aspas) também democraticamente eleito.
Eu nunca votei em nenhum deles, nem nos partidos que representam, nem nos últimos nem em nenhum acto eleitoral. Mas não concordar com o sentido de voto da maioria não nos desresponsabiliza, não nos iliba da culpa do "estado a que chegámos", como dizia Salgueiro Maia. Além de considerar que o voto é um dever fulcral à cidadania, também acho que a mobilização, a incitação ao voto e à participação, o são ou devem ser. Não basta mandar umas chalaças no café e nas redes sociais, faz falta agir em concreto. Faz falta sair à rua para fazer ouvir a nossa voz, dar a cara e o nome e o corpo ao manifesto, assinar as petições, discutir abertamente com quem nos rodeia, apontar sem medos o que está mal feito, confrontar. Contra mim falo, que confesso ser uma péssima militante, com um imenso défice participativo e interventivo. E também por isso me incluo nesta primeira pessoa do plural quando digo e repito: temos o país que merecemos.
*Talvez o melhor método fosse um despotismo justo, como diz um grande amigo meu. Talvez. Mas sem garantias de imunidade à corrupção que o poder encerra, sem garantia de pluralidade e sem o aval popular, deixe-se estar a democracia.
AntiBlogueQue disparate! A D. Marisa Moura não percebe porque é que os boletins de voto não têm opções "não respondo", eu explico: a Democracia faz-se com a participação do povo. Com decisões, com opiniões, com vontades. Não se faz com ombros encolhidos nem com silêncio. Votar em branco, nulo, ou abster-se é exactamente a mesma coisa, leia-se desresponsabilização. É dizer "o que vocês decidirem, por mim está bem." Não é um protesto, nem sequer silencioso. É não votar. É não assumir a responsabilidade e não exercer o seu direito e dever. As eleições legislativas servem para eleger representantes dos cidadãos num Parlamento. Ora, os votos em branco, nulos e afins não se traduzem em qualquer representação. Faria sentido que o Parlamento tivesse cadeiras vazias na proporção dos "votos mudos"?! Quem é que (des)governava o país então? As cabecinhas têm de ser usadas para pensar, não pode ser só para usar penteados e chapéus!
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Eu já não aguento ouvir tantos disparates da boca de quem não percebe um boi de política, de justiça social ou de economia. Toda a gente tem uma opinião, fundamentada nas gordas dos jornais e nas frases que apanha na TV a meio do jantar, da boca do professor Martelo.
Informem-se, ou calem-se. Ou então, tomem lá um ponto de vista esclarecido q.b. (só tem um erro ortográfico, que caiar é bem diferente de cair).
Não sou mãe, nunca estive grávida (que eu saiba) e também nunca tive a menor dúvida que interromper uma gravidez não deve, não pode, ser crime, nem para quem tem o feto dentro de si, nem para os profissionais qualificados que ajudam a terminar a gravidez com condições de higiene e de segurança.
São dois disparates de uma só vez. Se só o conceito de taxas moderadoras na saúde é um absurdo que serve principalmente como mais um factor diferenciador e que impede o acesso de quem menos tem aos cuidados básicos de saúde, a sua aplicação no caso da IVG, que é, por muitas mulheres, motivada precisamente pela falta de condições económicas para ter um filho, é claramente um desincentivo (usando um eufemismo) à mesma. Outra coisa não seria de esperar por parte direita conservadora e ressabiada pelos resultados do último referendo e a nova legislação. Mas, até para eles, obrigar a grávida a assinar uma ecografia para autorizar o procedimento é apenas um requinte de malvadez.
Que os eleitores não se esqueçam disto quando forem votar nas próximas legislativas!
Sobre o tema, partilho o texto da Pólo Norte, porque concordo em absoluto com o que diz, e porque tenho sempre um especial orgulho nas pessoas que já foram de direita e depois vêem (pelo menos um bocado) (d)a luz.
Já agora, fiquem com o link de uma página que reúne informação e pontos de vista sobre o aborto, bem como sobre a contracepção, legislação em vigor, etc.: www.aborto.com
*algures no blogue, talvez mais do que uma vez, a PN menciona que já foi militante do PSD