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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Não tenho particular afeição a monumentos nacionais (tenho afeição à natureza, à beleza e à arte, mas isso é outra conversa) e penso que já falei por aqui do inexistente sentimento nacionalista que me assiste. Além disso, tenho uma relação muito particular, pouco consensual e nada pacífica com a morte. Sou contra o culto dos mortos, as homenagens póstumas, os lutos de roupa negra feitos, as flores nas campas e toda a cultura de coitadinhização de quem deixou de existir. Faz-me afronta que os mortos passem todos a ser respeitáveis e bonzinhos na boca de tanta gente, nomeadamente os calhordas, fascistas e crápulas em geral. Isso e a exibição da dor para a sociedade ver, estabelecer empatia e consumir até ao mais ínfimo pormenor, a par do meu entendimento pessoal que os mortos não são nada nem ninguém (são só matéria orgânica, não são feitos, nem obras, nem memória), que o respeito e afecto se demonstra em vida e que os rituais ligados à morte são uma farsa, dão-me motivos de sobra para preferir não compactuar, de todo, com os folclores de funerais, cremações, cemitérios, etc.

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Posto isto, a jantarada no Panteão também me causou alguma repulsa. Sem ligação alguma com um eventual respeito pelos mortos que contém, nem com o local em si. Compreendo que seja encarado como um desrespeito por pessoas com um entendimento diferente do meu, que serão a maioria, e não me faz sentido encetar discussões por via desse argumento. O que me incomoda é a mercantilização de tudo. Tudo tem um preço, até o aluguer de um espaço que por muitos pode ser considerado semi-sagrado ou merecedor de uma honorabilidade ou simbolismo particulares. O Estado pode e deve encontrar fontes de receita em património público emblemático, nomeadamente através da sua utilização para fins turísticos, não me choca rigorosamente nada, desde que seja dentro de limites de razoabilidade e de decoro. Não é o caso. Estou em crer que a maior parte das pessoas que manifestaram algum espanto e desagrado com o evento o consideraram indecoroso. É quase uma prostituição da dignidade pública a atribuição de um preço a certas actividades e abrir precedentes pode chegar a extremos ridículos. Estou a imaginar convenções da IURD nos Jerónimos, estou a imaginar uma festa dos vinhos e enchidos na Torre do Tombo, ou uma exposição automóvel na Sé. Divago, bem sei. Mas no limite, é possível e talvez não devesse ser. Não vou estar a discutir culpas e cores políticas, parece-me desnecessário neste ponto. O dinheiro não pode comprar tudo, não se pode converter toda a oportunidade em capital, o Estado não pode colocar a lógica capitalista acima da defesa dos interesses do Povo.

 

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