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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Admito, sem espinhas. Acredito que há uma espécie de gente que não tem o mesmo valor dos restantes. Não me merecem respeito, nem solidariedade, e não me comovem mesmo que estejam caídos no chão a sangrar e a implorar perdão. São um desperdício do ar que respiram e, se dependesse de mim, provavelmente deixariam de respirar.

São os fascistas.

Desengane-se quem pensa que o fascismo está morto e enterrado. Pelo contrário, está a despontar em qualquer brecha que encontre e propagar-se como a erva daninha que é. Um pouco por todo o mundo os movimentos de extrema-direita começam a sair da toca, de cara destapada, sem pudor de manifestar a abjecção de que são feitos. E para quem possa achar, por distracção ou estado comatoso, que o perigo do fascismo regressar é uma hipótese remota, ou que só acontece lá para a terra do Trampas, peço que abram os olhos para ver o que se tem passado mesmo aqui ao lado, nesta progressista "democracia" a que chamam Espanha, a pretexto da defesa da "unidade" dos territórios, não obstante a história e, mais importante, a vontade popular, ser no sentido da independência da Catalunha (e também do País Basco e da Galiza). Como se a repressão do governo central, através da brutalidade policial e as prisões de membros da Generalitat para tentar evitar o referendo de 1-O ou o envio de tropas para a Catalunha antevendo uma possível declaração unilateral de independência não fossem suficientes, nas manifestações nacionalistas faz-se a saudação nazi.

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Não é só uma vergonha mundial que se tenham reerguido os franquistas. A luta anti-fascista é uma obrigação de cada um de nós, que acredita nos princípios opostos aos dos fascistas. Temos, todos e em cada momento, a obrigação de denunciar, corrigir e calar as pequenas manifestações fascizóides a que vamos fazendo ouvidos moucos ou relevando, a bem da liberdade de expressão e da tolerância. Esta gente não tem tolerância alguma à diferença (nem de opinião), não reconhece o direito democrático dos povos, só conhecem a lógica da força bruta da repressão, sem qualquer respeito pelos direitos humanos. Até quando vamos permitir que o fascismo passe impune? Esperaremos de braços cruzados a olhar as notícias pela reactivação dos campos de concentração nazis? O tempo de agir é agora, sem tolerância.

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Não tendo grande explicação para o facto além de Barcelona ser, a par do Porto, a minha cidade europeia preferida, mas sempre me senti em certa medida catalã, pelo menos no coração. Conheço razoavelmente bem o resto de Espanha, também gosto muitíssimo do País basco e da Galiza, gosto imenso de Sevilha, de Madrid e de uma série de outras cidades e regiões, não gosto do sul árido, detesto Granada... Mas Barcelona é especial, é uma paixão assolapada (tal como o Porto).

Imagino-me, com toda a facilidade, a viver feliz em Barcelona. Não só pela arte e pela arquitectura, que me dizem muitíssimo, mas sobretudo por aquele factor X em que não se consegue bem colocar o dedo. Gosto das pessoas, que acho tão diferentes dos estridentes madrilenos, artísticos e rebeldes, anarco-freaks de todas as gerações, gosto do cheiro das ruas a serem lavadas pela manhã cedo, gosto do mar e da serra. Gosto da espontaneidade com que as velhinhas falam comigo em catalão nos mercados, da feira da ladra tão a minha cara, do sorriso com que me abriram uma vez as portas de um supermercado que já estava em horário de encerramento porque precisava mesmo de comprar mais uma garrafa de espumante. Ali, sinto-me em casa, como se pertencesse às gentes e aos lugares e a cidade fosse também um pouco minha. Barcelona tem tudo e creio que seja impossível viver lá e passar um dia de marasmo. Há sempre tantas coisas a acontecer: festivais, concertos, exposições... Já visitei Barcelona talvez uma dezena de ocasiões (houver um ano em que calhou lá ir 3 vezes em poucos meses) e fico sempre com pena de vir embora, a cidade não me cansa. E depois há o resto da Catalunha, há os tascos de beira de estrada, as botifarras, o sorriso malandro das pessoas que nos cruzam o caminho e fazem questão de esclarecer que não são espanhóis, isso é outra coisa.

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As esteladas penduradas nas varandas, os motins espontâneos em defesa da ocupação de um edifício que queriam demolir - estive lá em 2014, no centro do bairro em que os protestos aconteciam, os transportes públicos parados, as ruas fortemente policiadas, vidros partidos (sobretudo de bancos), caixotes de lixo queimados. Sempre com uma magnífica sensação de paz, sem sombra de receio, porque rapidamente se percebia que a reacção orgânica se dava apenas contra quem devia, as forças burguesas e capitalistas e o seu braço armado, os Mossos - e isso desperta a Shiva que há em mim. Nem o pequeno comércio nem as habitações alguma vez estiveram em risco, mas aquela malta não se ensaia nada em passar a luta para as ruas e atirar uns cocktails molotov para se fazer ouvir. E isso para mim é poesia. Porque a luta não é consequente se nunca passar do debate, do papel, do referendo ordeiro e perfeitamente indiferente.

Obviamente que o argumento da ilegalidade face à constituição espanhola é apenas ridículo e o mais bacoco que o imperialismo podia trazer para o seu fraquinho argumentário. É claro que nenhuma revolução se faz à letra da lei. É claro que a independência das nações não pode ficar presa porque não está "autorizada". Se querem cingir-se ao legalismo, recordo que a Constituição Portuguesa diz:

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Temos assistido a um escalar da intransigência do governo de Rajoy a uma mera consulta popular, com recurso a uma desproporcionalidade de forças e autoritarismo tal (nomeadamente passando por cima do estatuto de autonomia da Catalunha, com apreensão de urnas e boletins de voto, prisão de pessoas, encerramento de websites sobre o referendo, reforço exageradíssimo da presença policial e subordinação dos Mossos d'Esquadra à Guardia Civil) que é impossível responder com outra coisa a esta inegável manifestação fascista (que tresanda a franquismo) além do mais profundo repúdio. Se dúvidas houvesse, ficou claro nas últimas semanas o quão "democrático" é o PP, partido de direita no poder, bem como a burguesia sistémica que compõe as fileiras também do PSOE, do Podemos e do Ciudadanos.

Não se adivinham tempos fáceis para os independentistas catalães. Naturalmente que o referendo, a existir (já tive mais dúvidas, mas ainda subsistem porque já se viu que o governo central está disposto a montar um cenário de guerra para impedir a votação), não irá por magia resolver alguma coisa. Mas será um primeiro passo muito claro e que é preciso segurar com os olhos postos no objectivo, doa o que doer. Sabemos que a Greve Geral marcada para dia 3 de Outubro pode bem ser o ponto de viragem, se a mobilização o permitir, que poderá fazer a diferença e lançar os alicerces sólidos de uma revolução popular em nome de uma República Socialista Catalã.

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Sou catalã no coração, que está hoje ao alto. Solidariedade absoluta para com a causa da independência e a luta que vai requerer, orgulho máximo e respeito infindo por todos os que fazem a sua parte para que a vontade popular se sobreponha ao fascismo.

 

O que me choca mesmo é que haja pessoas que desconhecem os processos democráticos a ponto de genuinamente acharem que o que ser passou dia 10 na Assembleia é uma "aberração", "palhaçada" e outros mimos que ouvi e li por aí. Mal informadas, seguramente, mas diligentes o suficiente para propagarem as suas verdades de bolso como se fossem a voz da razão.

 

Não é demais repetir até à exaustão que as eleições legislativas elegem representantes do povo no Parlamento, ou seja, deputados. Não determinam as cores do governo e muito menos que o que quer que seja sujeito a votação na AR seja aprovado, nomeadamente o presidente da Assembleia, os orçamentos, os programas de governo e quaisquer iniciativas legislativas. Chama-se democracia.

 

 

Também me chateiam os pessimistas que não acreditam que isto vá resultar. Até podem estar certos, mas não ouviram dizer que pelo sonho é que vamos? Vamos esperar para ver antes de ditar sentenças de morte, sim? Eu sei que a mudança assusta muita gente, até alguns dos que votaram à esquerda, mas quando as coisas não estão bem (e só os patrões podem achar que as coisas estavam bem sob a desgovernação ultra-neo-liberal da coligação, não me lixem!) não vai melhorar sem essa mudança.

 

Chamem-me idealista e utópica à vontade, mas mesmo com todas as reservas em relação ao PS e ao António Costa, o que se passou ontem fica para a história, e pode bem ser o início de uma união à esquerda que eu anseio há décadas, assim o espero.

 

E sim, comovi-me quando li "o governo caiu", quando abracei o meu amor, quando cheguei ao Rossio e a cidade me cheirou a esperança nova, e ainda agora enquanto escrevo estas linhas. Comovi-me porque já não me lembrava de ter orgulho neste país e pela primeira vez em muitos, muitos anos, tenho alguma esperança da vida dos portugueses melhorar um pouco, de não ser obrigada a emigrar para criar uma família em condições.

 

Mesmo que tudo corra mal, agora sabemos que é possível. Já não é só um desejo, uma conjectura, uma hipótese etérea. É real.

Em relação ao meu post abaixo e em jeito de resposta ao certeiro comentário da Maria... Não, nem todos merecemos o país e o (des)Governo que temos, porque nem todos contribuímos para a sua eleição. Cruzes, canhoto!

 

Mas a verdade é que vivemos em democracia, com todas as suas falhas e virtudes, e que, não sendo perfeita, é a melhor tentativa de estado justo* que conhecemos. E nesta democracia, temos um (des)governo eleito com a maioria dos votos da população eleitora, a representação parlamentar que os eleitores escolheram, o "Presidente da República" (desculpem mas não consigo escrevê-lo sem as aspas) também democraticamente eleito.

 

Eu nunca votei em nenhum deles, nem nos partidos que representam, nem nos últimos nem em nenhum acto eleitoral. Mas não concordar com o sentido de voto da maioria não nos desresponsabiliza, não nos iliba da culpa do "estado a que chegámos", como dizia Salgueiro Maia. Além de considerar que o voto é um dever fulcral à cidadania, também acho que a mobilização, a incitação ao voto e à participação, o são ou devem ser. Não basta mandar umas chalaças no café e nas redes sociais, faz falta agir em concreto. Faz falta sair à rua para fazer ouvir a nossa voz, dar a cara e o nome e o corpo ao manifesto, assinar as petições, discutir abertamente com quem nos rodeia, apontar sem medos o que está mal feito, confrontar. Contra mim falo, que confesso ser uma péssima militante, com um imenso défice participativo e interventivo. E também por isso me incluo nesta primeira pessoa do plural quando digo e repito: temos o país que merecemos.

*Talvez o melhor método fosse um despotismo justo, como diz um grande amigo meu. Talvez. Mas sem garantias de imunidade à corrupção que o poder encerra, sem garantia de pluralidade e sem o aval popular, deixe-se estar a democracia.

Ainda estamos, oficialmente, na silly season. Em Agosto o país está a banhos, as notícias nem chegam a ser parciais de tão tontas (há umas semanas vi um efeito, num jornal da noite, com as cabeças dos líderes dos principais partidos políticos dentro dum carro a dirigirem-se aos seus locais de férias - de onde me surge a exclamação "mas vão todos no mesmo carro?!"). Sendo que o povo português já não prima propriamente pela boa memória, tão pouco pela seriedade quando é chamado a botar cruz nos boletins de voto, esta silly season inquieta-me sobremaneira. Mesmo as poucas pessoas que ainda pensam, falam e debatem política, chegam aos seus dias de dolce fare niente de papo para o ar e a cabeça entra em modo de poupança de energia, em que a decisão mais crítica que deve fazer é se vai para a praia do costume ou se vai para a outra praia, se vai à vila almoçar um peixe grelhado ou se fica por ali e petisca qualquer coisa numa esplanada. (E estão no seu mais pleno e amplo direito, sobretudo após 11 meses de trabalho num emprego cansativo, mal pago, longe de casa, em que são feitas muitas horas extra não remuneradas, com medo de o perder e com ele o sustento da família, dos problemas de saúde agravados pela ansiedade e pelos cortes forçados nos cuidados médicos e até no tipo de alimentos.)

 

 

 

 

Mas é precisamente por isto que a silly season é tão perigosa. O neurónio com consciência crítica e política, a existir, vai de férias e, no regresso, já nem tem bem presentes as patifarias perpetradas durante todo um mandato, ou toda uma república. E depois ainda há a agravante do futebol, ópio do povo, com mais intrigas do que as novelas da TVI, o mercado dos jogadores, os treinadores "traidores", a pré-epoca e toda essa puta da loucura que tem zero interesse para a vida real e os problemas reais do país, mas consegue absorver energias e paixões de homens e mulheres que vivem daquela fogosidade, sofrem pelas suas cores, saem à rua em êxtase quando o seu clube ganha qualquer coisa, mas não têm qualquer interesse em ir votar, ou em conhecer aquilo em que votam.

 

Em suma, o português "médio" (é como o português suave mas sem nicotina) regressado de férias é bem capaz de se ter olvidado dos desabafos, argumentos e declarações convictas do "nunca mais voto nestes ladrões!". Pior, vem conformado e já diz "os outros ainda são piores, querem é encher os bolsos".

 

É verdade que amanhã já será Setembro e vai passar a falar-se da reentrée. Mas quanto ao que interessa, deu-se o reset "que lhes interessa". Em termos políticos, a silly season portuguesa dura 12 meses no ano. E enquanto não for exigida uma cultura política e social participativa, que é o pilar da Democracia, enquanto não se ensinar nas escolas, em cada casa, na comunicação social, que a política é feita por todos os cidadãos e que só não somos donos do nosso destino colectivo se não quisermos, então seja o (des)governo PS, PàF, PSD ou outra corja idêntica, temos exactamente o país que merecemos.