Desculpa se quero saber de ti e isso te incomoda. Desculpa inquietar-me com os teus silêncios e zangar-me se desconversas. Desculpa se não me contento com migalhas. Desculpa se te quero dar beijos todos os dias. Desculpa às vezes querer deitar-me ou acordar contigo. Desculpa ver significados nas palavras, as que dizes e as que calas. Desculpa querer partilhar-me contigo. Desculpa celebrar as tuas vitórias com vaidade e orgulho. Desculpa fazer-te rir quando digo que te desejo. Desculpa não querer ser o teu penso rápido descartável. Desculpa dizer-te sempre a verdade e dizer-te verdades que doem e que mais ninguém te diz. Desculpa se embarquei nas tuas fantasias. Desculpa não fazer de ti o meu centro. Desculpa não te deixar desistir de ti. Desculpa corrigir-te quando estás errado. Desculpa não navegar orientada na indefinição. Desculpa que a minha existência te seja penosa. Desculpa que me recorde de tudo o que me disseste. Desculpa não conseguir aliviar-te da tua vida. Desculpa que a minha presença seja um peso nos teus ombros. Desculpa se te aponto as injustiças. Desculpa não fraquejar. Desculpa conseguir respirar sem ti. Desculpa já não ser o que era. Desculpa ter saudades tuas. Desculpa se me pareceu verdade que quisesses fugir comigo. Desculpa se preciso de razões e de porquês. Desculpa ter espinhos e não ser fácil. Desculpa ser pesada. Desculpa ser um fardo. Desculpa eu existir.
Ou então não desculpes.
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"Isso acabou." "Não haverá próxima vez."
Ela não lhe via os olhos mas sabia que ele provavelmente acreditaria nas suas próprias palavras e sabia de cor que os olhos dele vagueavam cabisbaixos, à procura da certeza que ela tinha na voz, ou de uma confirmação divina de que bastavam as suas melhores intenções para lhe evitarem os desvios.
Ele não sabia que mentia porque não é preciso mentir quando todo o caminho ainda por percorrer existe num plano passado a limpo em cadernos quadriculados, e está fotografado de antemão em película por revelar. Ela tinha o condão de ler as pessoas e de saber, com uma certeza inexplicável que nunca se enganara, tudo o que precisava de saber, qual mística Blimunda. Ainda assim, insistia em dar o benefício da dúvida, uma e outra e mais outra vez. Recolhia os cacos do seu ego estilhaçado e lambia as próprias feridas, quase pedindo desculpa por incomodar com as marcas de sangue nos degraus.
Que teimosia era aquela que a fazia avançar sem hesitações quando sabia, por ter visto por dentro, que cada novo tropeção lhe esfolaria novamente os joelhos já em osso?
Que perdão concedido à partida era aquele que, por amor ou condescendência, garantia a quem (sem querer?) a agredia, repetidamente?
"Vive as coisas com naturalidade" - aconselhava ele antes de mudar de assunto, com ingenuidade forçada, como que a dar uma odiosa palmadinha nas costas, e talvez seguro de que uma próxima agressão não seria ainda a última, não seria ainda o limite, não seria ainda suficiente para ela sair sem bater com a porta, de mansinho, a meio de um Domingo distraído e solarengo em que nenhuma promessa se havia cumprido.
Enquanto descia as escadas devagarinho, a esconder os olhos do Sol que a abraçava e com toda a bagagem enrolada debaixo do braço, ela pensava nele e em quão desorientado ele se encontraria nos meses todos que ia demorar a notar que ela não regressaria, tinha saído para sempre, sem dar explicações, empurrada com toda a violência por uma leve palmadinha nas costas.
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Sim, já cometi erros. Os suficientes. Alguns bem grandes. E já sofri com erros alheios.
De todas as vezes aprendi qualquer coisa, sobre mim, sobre outros ou sobre alguma coisa.
E também aprendi quando perdoei erros que me magoaram. Aprendi quando pedi perdão.
É que é preciso ter humildade para aprender. Para tentar correndo o risco de se falhar, para aceitar a derrota, para assumir que se erra. E é preciso ter humildade quando se perdoa também, porque perdoar é saber que toda a gente erra, e que nós ta,bém errámos e vamos tornar a errar.
Não perdoar é uma atitude arrogante. E não digo que no perdão esteja implícita uma mensagem permissiva de voltar a permitir que o mesmo erro ou a mesma pessoa nos torne a afectar. Mas digo que o perdão é uma tolerância que traz sabedoria e traz paz.
Por saber tudo isto, por já ter alguns calos da vida, já perdoei muitos erros. Alguns demoram muito tempo a processar até chegar lá.
Os mais difíceis de perdoar são os que eu cometi, talvez porque quase todos os dias sinto as consequências na pele.
E os erros que foram cometidos contra mim por conta de erros meus, por quem já eu havia perdoado tanto e tantas vezes... Tenho a capacidade de perdoar dentro de mim, porque sei que sou capaz. Só acho que pode demorar dois ou três milénios...
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Tão falível, tão frágil, tão volátil.
Vil. Sou vil. E peço perdão antes de sair por aquela porta.
Já pensei um milhão de vezes em pedir desculpa. Mas não peço. Não posso pedir só porque lhe sinto a falta e lamento as consequências. Pedir desculpas de quê? Se não fiz nada que não fosse exactamente o correcto, aquilo em que acredito e se assumi sempre todas as minhas opções e opiniões. Não peço desculpas por ser quem sou, pensar e sentir como penso e sinto. Orgulhosa? Sim. E sobretudo segura de estar certa, pura e em paz com a consciência.
Ele tem muitos motivos para me pedir desculpas a mim. E eu fui sempre desculpando, sem os pedidos. E continuo a magicar desculpas para negar que uma pessoa que tanto idealizei pode ter falhas daquela dimensão.
Já pensei um milhão de vezes. Como um meio para atingir um fim. Mas teria de passar por cima dos meus princípios. E ele pode até merecer quase tudo, pode até ser tão especial que eu (ainda) ache que valha a pena os sofrimentos, as mágoas e as lágrimas. Mas nada, nem mesmo o grande amor da minha vida, vale mais que os meus princípios.
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Dizia-me alguém um dia da semana passada, por entre as sombras da cidade a anoitecer, que no alcatrão também nascem flores. Não duvidei, como nunca duvido que a força da vida seja maior que tudo e que vença quantas camadas de vis obstáculos se lhes surja.
Não me recuso a florir sob um Sol menos quente, estejam as nuvens alinhadas de modos apetecíveis. Nem me resigno a estagnar e empedernir. As grandes certezas que me sustentaram a vida toda estão a ser substituídas por dúvidas. Os dogmas abalados, um por um. O tom imperativo a ser substituído por reticências. Estou a suavizar-me, e bem precisava, que as cascas ásperas não repelem só os toques indesejáveis e não têm de ser sempre os outros a desbravar terreno por entre o mau feitio para chegar ao núcleo de mim. Estou, devagarinho, a deixar de ter vergonha de ser quem sou, a expôr-me, a deixar cair o pano. Sim, sou ultra-sensível e comovo-me facilmente, tenho feridas que doem quando se lhes põe sal, tenho complexos de sobra, gosto mais de pessoas do que admito, sinto saudades de quem já não está, sou de carne e osso, falível e fraca, talvez venha até a descobrir alguns medos. Nem sempre tenho os pés assentes na terra e sonho acordada com as coisas mais simples, gosto de atenção masculina e de ser mimada.
Obrigada, R., por tentares com tanta convicção tirar-me o resto da casca. E pelo gelado numa noite fria. Por me fazeres sentir que não sou sempre à prova de bala. Mas entende que eu serei sempre eu, nunca quem queres e imagines que seja. Sou diferente de quem imaginas, sou pautada por sentimentos, princípios e convicções maior que a tua e a minha vontade juntas. E da minha vontade já falei. O que será de nós amanhã ninguém sabe. Mas eu sei que o meu lugar não é aí.