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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

origem

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Shiva é o deus hindu da destruição, complementado na mesma medida pela energia feminina e criativa de Parvati, deusa do amor e da génese de tudo, que gera inícios e recomeços. Juntos, potenciam a transformação do universo. O tridente de Shiva destrói a ignorância humana. O fogo e a força contida de touro transforma tudo aquilo em que toca. A verdade é vista pelo terceiro olho, o que vê além do visível, além do óbvio e do palpável, o que vê por dentro, o que sabe as coisas que ninguém lhe ensinou.

À vez e sem supremacia, encarnamos Shiva e Parvati, duas faces complementares e idênticas da energia que cria e destrói, em sucessão, como um jogo de berlindes com planetas e satélites irrelevantes na vastidão.

Senhores dos animais, com quem conversamos por falarmos a mesma língua, por nos assumirmos bestas sem redução antropocêntrica, por comungarmos da mesma energia pura e naive.

Por vezes atiramo-nos bolas de fogo, queimamos excessos e estilhaçamos de seguida em harmonias que dispensam ensaios.

Assim somos seus reflexos. Rebentamos em cada epílogo para logo encontrar um meio de nos reescrevermos. A morte não nos merece atenção além da atracção pela finitude, mas a explosão da ordem numa festa barulhenta de fogo e fumo diz poesias que encerram a promessa de inícios melhores, do final de sofrimentos e de perversões; a promessa de liberdade que trago tatuada. Sem donos, sem amos, sem contratos que não assinei a tolherem-me as ganas.

Anseio pelo momento do cogumelo nuclear que me apague a existência, a história e a memória. Salivo por esse instante em que tudo já não exista para de novo nascer, em paz, sem dor nem lembrança, metade pura do resto que procuras. Pego fogo a cada acha e cuspo-lhe gasolina. Magoa-me, corta-me até ao osso, descarna-me como presa nos teus dentes tingidos do meu sangue. Derrota-me cada suspiro, destrói-me outra vez. A fénix chamuscada há-de desistir dos vôos picados, exaurida. Penas de lume como fagulhas bailam no canto da noite sem grilos. Estrelas cadentes e fumo. Fim.

Pequenina, transparente, invisível. Diluída por entre o que brilha faustosamente, por entre a exuberância que te ofusca, sou grão de areia que parece só incomodar, causar desconforto, quando finalmente me sentes debaixo do calcanhar. Um empecilho, uma moléstia, insignificante até magoar.

Acenam-te com luzes, palcos, plumas, folhos e cetins e eu faço questão de não me esconder sob nenhuma dessas máscaras. Não tenho argumentos de monta, atractivos estéticos ou chamarizes sociais, nem sei bem como te detiveste, ao engano, na névoa invernosa que nos atirou para a mesma dimensão. Não tenho glitter nem purpurinas, não cresço em saltos altos nem te lanço escadas para te fascinar com uma inatingibilidade que é irreal. Não sou feita de magias ou perfeições. Sou de carne e sou de osso, de erros e defeitos mil, de cicatrizes e nódoas negras sentimentais. Estou no plano do real, em que o tempo passa, as distâncias doem, as palavras ferem e os silêncios dilaceram. Tropeço, zango-me, faço cara feia quando as lágrimas me apanham de soslaio, babo-me de raiva e de melancolia. Nem a distinção nem a elegância que gostas de ter a emoldurar a tua face visível, mas também ninguém me fez adorno ou bibelot.

Não sou uma mera personagem do teu romance, não deixo de existir quando fechas o livro e passas ao próximo, não me poderás conter em páginas que não te valem a resenha. Não sou a entrada vinte e três na colectânea das poetisas do tule e de coisa nenhuma que escrevem, deslumbradas, desfocadas, sobre o que acham que és tu. Não me contento com definições em versos desconexos sempre na primeira pessoa, extravaso em cada letra das palavras que me deste a custo. O que sou, valho e mereço escapa-te ao entendimento, como escapo eu das tuas teias, dos teus formatos quadriculados cheios de grades e margens e prisões.

Não nasci para ser princesa em contos de fadas, sou proletária, incendiária, de punho sempre erguido, tochas nos olhos e no coração, mestre tanto das fugas como dos choques frontais que te ofendem e te afastam. Não pertenço a este mundo onde cada um é só por si, das sombras e aparências com o verniz a estalar. Talvez deva agradecer-te as desfeitas, evidências inequívocas das palavras em que nunca quis acreditar.

Contra factos não há argumentos.
Não é comigo que celebras vitórias, não é a mim que ofereces convites ou mimos, com quem esbanjas adjectivos e superlativos. Não me ouves quando te grito, na sofreguidão desesperada de querer salvar-te de ti. Não te mereço os sorrisos festivos, as fotografias ou os abraços sentidos, que o meu lugar é na sombra, nos intervalos do que é importante, nos espaços intermédios da vida real que corre em direcções sempre transversais a mim. Nunca me citaste as palavras nem recordas os gestos, que essa sedução em mim não colhe, mas sou eu quem te vê inteiro e em primeiro plano, aqui do alto do meu lugar que é nenhum. A quem iludiste desta vez, quem te preenche as frestas na ilusão de não estares só?

Não sendo jamais urgência nem prioridade, fui (e serei) sempre a que aplaude com mais força cada feito teu, a que na penumbra te ouve e conforta, a que cola os pedaços que outros racharam, com cuspo e com cola de bem querer. Na certeza cimentada de nunca deixar de te incentivar quando perdes a fé, de ir quando chamas, de dar o que não tenho e dar-te tudo, até à última gota do que sou, esgotei o plafond. Um tripé mantido na penumbra para sustentar o truque de magia que és tu. Cansei de só existir enquanto suporte, desnecessária quando te acompanham camaradas das horas boas, dos risos rasgados e festins.

A cada segredo que te adivinho, é sem medo nem pudor que me deixas do lado de fora. O gigantismo do teu coração não se compadece com os meus temores e ainda teima em gelar. Jamais serei animal abandonado que mendiga uma festa de quem não se detém para o olhar. Esbanjas a palavra amizade com quem só te conhece o mel, só para mim despes a capa, atiras a espada, berras e cospes fel.

Colho gargalhadas jocosas onde outros passeiam com excesso de corações pendurados nos bolsos, esquecida e ignorada, silenciada. Alheio às minhas dores e lágrimas colhidas por comboios frios, continuarás o teu trilho, seguro e firme; em cada degrau um grão de areia esquecido. Atrás da cortina onde me cansei de esperar, sozinha, sem tempo de antena, sem direito a nota de rodapé, demorou, mas percebi. "O meu lugar não é aqui." 

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A palidez das emoções é-me insuportável, as palavras suaves e delicadas, névoas vazias de fogo, de pujança e de vida. Rendas debruadas a ouro, com minúcia na forma e vazias de conteúdo, não me servem, repelem-me o toque. São desperdício, diluem-se nos tempos rotos e nas costas voltadas, na erosão das lonjuras. São ofensivas as delicadezas que pairam sem se atravessar, por gentileza, a mendigar raspas do ar que é necessário para viver.
Não sei ser dos murmúrios a meia luz, das meias verdades e das paixões mornas, em lume brando, hesitantes. Sou inteira de tudo ou de coisa nenhuma; dos dilúvios no deserto que ofusca, árido, ou do granizo no verão alagado. Não sei ser sem sal que me tempere, sem gritos que me calem, sem orgasmos que me abandonem à deriva em mim. Sem apertar demais os tais nós que se eternizam ou quebram, ou sem soltar os laços já lassos, para que fique só quem queira estar, de corpo presente, invasão possante e pertinente. Não quero ser um quarto, um terço ou metade. Sou todos os avos minha e partilho-me toda em sobressalto, em enxurrada, avalanche de verdade; não dou migalhas, restos ou aperitivos, ou o banquete é farto de lamber os pratos ou é jejum. O amor em part-time não é o meu lugar. Amo-te nas ausências e nas fugas, nas pausas e nos silêncios e mesmo quando tapas, com força, os olhos e ouvidos à passagem da minha sombra, mesmo quando me procuras noutras bocas e nos colos que não te chegam, que não te calam, não te sabem matar por dentro, de fome, de choque, na vertigem do toque. Deixo-te ir e nunca corro atrás porque te quero sempre comigo, porque de ti não fujo mais, subo a paredes caiadas em vácuo que caem no mar, arrasto redes na ilusão de te captar as sedes, num cheiro, num sopro, quase num estrondo o verbo que desisto de contornar.
Uma vida sem sal, de contenções e convenções, de limites e regras, de cuidados exacerbados, a que sabe? Sabe a coisa nenhuma, a frustração, sabe a dúvidas e receios, a espartilhos e a cintos de castidade. Sabe a papel velho e mortiço, sabe a planos engelhados, a brasas apagadas e esterilizadas emoções. Que não se poupe no sal da vida, no sentir e mostrar. Modere-se tudo menos os sentimentos em erupção, a apatia insossa nunca será opção. Mesmo que a sede se instale, que assim se multiplicam os prazeres, o do sal e o da água fresca em resposta, a acicatar. Qualquer doçura com uma pitada de sal ganha volume e delícia, espessura, a sensualidade dum pó de malícia. Sejamos volúpia de línguas e de lábios, sejamos oceano na imensidão, peito aflito da cor opaca do infinito. Sejamos protagonistas de beijos sedentos, gelados, na pele salgada, nas bocas carnudas de paixão.
Não me peçam para ser brisa obediente e contida. Sou vendaval, sou Ventania. Sou alvoroço sem rédeas nem gaiolas. Sou aquela que abre todas as jaulas e que liberta os prisioneiros dos grilhões de si próprios. Não me peçam a paz enquanto houver tiranos, eu serei a que degola os amos. Não esperem que consigam domar ou dominar-me, só eu sou dona de mim. Sou a mais doce que vira fera, com tanto de calmaria como de revolução, com igual dose de mel e de bagaço, embriagada e ática incógnita à toa na imensidão. Sei que tanto é demais, incomportável, que todos preferem açúcar puro, veneno maduro oculto, embrulhado em algodão.
Sou sal, sou cristal de vida e fogo, saio fora dos riscos e ignoro os mandamentos. Mesmo sem aqueles a quem pertenço ainda sei voar; sigo sozinha se preferem ficar, mas sigo triste, órfã de lar. Sou o fumo de que troçam, o carvão que os ensombrece, sem vaidade, o chiste que ninguém soube decifrar. Sou o supérfluo excesso dispensado, à cautela, para não entornar. Sou aquela que derrete o gelo, aquela que nunca esquece, a que arde nas feridas, cardápio de dores da alma. Sou a impossível de amar.

 

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Era o quarto dia consecutivo que via a mesma mulher vazia, no mesmo lugar à janela do mesmo comboio, de olhos marejados e pendurados no infinito, transbordantes de negro como a roupa que vestia. Olhava com cara fechada um pequeno monitor na palma da mão, de onde saíam, além de alguma coisa que lhe abria um buraco no peito e que sugava as ondas do mar, gaivotas, peixes e traineiras ao largo, uns auriculares que completavam o cenário de exílio. Ela não estava ali, naquela carruagem que largava o início da manhã, pontuada de sonos, risos e agruras de uma pequena tribo rumo às rotinas laborais, um ou outro turista madrugador a caminho de uma praia ainda quase deserta. Sentiu curiosidade e alguma pena da mulher. Ganhou fôlego, levantou-se e sentou-se a seu lado. Ofereceu o seu mais aberto sorriso, com a placa de cerâmica a restaurar a plenitude da confiança dos seus tempos de galã, quando a mulher desviou rapidamente a mochila azul do assento e o olhar do seu vizinho.

Tornou a virar a cara para a janela, sem emoção, voltou ao seu mar de silêncio encriptado pelas canções de amor e Revolução que lhe cantava o cantor maldito ao ouvido e colocou os óculos de sol que lhe prendiam o cabelo em frente a dois pingos finos que lhe salgavam o rosto. Poucos minutos depois, sentiu tocarem-lhe levemente no ombro. O mesmo sorriso de avô que havia visto antes, curtido pelo sol, com o conforto de um hálito ainda preso a uma caneca de cevada instantânea e torradas acabadas de fazer atreveu-se a falar-lhe com a intimidade de uma flecha certeira já alojada entre as costelas. "Oh menina, não esteja triste. A menina desculpe, mas tenho-a visto aqui desde segunda-feira, sempre com essa tristeza toda... É por causa de um rapaz, não é?..." Ela não conseguiu segurar meio sorriso e meio soluço, acenou com o queixo a tremelicar, como se lhe tivessem feito uma rasteira e estivesse em queda, já antecipando os dois joelhos esfolados no asfalto. "Eu vi logo... Menina, deixe-o ir. Oiça o que lhe digo! Se ele gostar de si não a deixa escapar, uma menina tão bonita... Amanhã trago-lhe uma prenda. Não tenha medo nem me leve a mal, eu tenho duas filhas como a menina, uma é mais velha, já tem dois cachopos pequenos." O idoso sorridente continuou a debitar a sua vida, a tornar-se próximo e amistoso com a facilidade que ela sempre admirava nas pessoas com este dom de comunicar com os outros com a naturalidade de amigos de infância. Falou dos netos e alguma coisa sobre umas férias nas termas, alguma outra coisa sobre doenças próprias da velhice que ela preferiu não escutar, apesar de parecer atenta. "(...) Vou sair nesta, mas amanhã trago-lhe a prenda. É uma flor, a menina gosta de flores, não gosta? Mas já chega de lágrimas, hã?! Até amanhã, menina!"
Ela ficou na dúvida sobre o que tinha ali sucedido. Se calhar só imaginou aquele monólogo, se calhar cedeu ao sono que combatia com ganas e alucinou, ou se calhar foi só mais um dos episódios surreais que lhe pontuam a existência de quando em vez, só para recordar que as improbabilidades acontecem e desafiam a lógica, só para recordar que o inesperado pode ser o que falta para restaurar esperanças afogadas ou pode também ser a certeza de que a tragédia é a mais garantida forma de virar os enredos do avesso.
Cansada dos bons conselhos, iguais a todos os que não seria capaz de seguir, exausta das pausas forçadas para retomar o que já não tem cura e nem chega a ter retoma, ponderou imobilizar-se a meio da linha. Nunca tinha  encontrado beleza na possibilidade de abraçar, de peito feito e com a paz de um sorriso torturado, toneladas de aço e ferro a deslizar poeticamente na inevitabilidade. Analisou as opções. Não saberia fingir que gostava de flores se estas não estivessem vivas, incapaz de se imaginar a sobreviver a uma mesma viagem que já repetira, a que já conhecia as curvas e contra-curvas, os declives e o chiar dos carris, cansada de a estação terminal ser sempre o mesmo destino de solidão, decidiu. Não mais voltaria àquele comboio. Aquela tinha sido a última viagem.

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No outro dia estava particularmente triste e desencantada com a vida em geral e desactivei a página, o perfil, coloquei o blogue privado. Quase ninguém notou, quem notou achou que o tinha bloqueado (haja paciência). Encontro-me numa fase complicada em termos pessoais e a questionar uma série de opções, nomeadamente em relação ao que escrevo. Às vezes tenho vontade de fechar portas e fazer um interregno ou mandar tudo às urtigas. Outras vezes tenho vontade de acabar com o anonimato e passar a assinar tudo com o meu nome real (não, não é Sofia), mas sei (porque já o fiz antes) que uma liberdade não compensa a castração do outro lado e se o vier a fazer deve ser insanidade temporária, que sei bem que ter um nome real faz com que acresçam as expectativas e as responsabilidades, e aqui prefiro ser moderadamente inconsequente. Aqui posso carpir dores e usar o coração estilhaçado para procurar sentido nas palavras sem ter que fazer um esforço extra para contornar questões incómodas e privadas, posso dizer tudo sem ser castigada pelo excesso de sinceridade.

Não está fácil de gerir e é possível que isto fique meio morto por uns tempos. Achei que não devia só desaparecer, fazer ghosting mesmo num blogue é feio e há por aí pessoas de quem gosto muito, mesmo sem as conhecer a 3D (não interessa mesmo nadinha) e me merecem uma explicação. Aqui está ela. Não morri, não fui raptada por aliens, ando só triste e com oscilações de humor que pode ser melhor manter à parte deste universo. Até já!

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Da próxima vez
Que eu voltar a cair
Se me vires a insistir
Não olhes p'ra trás

Eu não vou estar em mim
Se te quiser mais uma vez
Mesmo que diga que é de vez
Vou estar a mentir

E se eu disser que foi tudo confusão
Não falo com o coração, não falo com o coração
E se eu disser que ainda não é tarde
Não é amor, não é verdade

E se eu tiver ainda saudades
Deixa-me curar a ferida que arde
Deixa-me ficar com as melhores memórias
Acabou-se a história
Não olhes p'ra trás

E se eu disser que foi tudo confusão
Não falo com o coração, não falo com o coração
E se eu disser que ainda não é tarde
Não é amor, não é verdade
Não é verdade

E se eu tentar falar contigo para voltar
Não há volta a dar
Se eu me iludir que te vou perdoar
Não vale a pena acreditar

E se eu disser que foi tudo confusão
Não falo com o coração, não falo com o coração
E se eu disser que ainda não é tarde
Não é amor, não é verdade
Não é verdade

E se eu disser que foi tudo confusão
Não falo com o coração, não falo com o coração
E se eu disser que ainda não é tarde
Não é amor, não é verdade
Não é verdade

Parece que já não há mais estrada p'ra andar.

 

Não sei se é definitivo ou não, já não sei de nada, mas sei que por agora não me apetece continuar com o blogue e outras coisas. Não se deve pôr sal nas feridas, sobretudo quando elas estão abertas.

 

 

 

Obrigada a todos quantos foram lendo e apoiando, num ou noutro momento, ou sempre, dentro e fora da blogosfera. Não teria, mesmo, valido a pena sem vocês.

 

 

 

Um grande abraço para cada um de vocês,

 

 

 

Viajante Intemporal, Pipoca dos Saltos Altos, Rafa, Closet, miúda*, Carla Ferreira, Mulher Certa, Starkhyel, Mar Ta, Sir Jon White Smith, Patrícia, João Tiago, Estadista de Algibeira, Amiana Li, Cláudia Oliveira, Francisco, Phoebe, Sílvia, Pequeno Ouriço, Cátia, Beagle, Pedro de Paris, One Guy Alone, Ondine, Monóloga, Maria Ferreira, Sandra, Eva, Lily Braun, CRS, João, Gualter Ego, efoi, Fausto, limoeselimonadas, PaperLife, Lia, Segredos, Vegan Wolf, Tanita, vultus, Sara Maria, Piolho Sintético, Pólo Norte, Folhas Perdidas, o meueudepapel, anónimos fofinhos, todos os de que agora não me estou a lembrar e até ao Parvalhão e ao Blue Hotel.

Consegui contigo, como nunca antes tinha conseguido, visualizar o futuro das imagens que me plantaste. Nós dois a correr mundo de mãos dadas e sorrisos ao alto, a chegada dos bebés que tanto me pedias, os nossos abraços cada vez mais estreitos, os sorrisos cada vez mais cúmplices, envelhecermos juntos no campo, na quietude que tanta falta nos faz. Visualizei netos a ouvirem embevecidos a nossa história, a mais linda de todas, passeios de bicicleta com aquele perfume do nosso rio, milhares de disparos de obturador a perpetuar o que foi nosso desde sempre, os passos gigantes nas promessas que nos fizémos.


Vi claramente todas as imagens.


E acreditei que seria assim. Tu fizeste-me acreditar. Tinhas a certeza, repetias. Era o nosso destino, que escolhemos de entre todos por ser o mais bonito, o mais certo, o único feito de luz.


 





Se já nem na minha cabeça podia confiar, se o nosso filme foi cortado e a bobine quebrou, que mais podia eu fazer?


No, you weren't for real. You should have told me.

 



 

Não mesmo. Podem fechar-se portas, podem quebrar-se os elos virtuais, pode fingir-se que nunca aconteceram os telefonemas aflitos, de preocupação e de carinho, pode nunca mais ter-se entornado uma palavra honesta, podem queimar-se as fotografias, pode seguir-se em frente de queixo muito erguido e sem olhar para trás. Poder, pode. Mas o que somos é também o que fomos uns para os outros. Era mais bonito trocar um sorriso e fazer de conta que tudo está sanado, desejar feliz ano novo e mandar sms de parabéns, era. Mas talvez porque isso nunca faria jus ao que foi, talvez porque tenha sido tão mais bonito, talvez porque se dermos bem conta da ocorrência sente-se-lhe a falta. Bonito é guardar as pessoas bonitas, mesmo que a estória não tenha tido um final bonito, ainda não.


 

Sabes, P., quanto mais tempo passa maior é a certeza de que sempre gostaste (muito) mais de mim do que quiseste admitir. Não importa agora, depois de tudo, claro que não, agora sorrio-te por cima de todas as dores. Nem muda nada na inexistência hipotecada dum nós. As tuas incoerências agudizam-se, maiores que a tua vontade. Nunca me perdeste o rasto, nunca te fui indiferente, não adianta que negues. Continuas a preocupar-te comigo, e não só por sentimento de culpa, que o tens, e bem. E é bom sabê-lo. É bom saber que não estive sempre louca e que a realidade que queria ver, sem provas para além de mim e de ti, não era completamente fruto da idealização. E talvez devesse dizer-te que, apesar de todo o mal que nos trouxemos, toda a dor gelada que me causaste, ciente dela (só nunca da sua dimensão, isso não, nunca a poderias imaginar), todos os mares que chorei, não há, não pode haver, nem quero que haja, esponja que ilibe toda a verdade, que sempre está pendurada nos nossos olhos. Nunca deixei, nunca deixarei, de te gostar, profundamente (da pessoa que és, repeti tanto isto), de te respeitar, de te admirar, de todas as maneiras que sempre te disse e que não tornarás a encontrar. Esta sou eu. Eu, a mesma que nunca chegaste a conhecer inteiramente. A que andou perdida de si enquanto te procurou num reflexo qualquer. Continuo a querer-te muito bem, o melhor... Ao longe, sem farpas. Continuo a dizer-te sempre e nunca. Sabes?