Os destaques do sapo, em repeat: o casal mistério, a Maria das palavras, deixem o indie em paz, Cláudia Oliveira, a mini saia da Mónica Lice. Mais alguns, com alguma novidade, mesmo que tenham palavrões, mesmo que tenham muitos erros ortográficos. Também já destacaram este anti blogue 3 vezes, por acaso com posts fraquinhos e assuntos irrelevantes.
É só a mim, que sou da velha guarda disto dos blogs, que parece que isto antigamente era um bocado diferente?
[Sim, é uma crítica, e se me conhecessem teriam a certeza de que sou imparcial. É que não só eu passei por aquela casa (outro piso, mas a mesma casa) como estou sempre a defender as qualidades da plataforma, da equipa, a recomendar. Mas agora, não sei se será efeito da silly season ou algo mais profundo, neste aspecto estão a falhar.]
Entristece-me ter sido cá que sucederam a vitória sionista, o regresso à glorificação da música de PVC, o regresso injusto de Portugal à cauda da tabela de classificações. Mas entristece-me mais constatar uma série de pontos que acusam a podridão televisionada e narrada em tons de rosa deste mundo.
Abordar a Eurovisão como se a política lhe estivesse alheia
A Eurovisão sempre foi e sempre será uma extensão reflexiva da política e, em particular, do carácter capitalista do certame. Desde a afirmação de uma espécie de geopolítica unificada, de estados muito próximos e com filosofias e culturas comuns (o que seria uma manifestação inequívoca da globalização, se fosse verdade), ao trabalho escravo, perdão, voluntário, de que um evento que movimenta milhões se faz valer (seria possível ser mais evidentemente neo-liberal?), à garantia de um lugar na final por parte dos estados que maiores contribuições financeiras disponibilizam, às votações por simpatia/proximidade/interesse, às vitórias (já lá vamos), absolutamente tudo na Eurovisão é política. Como tudo na vida é política (sim, pareço um disco riscado, bem sei).
O politicamente correcto
O incidente que ocorreu na actuação da representante do Reino Unido, em que um jovem subiu ao palco, tirou o microfone das mãos da cantora e disse "nazis of the UK media, what about freedom?" passou pelos intervalos da chuva. A realização do programa esteve impecável, mostrou imagens do público e rapidamente substituiu o microfone, a concorrente também continuou a sua actuação sem se deixar perturbar, e o espectáculo seguiu sem hesitações. Não se fala sobre o assunto. Varre-se para baixo do tapete os temas importantes e passíveis de clivagem ou agitação política. A admoestação a Salvador Sobral o ano passado, por ter levado a t-shirt a dizer S.O.S. Refugees, não foi um acaso. E caso tenha passado despercebido a alguém, o comentário da vencedora "next year in Jerusalem", muito menos. Curiosas coincidências, não é? E ainda mais curioso que o benefício seja sempre colhido do mesmo lado, o lado das grandes potências assassinas financiadas pelos mesmos do costume.
As micro-manifestações de xenofobia
A Austrália e Israel participam do Festival Eurovisão da Canção e isso parece fazer comichão a muita gente, só porque não são europeus. Ora, vamos lá ver. Antes de destilar fel, um pouco de informação não magoa ninguém. A organização não tem relação com a União Europeia, mas sim com a EBU/UER, União Europeia de Radiofusão, que integra países europeus, do médio oriente e norte-africanos, bem como outros países com o estatuto de membro associado, como é o caso da Austrália.
[O estado de Israel (que nem devia ser reconhecido como estado, dado o seu carácter colonizador, ocupacionista, fascista, xenófobo, criminoso) não me merece um pingo de consideração. Mas o estado e as pessoas não são equivalentes e há muitas pessoas israelitas que não se revêem nas acções genocidas. Não foi, de todo, o caso, mas o representante de um estado no evento não é necessariamente reprodutor das barbaridades perpetradas pelo mesmo.]
As macro-manifestações de xenofobia
Sabiam que a bandeira da Palestina é proibida no terreno de organização da Eurovisão? Pois é, a propaganda sionista que se fez valer este ano de quantidades massivas de pinkwashing nunca será suficiente para ocultar a verdade. celebração da diversidade e empoderamento e tal, ao mesmo tempo que a faixa de Gaza continua a ser bombardeada, o genocídio, apartheid, ocupação e colonização continuam, diariamente, a fazer vítimas de todas as idades entre um povo massacrado, torturado e roubado de tudo. Glorificação da intérprete sionista que em 2014 pertencia à Marinha israelita e se orgulha de ter servido a mesma, quando esta Marinha perpetrou mais um massacre do povo palestino.
O machismo em cada canto
Por onde começar? Pelas ofensas à figura e ao corpo da candidata israelita, pela sua comparação a Assunção Cristas com cortisona ou a uma galinha? Pelos comentários às pernas e decotes das quatro apresentadoras? Pelos elogios à canção cipriota "ouvida em silêncio"? Tantas belíssimas oportunidades de deixar a eloquência do silêncio tomar a palavra. Como se tudo isso não bastasse, a vitória de uma canção péssima, com uma letra paupérrima, e fazê-la passar por emancipação feminina.
A qualidade musical, ou falta dela
Sendo a Eurovisão um jogo de interesses revestido de certame musical, quem segue por apreciar a música tem de ter um coração (e ouvidos) fortes para suportar crimes acústicos do calibre de alguns que passam pelo evento. Pessoalmente, costumo seguir pela música e pela política, sendo que a primeira ganhou novo alento o ano passado, com a canção esmagadoramente bela dos manos Sobral. Deste ano, os momentos musicais de qualidade não se estenderam muito além do fado de Mariza e Ana Moura, de Sara Tavares, Maya Andrade, Salvador Sobral e as pianadas incríveis de Júlio Resede e o dueto com Caetano Veloso. Desculpem bater mais no ceguinho (fascista sionista, neste caso), mas a composição vencedora de 2018 é só mais um perfeito exemplo do péssimo que se faz na música pop. Não bastando a espécie de apropriação cultural asiática com o kimono, os maneki-neko e a alusão óbvia à Bjork, o cacarejar electrónico de letra ridícula e pobrezinha completam o panorama da mediocridade.
2019
Para 2019, faço votos que exista um boicote internacional sério à realização do evento em Jerusalém e que seja significativamente mais bem sucedido que a tentativa de boicote deste ano com a campanha #zeropoints.
Na altura o blogue estava noutra plataforma, mas o camarada autor viu a luz e mudou-se recentemente para esta espécie de "margem certa" que são os blogues do Sapo: #PensamentoVilela
Mantenho tudo o que disse na altura. "A massa cinzenta do autor fervilha (quase sempre) na direcção certa, bem à esquerda, como não podia deixar de ser. Recomendado a quem gosta de ser desafiado intelectualmente e por vezes ofendido." Atentem, subscrevam, comentem, que este é dos que valem realmente a pena e tenho para mim que ainda vai dar muito que falar.
Mais para ler
Há menos de quatro meses escrevi este texto, imediatamente após a trágica (e evitável) noite dos incêndios em Pedrógão Grande que vitimaram 64 pessoas.
Lamentavelmente, hoje e após mais 36 vidas perdidas poderia escrever as mesmas palavras, não fossem as agravantes que são agora ainda mais visíveis e impossíveis de ignorar.
É certo que a mera demissão de governantes é manifestamente insuficiente para resolver o que quer que seja. Seria, contudo, o mínimo expectável como acto de decência perante mais uma calamidade. Como acto de humildade, de reconhecimento da incapacidade de ter feito melhor para evitar nova tragédia idêntica à de Pedrógão Grande em menos de quatro meses. As vítimas não serão ressuscitadas com demissões, mas merecem pelo menos esse respeito. Decretar dias de luto e estado de calamidade não chega. O aproveitamento político das tragédias é imoral em todos os casos, mas é igualmente inadmissível que se tratem estas situações dramáticas e completamente atípicas apenas como infelicidades inevitáveis e impossíveis de prever, fruto de condições climáticas da responsabilidade exclusiva da "mãe natureza". Mais do que (mas também) demissões, fazem falta explicações, responsabilização, planos de acção imediatos e planos de prevenção a curto e médio prazo, comunicação imparcial e transparente.
A reacção da sociedade civil, que raramente vai além das conversas de café e das partilhas de fotografias e frases feitas nas redes sociais, também está muito longe de chegar ou sequer fazer alguma diferença. Na Galiza morreram 4 pessoas e foram paradas universidades e convocadas manifestações em várias cidades. Há toda uma poética diferença entre ver 40.000 likes ou 40.000 pessoas nas ruas a exigir respostas e responsabilidades. Um like não é um voto ou um cidadão, é um mero clique. Um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa, não deixa dúvidas de que é também um voto e de que é também uma pessoa, a exigir contas pelos seus e capaz de fazer frente ao poder instituído.
E nós, Portugal? Até quando vamos continuar a ser indignados nas redes sociais e abstencionistas nas urnas?