[Crónica publicada no Repórter Sombra.]
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[Crónica publicada no Repórter Sombra.]
Entristece-me ter sido cá que sucederam a vitória sionista, o regresso à glorificação da música de PVC, o regresso injusto de Portugal à cauda da tabela de classificações. Mas entristece-me mais constatar uma série de pontos que acusam a podridão televisionada e narrada em tons de rosa deste mundo.
A Eurovisão sempre foi e sempre será uma extensão reflexiva da política e, em particular, do carácter capitalista do certame. Desde a afirmação de uma espécie de geopolítica unificada, de estados muito próximos e com filosofias e culturas comuns (o que seria uma manifestação inequívoca da globalização, se fosse verdade), ao trabalho escravo, perdão, voluntário, de que um evento que movimenta milhões se faz valer (seria possível ser mais evidentemente neo-liberal?), à garantia de um lugar na final por parte dos estados que maiores contribuições financeiras disponibilizam, às votações por simpatia/proximidade/interesse, às vitórias (já lá vamos), absolutamente tudo na Eurovisão é política. Como tudo na vida é política (sim, pareço um disco riscado, bem sei).
O incidente que ocorreu na actuação da representante do Reino Unido, em que um jovem subiu ao palco, tirou o microfone das mãos da cantora e disse "nazis of the UK media, what about freedom?" passou pelos intervalos da chuva. A realização do programa esteve impecável, mostrou imagens do público e rapidamente substituiu o microfone, a concorrente também continuou a sua actuação sem se deixar perturbar, e o espectáculo seguiu sem hesitações. Não se fala sobre o assunto. Varre-se para baixo do tapete os temas importantes e passíveis de clivagem ou agitação política. A admoestação a Salvador Sobral o ano passado, por ter levado a t-shirt a dizer S.O.S. Refugees, não foi um acaso. E caso tenha passado despercebido a alguém, o comentário da vencedora "next year in Jerusalem", muito menos. Curiosas coincidências, não é? E ainda mais curioso que o benefício seja sempre colhido do mesmo lado, o lado das grandes potências assassinas financiadas pelos mesmos do costume.
A Austrália e Israel participam do Festival Eurovisão da Canção e isso parece fazer comichão a muita gente, só porque não são europeus. Ora, vamos lá ver. Antes de destilar fel, um pouco de informação não magoa ninguém. A organização não tem relação com a União Europeia, mas sim com a EBU/UER, União Europeia de Radiofusão, que integra países europeus, do médio oriente e norte-africanos, bem como outros países com o estatuto de membro associado, como é o caso da Austrália.
[O estado de Israel (que nem devia ser reconhecido como estado, dado o seu carácter colonizador, ocupacionista, fascista, xenófobo, criminoso) não me merece um pingo de consideração. Mas o estado e as pessoas não são equivalentes e há muitas pessoas israelitas que não se revêem nas acções genocidas. Não foi, de todo, o caso, mas o representante de um estado no evento não é necessariamente reprodutor das barbaridades perpetradas pelo mesmo.]
Sabiam que a bandeira da Palestina é proibida no terreno de organização da Eurovisão? Pois é, a propaganda sionista que se fez valer este ano de quantidades massivas de pinkwashing nunca será suficiente para ocultar a verdade. celebração da diversidade e empoderamento e tal, ao mesmo tempo que a faixa de Gaza continua a ser bombardeada, o genocídio, apartheid, ocupação e colonização continuam, diariamente, a fazer vítimas de todas as idades entre um povo massacrado, torturado e roubado de tudo. Glorificação da intérprete sionista que em 2014 pertencia à Marinha israelita e se orgulha de ter servido a mesma, quando esta Marinha perpetrou mais um massacre do povo palestino.
Por onde começar? Pelas ofensas à figura e ao corpo da candidata israelita, pela sua comparação a Assunção Cristas com cortisona ou a uma galinha? Pelos comentários às pernas e decotes das quatro apresentadoras? Pelos elogios à canção cipriota "ouvida em silêncio"? Tantas belíssimas oportunidades de deixar a eloquência do silêncio tomar a palavra. Como se tudo isso não bastasse, a vitória de uma canção péssima, com uma letra paupérrima, e fazê-la passar por emancipação feminina.
Sendo a Eurovisão um jogo de interesses revestido de certame musical, quem segue por apreciar a música tem de ter um coração (e ouvidos) fortes para suportar crimes acústicos do calibre de alguns que passam pelo evento. Pessoalmente, costumo seguir pela música e pela política, sendo que a primeira ganhou novo alento o ano passado, com a canção esmagadoramente bela dos manos Sobral. Deste ano, os momentos musicais de qualidade não se estenderam muito além do fado de Mariza e Ana Moura, de Sara Tavares, Maya Andrade, Salvador Sobral e as pianadas incríveis de Júlio Resede e o dueto com Caetano Veloso. Desculpem bater mais no ceguinho (fascista sionista, neste caso), mas a composição vencedora de 2018 é só mais um perfeito exemplo do péssimo que se faz na música pop. Não bastando a espécie de apropriação cultural asiática com o kimono, os maneki-neko e a alusão óbvia à Bjork, o cacarejar electrónico de letra ridícula e pobrezinha completam o panorama da mediocridade.
Para 2019, faço votos que exista um boicote internacional sério à realização do evento em Jerusalém e que seja significativamente mais bem sucedido que a tentativa de boicote deste ano com a campanha #zeropoints.
Há menos de quatro meses escrevi este texto, imediatamente após a trágica (e evitável) noite dos incêndios em Pedrógão Grande que vitimaram 64 pessoas.
Lamentavelmente, hoje e após mais 36 vidas perdidas poderia escrever as mesmas palavras, não fossem as agravantes que são agora ainda mais visíveis e impossíveis de ignorar.
O secretário de Estado da Admninistração Interna, Jorge Gomes, diz que as populações têm de ser proactivas e não depender dos bombeiros e aviões para se protegerem. Houve, na noite de dia 15, populações isoladas sem conseguirem contactar o 112, o 117 ou os bombeiros locais. Houve pessoas (PESSOAS, não eucaliptos ou pinheiros) que morreram a tentar, proactivamente, proteger vidas, casas e bens. 80% do Pinhal de Leiria ardeu. 523 ignições num só dia.
A Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, não se demite e o Primeiro-Ministro António Costa reforça que estamos em tempo de soluções e não de demissões.
É certo que a mera demissão de governantes é manifestamente insuficiente para resolver o que quer que seja. Seria, contudo, o mínimo expectável como acto de decência perante mais uma calamidade. Como acto de humildade, de reconhecimento da incapacidade de ter feito melhor para evitar nova tragédia idêntica à de Pedrógão Grande em menos de quatro meses. As vítimas não serão ressuscitadas com demissões, mas merecem pelo menos esse respeito. Decretar dias de luto e estado de calamidade não chega. O aproveitamento político das tragédias é imoral em todos os casos, mas é igualmente inadmissível que se tratem estas situações dramáticas e completamente atípicas apenas como infelicidades inevitáveis e impossíveis de prever, fruto de condições climáticas da responsabilidade exclusiva da "mãe natureza". Mais do que (mas também) demissões, fazem falta explicações, responsabilização, planos de acção imediatos e planos de prevenção a curto e médio prazo, comunicação imparcial e transparente.
A reacção da sociedade civil, que raramente vai além das conversas de café e das partilhas de fotografias e frases feitas nas redes sociais, também está muito longe de chegar ou sequer fazer alguma diferença. Na Galiza morreram 4 pessoas e foram paradas universidades e convocadas manifestações em várias cidades. Há toda uma poética diferença entre ver 40.000 likes ou 40.000 pessoas nas ruas a exigir respostas e responsabilidades. Um like não é um voto ou um cidadão, é um mero clique. Um cidadão na rua, de corpo presente e voz activa, não deixa dúvidas de que é também um voto e de que é também uma pessoa, a exigir contas pelos seus e capaz de fazer frente ao poder instituído.
E nós, Portugal? Até quando vamos continuar a ser indignados nas redes sociais e abstencionistas nas urnas?
O problema dos lugares é que ficam tatuados nas memórias, acoplados aos cheiros, às emoções [coração no túnel, fora do peito], ao tacto, ao som de cada palavra [tuas dentadas, bochechas salgadas]. Não se consegue dissociar o lugar das memórias fortes, felizes ou infelizes, e isso gera toda uma expectativa inconsciente de que os lugares, só por existirem, asseguram para a eternidade os sentimentos que outrora testemunharam. Por isso se recomenda não voltar aos sítios onde já se foi feliz. O cérebro adora encontrar padrões na realidade que apreende e espera a reprodução daquela outra felicidade [os beijos de nuvem, boca macia de volúpia]; claro que o mais certo [o amor não é física, não se reduz a explicações nem a fórmulas matemáticas] é a realidade não encaixar na expectativa. Se a História se repete é por falha no guião, alheio à natureza mutável do mundo e dos homens [podia bem ser a tua mulher]. Culpa da memória que vai lapidando e erodindo as recordações, às vezes forjando algum pormenor [as tuas mãos nas minhas mãos, o meu nariz aninhado] ou submergindo-o por inteiro.
Insisto na teimosia [camarada]. Lugares há em que deambulo todos os dias, vão massacrando pela repetição da ausência, raspando ao de leve a pele com uma lixa suave e meiga [a tua barba negra, os caracóis], mais e mais, até a ferida aberta já não ter pele nem carne nem osso nem sangue nem vazio [fome de ti]. Comprarei um seguro contra desgostos. Uma mezinha para me untar, inteira, loção de aço, à prova de corações partidos e promessas de poesia [Teresinha]. Não tenho como atravessar os mesmos lugares de primeiros beijos [tão doces] e joelhos no chão, com os cacos espalhados, enterrados.
Como é que se esquece, como é que se cala, como é que se ignora que estamos a ir no sentido oposto - e não era nada disto que eu queria [à nora]? Caramba, como é que se respira?!
Olhar para o calendário consegue deixar-me ainda mais boquiaberta. Foram precisos apenas 20 dias (menos, bem menos) para questionar quase tudo. Do avesso, repito, foi o que me aconteceu. Virada do avesso.
Talvez tenha sido precipitação, mas já sou crescida o suficiente para não ter medo de mergulhar. Não sei mergulhar, não sei suster a respiração e desconheço os segredos das sereias lá no fundo dos oceanos, mas sei que os travões da razão não podem nada contra o sonho. É apenas e só pelo sonho que vamos, que ninguém se iluda. Se pudesse fazer chegar conselhos a mim própria numa viagem ao passado, dizia-lhe isso, em jeito de confirmação do que já sabia há muito e teimo em contrariar. Aliás, pudesse eu e espetava com essa verdade na minha própria tromba diariamente, com força, para doer.
Se o sonho se materializa, ali à tua frente, sem plano e sem rede, num qualquer Largo do Regedor, atira-te de cabeça. Não o deixes escapar, porque talvez nada volte a ser feito dos mesmos sonhos que aqueles, no mesmo plano terreno, porque não há outro daqueles e em havendo, que importa, se é aquele o teu sonho, o único que queres viver, com que queres ir à luta e mudar o mundo. Se o sonho te quiser beijar, não fujas. Beija-o com toda a vontade que tens - tanta!, como nunca antes tiveste. Agarra-te ao pescoço dele e não largues. Roça-lhe os dentes pela barba, agarra-lhe as duas mãos e diz o que estás a calar, até hoje. Faz todas as promessas que não podes fazer, dá por completo o que tens tanto medo de dar, aceita o que é bonito e genuíno - e teu se o quiseres. Sem garantias de nada, só com a subtil magia da antecipação de ter o mundo todo, ou tudo o que interessa do mundo, naquelas duas mãos que te querem, que te procuram desde sempre. Se te chamarem quando segues para norte, fica. Deixa de armadilhar o caminho enquanto dormes e de inventar desvios. Se acaso tiveres o privilégio de sentir o sonho a teu lado, tão real, de mãos dadas e com os lábios colados aos teus, não penses. É quando pensas demais que falas demais e dizes o que não queres para ouvir o que queres. Tão independente, tão aventureira e destemida em tudo o resto na vida, e encolhes-te toda quando o amor te puxa. Pensas que não é verdade, que não mereces, e borras-te toda com medos mil. Tanto tempo passado a lamentar fugas alheias e rejeitas o sentido disto tudo só porque vem numa hora difícil, sob formatos inéditos, com dificuldades acrescidas. Sabes bem que isso não vale, quando o fim vale muito mais. As Revoluções não se fazem sem vítimas. Venham os cravos. O que vale é o Sonho. Pelo sonho é que vamos. Cola-te ao sonho como se lhe pertencesses mais do que o sonho pertence a ti, cobre-o de beijos em rajadas, navega nas barbas dele, manda-o ao chão indefeso, entrelaça os teus pés nos dele, adormece-o com festas nos caracóis.
Isto é o que acontece quando se acredita na música, na poesia, na arte.
Isto é o que acontece quando se põe de parte o complexo de inferioridade que nos leva a imitar os demais, com a mesma fórmula já batida e enorme disparidade de meios.
Isto é o que acontece quando se tem orgulho no que se é, sem tentar ser outra coisa qualquer. É também o que acontece quando se vai a um festival de canções com uma canção, não com apenas uma imagem, ou com apenas uma exibição vocal, ou apenas efeitos especiais ou apenas uma boa voz com uma canção colada com cuspo.
E isto é também o que acontece quando se assume um discurso real, coerente, genuíno, sem embaraço ou pudor de dizer o que deve ser dito.
Isto é apenas o que temos de melhor.
"Music is not fireworks, music is feeling!"
Todo ele coração. Todo ele música.
Extraordinário. Fora de série!
Salvador Sobral é um portento. É muito mais que a lindíssima "Amar pelos Dois" que venceu o Festival Eurovisão da Canção 2017. Escutem aquela que é a minha canção favorita do primeiro álbum do Salvador, Excuse Me - Change.
Obrigada, Salvadorzinho. Além de se ter agravado a vontade que tenho de te dar beijinhos e fazer festinhas, tenho agora dois novos sonhos na vida:
1 - Ouvir-te no palco 1º de Maio, ou mesmo no palco 25 de Abril, na Festa do Avante.
2 - Ouvir-te em dueto com o Jorge Palma.
Seria a felicidade suprema, o êxtase total.
Ah, e ainda me fizeste ganhar uma aposta, um almoço num sítio muito catita - se quiseres podes vir também, não sou eu que pago!
Há duas coisas na vida de pelintra que se unem numa etiqueta cor-de-laranja: o combate ao desperício e a redução de preço.
O que é a etiqueta cor-de-laranja? É a etiqueta que, no meu supermercado de eleição, significa que o produto está com 30% de desconto por aproximação do prazo de validade. A maior parte dos super e hipermercados utiliza algum tipo de oferta ou promoção para escoar produtos com maior proximidade da data de validade, sejam os descontos directos em percentagem, os "leve 2 pague 1" ou outros.
Conheço (muitas) pessoas que quando determinado produto excede o prazo de validade simplesmente o deitam fora, e isto põe-me os cabelos em pé! Ora, se não está estragado, porque motivo se vai desperdiçar um produto que nos custou dinheiro, e que tanta falta faria aos milhões de pessoas que não podem consumir esse produto porque não o podem pagar (sim, há 800 milhões de pessoas que vivem abaixo do limiar de pobreza e 2 destes milhões são portugueses).
A imensidão de alimentos (e outros produtos) que são produzidos e não são consumidos são uma absoluta obscenidade. Se os produtos se estragam nas prateleiras dos supermercados ou nos meandros que vão desde o produtor à distribuição aos clientes finais, é outra conversa - e que também pode e deve ser corrigida, não só devido à insustentabilidade económica que causa em vários pontos, mas sobretudo devido ao desastre ecológico que implica o esforço supérfluo na produção (esforço esse que, não nos enganemos, é suportado por um só planeta e portanto responsabilidade de todos). Mas torna-se ainda mais obsceno, ridículo e irresponsável rejeitar produtos em excelentes condições apenas porque há uma data escrita na embalagem.
O que é a data de validade? Para começar, há que distinguir entre o que é uma data-limite, data a partir da qual a segurança alimentar do produto não é garantida, pelo que a sua comercialização não é permitida, e o que é o período de durabilidade mínima, que se traduz normalmente na indicação "consumir de preferência antes de", mas que não significa, de todo, que o produto deixe de estar em condições para ser consumido.
Em qualquer dos casos, se é um produto fresco que se planeia consumir nos próximos dias, porque não aproveitar o desconto? Por exemplo, os iogurtes e leite são quase sempre pasteurizados ou ultra-pasteurizados, aguentam perfeitamente vários dias ou mesmo semanas depois da data. Se estiverem estragados, vai notar-se a embalagem "inchada" e aí sim, deve rejeitar-se. Mesmo em se tratando de produtos que não se cosuma com brevidade, nos produtos que se podem congelar, esta é mais uma forma de estender (e muito!) a data de validade. É o que costumo fazer com a carne embalada, por exemplo.
Como em quase tudo na vida, há que pensar um bocadinho e recorrer ao bom-senso. Será que as pessoas que deitam fora os iogurtes a partir da data de validade pensam que os microorganismos dentro da embalagem se regem por um calendário e começam a reproduzir-se feitos doidos a partir daquela data? Ou não pensam de todo? Estou mais inclinada para a segunda opção - mas isso sou eu, que tenho mau feitio.
Mas... Não temos tempo. Para tudo, porque temos tempo para alguma coisa.
Para além de serem sempre os mesmos blogs, os mesmos temas, era mesmo necessário incluírem os posts cheios de erros ortográficos e vernáculo e até posts copiados (plagiados é demasiado forte), era?!
Será só da silly season?...
Destaque do Sapo outra vez! Obrigada, team Sapo!
(A malta só consegue dar conta a estas horas porque, ao contrário dos bloggers hiper-activos, a malta trabalha fora de casa.)