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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Dia 8 de Março é o Dia da Mulher e está convocada uma Greve Feminista Internacional. Tendo em conta os comentários que se vêem e ouvem todos os anos como reacção ao Dia da Mulher e, ultimamente, como reacção específica à greve, ou muita gente não faz ideia da realidade em que vivemos, ou o feminismo ainda é um bicho papão que mete muito medo ou é ostensivamente incompreendido por parte de muita gente. Vou então endereçar e tentar desmistificar, um por um, os comentários mais representativos ou caricatos sobre o tema.

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Feliz dia da Mulher! Toma lá uma flor!

Não se macem, homens, patrões, sindicatos. Algumas pessoas até podem gostar de flores, algumas mulheres até podem achar que este dia é uma oportunidade de celebrar alguma coisa, mas estão... Como dizer isto?... Errados! O Dia da Mulher é um dia de luta política, não é um dia festivo com o propósito de agradar as mulheres com uma florzinha condescendente. Não precisamos de flores ou de festas, precisamos de ser tratadas como pessoas plenas, em igualdade de circunstâncias e direitos com as pessoas que não são mulheres, todos os dias.

 

Se há o Dia da Mulher, porque é que não há Dia do Homem?

Porque dia do homem é todos os dias. Sem excepção, nem mesmo a 8 de Março. Porque é o homem o privilegiado na sociedade patriarcal, porque as relações de poder estão desequilibradas e o domínio ainda pertence (incrivelmente!) aos homens. Olhem em volta. Olhem para as pessoas em posição de poder, para a Assembleia da República, para ministérios e secretarias de Estado, para as Assembleias Regionais, para o poder municipal, para o poder judicial, para as forças de segurança, para as mesas de accionistas, para as listas dos mais estupidamente bilionários da Forbes, para as direcções de ONGs, colectividades e associações de estudantes; olhem para as televisões, para os jornais, para os oradores em congressos, simpósios e conferências. Olhem para a representação de géneros na ficção, filmes e livros, na publicidade, nas embalagens de fraldas a iogurtes. É por isto que não há nem deve haver mais um dia especial, além dos 365 do ano, para celebrar a masculinidade. Porque não é o homem que está oprimido, sub-representado, reduzido a elemento utilitário ou decorativo, condicionado. Porque não é o homem que é vítima de mutilação genital em mais de 27 países a bem da “tradição” de controlar e reprimir a sexualidade, porque não é ao homem que são imputadas as principais tarefas de cuidados e trabalho reprodutivo, porque não é o homem que sofre violências múltiplas sobre o seu corpo, desde os ideais de beleza a que é esperado que corresponda até às agressões sexuais e à violência no parto, porque não é o homem que está, estatisticamente, mais sujeito à precariedade no trabalho, porque não é o homem que tem um fosso salarial de cerca de 20% para superar, porque não é o homem que é constantemente julgado e avaliado pela sua aparência ou pela sua conduta íntima, porque não são os homens que são apalpados em sítios públicos vezes incontáveis ao longo da vida, porque não são os homens que constituem 86% das vítimas de violência doméstica, porque não é o homem que culpabilizado pelas agressões que sofre. Porque aos homens tudo é permitido e desculpável, porque a cartilha moral é muito mais permissiva para os homens. Porque as mulheres são todas umas putas, mas o pior que um homem pode ser é filho da puta.

 

O machismo já não existe, isso era dantes!

Claro que não existe. As mulheres portuguesas de hoje são umas sortudas! Já podem votar, conduzir, trabalhar fora de casa (além da jornada dupla e tripla na gestão do lar e enquanto cuidadoras da família - já lá vamos) e ganhar 80% do que ganham os machos! Uau! Já podem viajar sem autorização escrita do seu amo, marido ou pai. Até já se podem divorciar e, heresia, interromper uma gravidez indesejada sem terem de recorrer a serviços clandestinos sem condições de higiene ou segurança. A não ser que residam em um dos muitos países em que esta realidade ainda é uma miragem! Mas nós por cá já temos esse incrível avanço há séculos - não, afinal é só desde há menos duma dúzia de anos.

Só no século XVIII é que era possível morrerem doze mulheres às mãos de maridos, ex-companheiros e pais em pouco mais de dois meses. Foi obviamente na Idade Média que a justiça portuguesa deliberou que o adultério da mulher era um gravíssimo atentado à honra do homem, e que isso seria uma atenuante face à agressão violentíssima (com uma moca com pregos, em jeito de Neanderthal!) da mulher “pecadora” por parte do seu ex-companheiro e do ex-amante, numa bonita união da masculinidade tóxica despeitada. Foi há pelo menos quinhentos anos que o mesmo juiz misógino, que se sente lesado por quem diz que ele é misógino, retirou a pulseira electrónica a um homem que agrediu ao soco a sua companheira porque ele nem sequer usou de qualquer arma contundente, e afinal só provocou hematomas, escoriações e um tímpano destruído, mais agressões verbais que já nem contam (afinal ela já estava surda do lado esquerdo, provavelmente nem ouviu).

 

Mas a igualdade já está garantida por lei!

Está sim, na Constituição e tudo. E está muito bem, só que entre o que está escrito nas leis e o que acontece na realidade vai um bocadinho, coisa pouca (ver ponto anterior).

Por um lado, a paridade é uma ficção. Era excelente não serem necessárias quotas para garantir o equilíbrio de géneros nos cargos de poder, é claro que o acesso devia estar reservado a critérios de meritocracia. Só que a meritocracia é um mito e a paridade espontânea outro. Numa sociedade patriarcal e intrinsecamente machista, se isto não for regulamentado e efectivamente aplicado, a mudança que se prevê (diz um estudo) que demore cinco gerações a lograr demorará ainda mais. E convenhamos, já ninguém tem paciência para esperar mais para sair da Idade Média.

Por outro lado, a lei pode ser interpretada e usada em sentidos diversos, de acordo com o juízo dos que têm poder de fazer exercer a lei, como Portugal tem sido tão eficiente a demonstrar.

 

Até já há mulheres que ganham mais que os maridos! O que é que querem mais?

O drama, o horror. Como assim, ousam perverter uma relação de poder típica e trocar os tradicionais papéis de género? Isso não é natural! Na volta, lá em casa mandam elas e eles, coitadinhos e emasculados, ainda têm de cozinhar, passar e lavar o chão, que é uma tarefa que se sabe tipicamente de fêmea, enquanto as patroas vêem a bola ou saem com as amigas. E as que nem querem ter filhos, renunciando ao desígnio divino e à sua função primordial (única não, porque alguém tem de lavar a loiça)? Mais as que dormem com quem entendem, as que são mães solteiras por opção, as lésbicas, senhores! Hereges! É natural que as mulheres ganhem menos do que os homens, porque afinal dedicam-se menos ao trabalho, não é? É. As mulheres têm esse terrível handicap de não ter genitais masculinos e toda a gente sabe que a “dedicação ao trabalho”, ou a capacidade, ou a competência, residem no falo. Ou a capacidade de exercer trabalhos mais pesados fisicamente, que as mulheres são todas fraquinhas, como se sabe… Não deixa é de ser curioso que o trabalho intelectual também seja díspar nas retribuições, apesar de as pessoas com mais formação serem… as mulheres.

 

Eu ajudo a minha mulher em casa e quando é preciso até troco a fralda ao bebé!

Ah, esta belíssima constatação que normalmente se faz acompanhar da expectativa de elogios e palmadinhas nas costas, como se de um acto heróico ou extraordinário se tratasse. Homem: se também vives lá em casa, não se chama “ajudar”. Se comes todos os dias, fazer o jantar em dias de festa não conta como partilhar tarefas. Se és parceiro, trocar uma fralda quando a tua companheira está ocupada não é ser um excelente pai; é nem conseguir chegar ao mínimo indispensável. A partilha de tarefas domésticas significa que elas são, efectivamente partilhadas, de acordo com possibilidades, disponibilidades, energias. Partilha de tarefas domésticas é qualquer um fazer o que houver para fazer, simples como isso.

As inúmeras tarefas domésticas, os cuidados da família e de casa, da prole aos mais velhos, são trabalho fundamental à sustentação da sociedade como a conhecemos, mas tipicamente, trabalho não remunerado e invisibilizado, a cargo sobretudo das mulheres. Aparece feito, como por magia. E mesmo as funções de cuidados que são assalariadas, estão tipicamente associadas às mulheres: limpezas, refeitórios, educação infantil, geriatria. E estão também tipicamente associadas a condições contratuais precárias, a baixos salários… Até quando?

 

Agora qualquer desentendimento entre o casal é logo violência doméstica...

A naturalização da violência doméstica precisa de ser banida. A violência doméstica precisa de ser erradicada, ponto! Num país onde mais de metade dos jovens já sofreu violência no namoro e 67% acha normal alguma forma de violência (física, psicológica, sexual ou atitudes de controlo), onde a escalada de femicídios está a atingir proporções absolutamente assustadoras, onde 85% das queixas não seguem para acusação e as queixas serão uma pequena parte das situações de violência, onde as vítimas são sistematicamente culpabilizadas e os culpados são deixados em liberdade, não pode haver a mais pequena chance de assobiar para o lado e ignorar o problema. Decretar dias de luto não faz nada pelas vítimas. Violência doméstica é crime público, já não pode haver cabimento na máxima “entre marido e mulher não se mete a colher”! Basta! Quem cala ou tenta escamotear a verdade está a compactuar com o crime e isto não pode ser tolerado!

 

Mas nem todos os homens!…

Claro que nem todos os homens são agressores, claro que nem todos os homens são machistas e nenhuma feminista em usufruto de plenas competências intelectuais acusa todos os homens de serem agressores ou machistas. Mas obrigada por frisarem o óbvio, não acrescentando rigorosamente nada ao tema e ocupando o espaço público com a vossa indignação inédita, desviando a atenção do que realmente interessa. Esta coisa do #notallmen é uma flagrante questão de ego. Tão acostumado que está a achar-se no direito de ter algo a dizer, a interromper, a ter a atenção e a palavra ainda que o assunto não lhe diga respeito, o pobre macho sente-se ameaçado no seu privilégio se alguém fala da sua tribo masculina sem criar a excepção em seu nome. O que a esmagadora maioria dos homens não entende é que é o seu lugar privilegiado na sociedade enquanto homens (sobretudo se forem ricos, brancos e heterossexuais) que os faz cair no ridículo de se sentirem melindrados com acusações justas para com os homens agressores e machistas. Senhores, para o “nem todos os homens” (#notallmen) é que já não há pachorra! Já muito ajuda quem não atrapalha, portanto queiram fazer o favor de se absterem quando não têm nada a acrescentar.

 

Vestida daquela maneira/à noite sozinha/estava a dançar com ele, o que é que ela queria?

Queria divertir-se, queria beber e dançar como as outras pessoas sem ser assediada, apalpada ou violada, sem ser agredida. Queria ser tratada com respeito, queria não ser alvo de juízos de carácter por fazer com o seu corpo o que bem entende, queria não receber assobios e propostas sexuais de desconhecidos, queria não ser assediada no trabalho, queria ter o mesmo salário e oportunidades que têm os homens seus colegas. Queria andar sozinha de noite sem ter medo de ser atacada. Queria não viver numa sociedade em que a cultura do estupro é dominante. Queria só ser respeitada e ter o mesmo tratamento que é genericamente dado às pessoas sem vulva. Queria não ser alvo do anedotário nacional que relaciona uma derrota do clube de futebol do agressor com a consequente surra na esposa, como se a correlação fosse aceite tacitamente como justificação. Queria não ser parte das estatísticas que apontam as mulheres como 80% das vítimas de violência doméstica e 90,7% das vítimas de crimes sexuais. E é também por causa deste flagelo que é muito necessário ter um Dia da Mulher e fazer uma Greve Feminista. Repitam comigo: as mulheres não são objectos, são pessoas.

 

Greve?! As greves só podem ser convocadas por sindicatos!

Esta Greve sustenta o nome por ser um evento internacional e que pretende ser uma expressão massiva de contestação social. Há países em que a mobilização em anos anteriores já juntou nas ruas milhões de pessoas (com e sem vulva)! Em 2018, só em Espanha foram sete milhões. Vejam bem que até cá no burgo da retaguarda da Europa, já há (poucos, poucochinhos e tão insuficientes) sindicatos temerários que foram buscar coragem política onde os seus pares não a vislumbram e fizeram o pré-aviso de greve. Os restantes continuam, aliás, a perpetuar o status quo e a “premiar” as trabalhadoras com flores, como se houvesse lugar a algum tipo de celebração ou como símbolo de uma espécie de fragilidade decorativa das mulheres nos locais de trabalho, o que rejeitamos com veemência. Poupem-nos a semelhantes manifestações de “solidariedade”, que aliás são utilizadas precisamente pelas entidades patronais - sim, as mesmas que cavam o fosso salarial que coloca as mulheres a laborarem sem remuneração por 58 dias anuais em comparação com os homens.

Se é esta fraca colaboração que a grande maioria dos sindicatos tem para oferecer às mulheres trabalhadoras, não são parte da solução, mas são indubitavelmente parte do problema - que é como quem diz, do sistema.

 

Mas não se pode convocar uma greve só para mulheres!...

Obviamente que não. Numa greve contra a discriminação, não são só as mulheres que devem lutar pelos seus direitos, mas todas as pessoas que acreditem que as pessoas que não se identificam como machos não são pessoas de segunda categoria. (A sério que é preciso explicar isto?!) Não existe guerra dos sexos, o movimento feminista quer acabar com o patriarcado, não com os homens. Aliados são bem-vindos e necessários. Os aliados que recusam perpetuar o sistema que lhes confere o privilégios múltiplos e lutam lado a lado com as mulheres, sem se sobreporem à sua voz, por um mundo mais justo para todos, são valiosos e bem-vindos.

 

Como é que posso juntar-me à Greve Feminista?

A greve almeja um abalo suficientemente forte nas opressões sistémicas para que o sistema mude de facto, e assenta em quatro eixos: greve ao trabalho assalariado, greve estudantil, greve aos cuidados e trabalho doméstico e greve ao consumo de bens e serviços.

Há várias formas de colaborar, sendo que fazer greve é a que encabeça a lista. A segunda melhor forma de ajudar é sair à rua e engrossar a massa humana das manifestações que vão ocorrer em vários pontos do país - quantas mais pessoas na rua a reivindicar os direitos de todas nós, melhor. Depois, é ainda fundamental o apoio dos homens à greve, não só engrossando os espaços de luta como também substituindo as mulheres nas suas tarefas domésticas e de cuidados, porque há muitas pessoas dependentes dele.

Se as mulheres param, o mundo pára.

O ano passado escrevi este texto para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Passados 364 dias, a minha visão de mulher adulta num país europeu no século XXI não se alterou um milímetro, o que me entristece profundamente.

 

O meu texto continua, um ano depois, a estar ali em cima nos "destaques" do blogue. O tema parece-me muitas vezes só ser recordado a 8 de Março, perdendo fôlego no resto dos dias. Os direitos fundamentais das mulheres continuam a ser atacados e, parece-me, com maior leviandade, ou menor pudor, neste mundo desfasado em que os radicalismos imbecis ganham terreno um pouco por todo o mundo. O líder democraticamente eleito do mais poderoso país do mundo vangloria-se de poder "agarrar as mulheres pela rata", enquanto na casa-maior da democracia europeia (que não tem consagrado o direito a licença de maternidade nos seus estatutos) o eurodeputado polaco Korwin-Mikke defende que as mulheres devem ganhar menos do que os homens porque, segundo ele, são "mais fracas, mais pequenas, menos inteligentes"

 

 

Tudo isto não é "só" absolutamente execrável e ofensivo para todas as pessoas dignas desse nome, como é uma absoluta falta de vergonha na cara destes anormais e de todos quantos não se insurgem contra a propagação do ódio. É a glorificação da estupidez. É a João-Braguização do mundo (este nem link merece, toda a gente sabe do que estou a falar).

 

É, no fundo, um terrorismo tacitamente aceite, institucionalizado, quase um dado adquirido, de tão presente que está em todo o lado, nas nossas casas, nas nossas empresas, na Assembleia da República, nos jornais e televisões, nos Tribunais, nas Forças Armadas...

 

Nada do que digo é novidade, certo? Então, o que faz falta para mudar o mundo, para começar a equilibrar as diferenças e desafiar o status quo?

 

Faz falta perder o medo! Faz falta fazer voz grossa para nos fazermos ouvir e não termos pudor de exigir o que merecemos. Faz falta mudar as regras, a começar por cada uma de nós. Se o colega homem faz o mesmo trabalho que tu e recebe mais, é teu direito e tua obrigação lutar por um vencimento igual. Se o teu marido se senta no sofá e espera que o jantar apareça na mesa é teu dever mostrar-lhe que está em falta e gritar se for necessário para que ele faça a parte dele das tarefas domésticas. Se és mais qualificada para falar dum tema mas o jornal contactou o teu chefe para participar do debate, chega-te à frente e diz-lhes isso mesmo! Faz falta desafiar o mundo a ser melhor! Faz falta educar para ser justo e correcto. Faz falta varrer o preconceito! Faz falta boicotar todas as representações falocêntricas do mundo actual! Faz muita falta deixar de encolher os ombros perante as desigualdades.

 

Vamos lá quebrar as amarras, sem medo. Todos os dias!

No planeta em que eu vivo, milhões de mulheres (cerca de seis mil por dia!) são mutiladas enquanto adolescentes, cortam-lhes o clitóris, com uma faca, ou uma navalha, ou um pedaço de vidro, em nome da tradição, que em pelo menos 28 países pode ser sinónimo de castigo pelo azar de se nascer fêmea.

 

No planeta em que eu vivo, há raparigas que são ameaçadas, intimidadas e impedidas pela força, com tiros, se querem ir à escola, porque a educação é um direito que lhes é vedado.

 

No planeta em que eu vivo, são as mulheres que andam dezenas de quilómetros todos os dias para trazerem água e lenha para as suas aldeias (em África, 90% deste esforço é feito por mulheres, e a tarefa pode demorar até 8 horas diárias).

 

 

No planeta em que eu vivo, há crianças, meninas, que são vendidas aos seus futuros maridos por tostões, enquanto o horripilante mercado de tráfico humano movimenta pelo menos 800.000 mulheres e crianças por fronteiras internacionais para servirem enquanto escravas sexuais.

 

Neste planeta, o poder está, maioritariamente, nas mãos dos homens, tal como o acesso ao trabalho, à riqueza, aos direitos, à saúde, à educação. Em Portugal, para não variar, a situação é bem pior do que a média europeia.

 

No planeta em que eu vivo, é tristemente comum, no século XXI, milhares de mulheres nos ditos países desenvolvidos morrerem devido a maus tratos às mãos dos seus maridos e companheiros. Só em Portugal, em 2015, foram trinta e cinco, deixando órfãs quarenta e seis crianças. Neste mesmo planeta, muitas mulheres têm medo, têm vergonha, de fazer queixa e de pedir ajuda em casos de violência doméstica e de violação. O que se torna, em certa medida, compreensível, dados os casos de impunidade descarada, como aquele em que o violador de uma mulher grávida, sua paciente, sai impune porque não ficou provado que tivesse usado "demasiada violência"...

 

Pois, neste planeta onde eu tenho de viver, as violações são assunto corriqueiro e impune em algumas partes do mundo; perdão, em todo o mundo.

 

 

 

Eu vivo num planeta onde os empregadores, nomeadamente os meus, acham que no dia da mulher fica bem oferecer uma flor a cada funcionária, mas onde as condições de trabalho são distintas, tal como os salários e o acesso a certos cargos, para pessoas de um e de outro género. Na Europa, os salários médios das mulheres são 16% mais baixos do que os dos homens, e a diferença foi agravada com a crise económica. Aparentemente, vamos precisar de, pelo menos, mais 118 anos para as desigualdades económicas entre géneros se dissiparem. Legal ou ilegalmente, muitas mulheres perdem o emprego ou oportunidades na carreira pelo simples facto de engravidarem.

 

 

 

 



Infelizmente, este é o meu planeta. Por isso, às pessoas que dizem que o Dia da Mulher é uma tolice, que não faz sentido, que é um dia feito para as floristas venderem rosas e que "não há igualdade porque não há dia do homem", eu pergunto em que planeta vivem. É que gostava muito, mesmo muito, de viver num planeta em que não fizesse falta haver um dia da mulher.