O ano passado escrevi este texto para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Passados 364 dias, a minha visão de mulher adulta num país europeu no século XXI não se alterou um milímetro, o que me entristece profundamente.
Tudo isto não é "só" absolutamente execrável e ofensivo para todas as pessoas dignas desse nome, como é uma absoluta falta de vergonha na cara destes anormais e de todos quantos não se insurgem contra a propagação do ódio. É a glorificação da estupidez. É a João-Braguização do mundo (este nem link merece, toda a gente sabe do que estou a falar).
É, no fundo, um terrorismo tacitamente aceite, institucionalizado, quase um dado adquirido, de tão presente que está em todo o lado, nas nossas casas, nas nossas empresas, na Assembleia da República, nos jornais e televisões, nos Tribunais, nas Forças Armadas...
Nada do que digo é novidade, certo? Então, o que faz falta para mudar o mundo, para começar a equilibrar as diferenças e desafiar o status quo?
Faz falta perder o medo!Faz falta fazer voz grossa para nos fazermos ouvir e não termos pudor de exigir o que merecemos. Faz falta mudar as regras, a começar por cada uma de nós. Se o colega homem faz o mesmo trabalho que tu e recebe mais, é teu direito e tua obrigação lutar por um vencimento igual. Se o teu marido se senta no sofá e espera que o jantar apareça na mesa é teu dever mostrar-lhe que está em falta e gritar se for necessário para que ele faça a parte dele das tarefas domésticas. Se és mais qualificada para falar dum tema mas o jornal contactou o teu chefe para participar do debate, chega-te à frente e diz-lhes isso mesmo! Faz falta desafiar o mundo a ser melhor! Faz falta educar para ser justo e correcto. Faz falta varrer o preconceito! Faz falta boicotar todas as representações falocêntricas do mundo actual! Faz muita falta deixar de encolher os ombros perante as desigualdades.
Vamos lá quebrar as amarras, sem medo. Todos os dias!
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No planeta em que eu vivo, milhões de mulheres (cerca de seis mil por dia!) são mutiladas enquanto adolescentes, cortam-lhes o clitóris, com uma faca, ou uma navalha, ou um pedaço de vidro, em nome da tradição, que em pelo menos 28 países pode ser sinónimo de castigo pelo azar de se nascer fêmea.
No planeta em que eu vivo, é tristemente comum, no século XXI, milhares de mulheres nos ditos países desenvolvidos morrerem devido a maus tratos às mãos dos seus maridos e companheiros. Só em Portugal, em 2015, foram trinta e cinco, deixando órfãs quarenta e seis crianças. Neste mesmo planeta, muitas mulheres têm medo, têm vergonha, de fazer queixa e de pedir ajuda em casos de violência doméstica e de violação. O que se torna, em certa medida, compreensível, dados os casos de impunidade descarada, como aquele em que o violador de uma mulher grávida, sua paciente, sai impune porque não ficou provado que tivesse usado "demasiada violência"...
Infelizmente, este é o meu planeta. Por isso, às pessoas que dizem que o Dia da Mulher é uma tolice, que não faz sentido, que é um dia feito para as floristas venderem rosas e que "não há igualdade porque não há dia do homem", eu pergunto em que planeta vivem. É que gostava muito, mesmo muito, de viver num planeta em que não fizesse falta haver um dia da mulher.