Não ficarei tão só no campo da arte, e, ânimo firme, sobranceiro e forte, tudo farei por ti para exaltar-te, serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te dominadora, em férvido transporte, direi que és bela e pura em toda parte, por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que revoltam contra a escravidão. Não ficar de joelhos, que não é racional renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. O homem deve ser livre… O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre. E no entanto ele é em si mesmo a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer.
A cultura do estupro não é apenas um conceito abstracto usado no discurso feminista; pelo contrário, é uma das mais violentas e conspícuas manifestações do patriarcado vigente e, ao que tudo indica, é a norma que prevalece na sociedade portuguesa, que oportunamente, se vê a braços com um momento de depuração mais do que de clivagem.
Ainda se aguarda o resultado do processo disciplinar instaurado aos dois signatários daquele acórdão e já este ano nova decisão do Tribunal da Relação do Porto mostra inequivocamente de que lado está a justiça burguesa em casos de estupro. Uma jovem foi violada por dois homens na casa-de-banho de um bar em Gaia enquanto estava inconsciente, mas os Tribunais decidiram que, não só não se teria tratado de violação (!), apesar de ter sido provado a existência de relações sexuais com penetração e ejaculação por parte de pelo menos um dos agressores, como ainda que os agressores não representam perigo para a sociedade e devem, portanto, cumprir apenas pena suspensa. Neste caso juntam-se agravantes como o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) ser co-signatário do acórdão que alega "um ambiente de sedução mútua" como atenuante para a ocorrência do crime, considerando que "a culpa dos arguidos se situa na mediania" e a "ilicitude é baixa".
Na semana seguinte, vem a público uma investigação do Der Spiegel acerca do caso em que o craque futebolista Cristiano Ronaldo é acusado por uma mulher de a ter violado analmente. A mulher, uma professora chamada Kathryn Mayorga, fez queixa às autoridades no dia seguinte, foram documentadas lacerações e hematomas no seu corpo e foi posteriormente assinado um acordo de confidencialidade, em que recebeu uma verba para não revelar a identidade de Ronaldo. Curiosamente, daquelas coincidências que acontecem tantas vezes quando pessoas com muito dinheiro estão envolvidas, parece que a roupa que Kathryn usava aquando da ocorrência e que fora entregue à polícia como prova, bem como o seu depoimento original, desapareceram.
A presunção de inocência é, obviamente, devida, e é aos tribunais que cumpre julgar as acusações, por muito pouca fé que depositemos na justiça. Mas aquilo a que se assiste em quase toda a sociedade está no extremo oposto, que é, além da defesa acérrima da suposta inocência do herói nacional, a culpabilização da alegada vítima, o desdém pelos eventuais danos sofridos e uma espécie de contra-ataque, apontando o dedo a um suposto oportunismo por ter sido aceite uma verba mediante um acordo.
Cultura do estupro é precisamente esta tradução da misoginia por entre homens e mulheres na sociedade civil e pelos órgãos soberanos; os casos supra-citados são apenas três exemplos evidentes e bem conhecidos por todos daquilo que se passa, em menor (menos mediática) escala, todos os dias, nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais, nas nossas casas.
Cultura do estupro é assumir que é expectável que uma mulher que saia para se divertir e dançar numa discoteca seja um alvo fácil para violadores. É assumir que os violadores são apenas homens decentes, “bem integrados na sociedade e na vida familiar” que agiram comandados por impulsos sexuais. É assumir que os criminosos não têm de ter discernimento para controlar a sua conduta, mas que são as potenciais vítimas que devem comportar-se de forma a evitar suscitar os impulsos dos violadores. É assumir que o consumo de bebidas alcoólicas serve para atenuar o comportamento dos violadores ao mesmo tempo que serve para culpabilizar a vítima. É assumir que é natural que uma mulher desmaiada na casa-de-banho seja vista, não enquanto pessoa que necessita de cuidados médicos que salvaguardem a sua integridade física, mas como um corpo à disposição para o usufruto de quem quiser. É considerar natural que os homens que conversaram com esta mulher e lhe pagaram bebidas se sintam no direito de fazer do corpo inerte dela o seu recreio, que se pode bater com violência suficiente para causar hematomas vários, que se pode apalpar, que se pode penetrar com preservativo, que se pode penetrar sem preservativo, em que se pode ejacular. É dar estes factos como provados em tribunal e afirmar-se, ao contrário do descrito na lei (que foi alterada em 2015), que não houve violação, mas antes “abuso sexual de pessoa incapaz de resistência". É a sentença ser fruto de todos os possíveis atenuantes para os criminosos e de rigorosamente nenhum agravante a pesar na decisão (nem o facto de os violadores serem funcionários no local do crime, nem a coordenação entre eles, nem a ausência de arrependimento). É tornar quase irrelevante um crime que tem repercussões traumáticas e potencialmente insuperáveis para a vítima. É saber que enquanto um dos funcionários da discoteca em questão "se servia" do corpo de uma mulher indefesa o outro estava ausente e, em coordenação com o primeiro, a esperar a sua vez para também usufruir do mesmo "direito" e ainda assim decidir que o crime foi fortuito e sem premeditação. É desconsiderar a violência do não socorro a uma pessoa desmaiada, a violência que provocou múltiplos hematomas, a violência da inexistência de consentimento, a violência da exposição a uma gravidez indesejada e fruto de estupro, a violência da exposição a inúmeras doenças sexualmente transmissíveis, a violência do trauma potencialmente permanente e devastador imposto à vítima. É a permissividade da pena suspensa para que estes criminosos, considerados culpados, permaneçam em liberdade e possam reincidir neste crime, que não foi considerado grave o suficiente para que os seus autores estejam a cumprir pena efectiva. É com este exemplo apaziguar todos os violadores que permanecem em liberdade, e incentivar outros potenciais violadores, desprezando o impacto dos seus crimes. É normalizar, não punindo com prisão efectiva, dois homens que tiveram relações sexuais não consentidas com uma mulher desmaiada na casa-de-banho do local de trabalho dos violadores. É culpabilizar a vítima, atribuindo a uma suposta “sedução mútua” a ideia de que a expressa vontade da mulher não tem importância, tão pouco a sua consciência aquando dos actos sexuais. Esta projecção da ideia de mulher como um objecto a serviço dos impulsos e desejos masculinos está presente, transversalmente, em toda a sociedade. Da mesma forma, o desejo e prazer sexual das mulheres é algo secundário, como confirma um outro acórdão da justica patriarcal: "aos 50 anos, a actividade sexual não tem a importância que assume em idades mais jovens" e "à medida que a idade avança, a importância do sexo vai diminuindo". Cultura do estupro é também naturalizar o medo incutido desde que somos meninas de andar sozinhas à noite, de expôr o corpo com roupas curtas, decotadas ou justas, de irmos onde quisermos, quando quisermos e com quem quisermos porque assumimos que somos presas que têm de se acautelar contra os predadores. Cultura do estupro é ver a esmagadora maioria da sociedade portuguesa (nomeadamente as "feministas" liberais brancas e burguesas, o Presidente da República e o Primeiro-ministro) a sair em defesa do seu herói nacional, homem cis, branco, poderoso e milionário, quando ninguém sabe ao certo o que se terá passado naquele quarto de hotel em Las Vegas e é ver essa mesma maioria sem qualquer pudor de fazer um linchamento público sobre a alegada vítima, acusando-a de oportunismo.
Neste país em que o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica, às mãos de companheiros e ex-companheiros, aumenta ao invés de diminuir, em que a violação é o único crime violento que regista aumento, em que a esposa espancada após uma derrota do clube de futebol do marido faz parte do anedotário nacional, em que a discrepância salarial representa, em média, 58 dias de trabalho sem salário para as mulheres, em que a discriminação de género continua a não ser levada a sério sequer pela franja política que se diz dedicar a lutar pela igualdade, vigora a cultura do estupro sim. Vigora um paternalismo medieval que reproduz e reforça o desequilíbrio de poderes entre géneros. Vigora a forma refinada de capitalismo em que os pobres, oprimidos e silenciados favorecem o patrão e sobrepõem o poder do dinheiro a qualquer valor ou integridade. Vigora a moral acusatória do dedo apontado, sem hesitação, à vítima, porque vestida daquele jeito, a beber daquele jeito, a dançar daquele jeito, a sair sozinha à noite, a ousar querer ser uma pessoa de plenos direitos, “estava a pedi-las”.
Não pode ser aceitável, não pode ser nada menos do que gritantemente chocante, que com a maior naturalidade se atire a palavra "puta" como uma condenação a uma vítima de violação ou violência sexual. Ela é uma puta porque foi dançar, é uma puta porque bebeu, é uma puta porque usa mini-saia, é uma puta porque traiu o marido ou namorado. É uma puta, logo, estava a pedi-las. Pôs-se a jeito. Mas um homem que faça exactamente o mesmo é só um homem a ser homem. Ele, o que a perseguiu, o que a intimidou, o que a tentou comprar, o que a silenciou, o que a descredibilizou, o que lhe bateu, o que a espancou com uma moca com pregos, o que a regou com gasolina e lhe pegou fogo, esse é só, na pior das hipóteses, um filho da puta. E é, demasiadas vezes, só um homem a ser homem, a fazer o que se espera dele.
Os responsáveis somos todos nós, que permitimos que a misoginia esteja tão imbuída e normalizada. Estamos, colectivamente, a promover a cultura do estupro e somos muito culpados. De cada vez que juízes machistas deixam violadores em pena suspensa, estão a dar o seu aval para que estes continuem a violar impunemente e a transmitir a outros potenciais violadores que violar não é um crime assim tão grave, que se tiverem emprego e família mas beberem uns copos estão perdoados. De cada vez que se culpa e enxovalha uma vítima de violação, com mais ou menos eufemismos para dizer que "estava a pedi-las", diz-se a milhares de outras vítimas que o melhor para elas é não denunciar, sofrer em silêncio, sozinhas, e que foram alvo de um crime hediondo porque, no fundo, mereceram. De cada vez que corre uma corrente virtual para "as mulheres demonstrarem o seu apoio a Cristiano Ronaldo" está a dizer-se que os homens brancos, famosos, ricos e com bom ar serão sempre inocentes ou perdoados e que valem mais do que qualquer mulher. De cada vez que se chama puta a uma mulher que vai dançar ou que usa um vestido curto está a dizer-se que o corpo da mulher é pecaminoso e deve ser coberto, porque o desejo sexual dos homens é perigoso, incontrolável, e não deve ser atiçado, porque não são os homens que devem controlar os seus impulsos, são as putas das mulheres que não devem tentá-los. De cada vez que se chama oportunista a quem tem a coragem de enfrentar o mundo para denunciar uma ofensa sexual por parte de um homem poderoso está a dizer-se que o dinheiro vale mais do que a integridade física e emocional. De cada vez que um homem diz "ela disse que não mas não se mostrou indisponível" está a dizer que se acha no direito de abusar sexualmente de quem quiser e que a responsabilidade de o evitar é da vítima, ainda que, como quase sempre, do lado mais fraco da relação de poder ou da força física. De cada vez que alguém faz uma piada (de péssimo gosto) a dizer que por trezentos mil euros não se importava de ser violado(a) está a ser ignorante e cruel e a dizer que o dinheiro isenta qualquer crime. Tudo isto é reforçar a opressão, a misoginia e o machismo. Tudo isto são golpes duros na luta pela igualdade.
Quando digo que o momento é mais de depuração do que de clivagem, o que significa é que assumo a derrota. Significa que quando vejo tantas pessoas que em outras situações lutam pela igualdade entre todas as pessoas, e que até se afirmam como aliados do feminismo a vociferar autênticas barbaridades, na senda do "até pode ter sido violada, mas (...)", não estamos a conseguir passar claramente a mensagem. E a mensagem é que NÃO É SEMPRE NÃO. Sexo sem consentimento é crime. É violação, ponto final. Significa que o que é óbvio, que estes discursos reflectem a cultura do estupro e a reforçam, não é reconhecido. Significa que muitos dos supostos aliados na causa da igualdade são também parte do problema.
Num país (e num mundo) em que é aceitável pensar que o dinheiro compra tudo, até a compensação por uma violação, o feminismo interseccional tem de ser objectivamente repensado, à luz da luta de classes e vice-versa, assumindo uma derrota estrondosa que force a uma estratégia concertada, ou pelo menos a uma estratégia diferente. O que temos nós, feministas, de fazer para evidenciar e derrubar a misoginia crescente patrocinada pela impunidade legal (talvez o mais forte reduto patriarcal), pela opinião pública, pela inacção política? Como podemos converter agentes perpetuadores da opressão machista, sobretudo nestes tempos perigosíssimos de crescimento e disseminação da extrema direita no mundo? Quem tem a coragem política de pegar nestes temas e os incluir activamente como prioridades nos seus programas de governo, com propostas legislativas e com acções? Quem tem a audácia de convocar uma Greve Geral de Mulheres? Quantas mais de nós, mulheres, terão de ser assassinadas, violadas, espancadas, culpadas e enxovalhadas perante a santa inquisição da moral podre burguesa para se perceber que estamos perante um problema inadiável de direitos humanos?
Mais para ler
Portugal é um país racista.
Incrivelmente, esta verdade é rejeitada por muita gente que provavelmente perpetua a discriminação racial, intencionalmente ou não.
O racismo está presente transversalmente, em todas as áreas da sociedade: na representatividade política, na acção policial, na comunicação social, no acesso à habitação, à saúde e à educação, nas escolas, nos tribunais, na disputa do espaço público, no acesso ao emprego, na cultura, nas conversas de café e no seio da esmagadora maioria das famílias.
Os exemplos são, tristemente, abundantes e mesmo desnecessários para qualquer pessoa que esteja atenta ao mundo em que vive. Como aparentemente há muita gente desatenta, façamos então um brevíssimo resumo.
O período colonial é retratado nos livros escolares e nas obras de historiadores com um distanciamento aflitivo do que foi a realidade, em que Portugal é apontado como um “bom colonizador” (conceito incompreensível) e em que todas as vítimas dos mais atrozes crimes (assassinatos, estupros, tortura e violência sob todas as formas) são, pura e simplesmente, omitidas.
O direito à cidadania para quem nasce em Portugal ainda não está assegurado, graças a uma Assembleia da República que reproduz as opressões, mesmo nas bancadas que dizem defender a igualdade e os direitos das minorias. Já o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que falou na sua campanha do direito à nacionalidade, manteve-se estranhamente calado sobre o tema quando este chegou à votação na A.R.
Os casos de brutalidade policial serão bem mais do que os que vêm a público (o caso da esquadra de Alfragide será o mais mediático) e é fácil perceber que as vítimas do comportamento abusivo e injustificado por parte dos senhores “agentes da autoridade” que defendem um Estado burguês e racista são, maioritariamente, não-brancos.
No passado dia 15 deu-se a Mobilização Nacional Contra o Racismo. Em Lisboa, o evento estava agendado e devidamente autorizado desde há muito, para o Largo de São Domingos, onde foi montado um palco para receber várias intervenções de entre as 60 associações e organizações que colocaram o protesto de pé, música, poesia e outras expressões culturais unidas para dar visibilidade à luta anti-racista e contra a brutalidade policial racista. O primeiro facto digno de nota foi a ausência das televisões, nomeadamente a pública. O dever de informar acerca da actualidade política e social parece ter feito gazeta neste dia. Depois, deu-se um momento, no mínimo, caricato. A organização informou que os espectáculos previstos e agendados teriam de ser interrompidos pelo período aproximado de uma hora, para que o grupo musical Clã, que mais tarde actuaria na varanda do Teatro Nacional D. Maria II no âmbito de um espectáculo promovido pela EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa), mesmo em frente ao palco do Largo de São Domingos, fizesse um sound-check. O ensaio dos Clã foi, naturalmente, recebido com apupos e careceu de uma mensagem (tardia) da vocalista Manuela Azevedo, bem como de um elemento da organização do protesto para apelar à paciência dos participantes. É óbvio que esta situação podia e devia ter sido evitada com algum planeamento e sobretudo, respeito pela luta contra o racismo. Igualmente flagrante foi a desmobilização em alguma medida de quem foi até ao Largo de São Domingos para engrossar a Mobilização Nacional. Não vi referência a este incidente nas publicações que noticiaram a iniciativa, que bem exemplifica que em coisas tão simples como o usufruto do espaço público, dentro dos trâmites legais e burocráticos, seja para algumas franjas da sociedade tão facilmente secundarizado. Fica a dúvida sobre a intencionalidade desta infeliz interrupção.
O facto é que, desde uma pronunciada ausência de pessoas não brancas nas bancadas parlamentares, nos noticiários, na publicidade, até à perseguição de comunidades inteiras por nenhum outro motivo que a sua etnia ou cor da pele, ou à proliferação impune de grupos de extrema-direita, o racismo existe em todo o lado e toda a gente parece conviver bem com ele.
Olhemos em redor nos locais de trabalho das grandes multinacionais, e atentemos depois em qualquer sítio de construção civil.
Quem permite que o racismo subsista na sociedade é seu cúmplice. Sim, eu e cada um dos que me lê também. Por muito que não nos consideremos racistas e sejamos até parte activa da luta anti-racista, quantas vezes não ignoramos uma ou outra piadola sobre “pretos” ou “ciganos” porque achamos que é inócua, que não foi dita com má intenção, porque é mais fácil não dar importância e não entrar em discussões e quezílias? A responsabilidade é de todos: os que atacam, os que perpetuam, os que não educam e os que permitem.
Fingir que Portugal não é um país racista é mais do que tapar o Sol com a peneira, é desvalorizar todas as situações de racismo que presenciamos, é calar as vítimas, é continuar a permitir que seja normal que uma pessoa seja agredida em plena via pública por um segurança ao serviço da STCP e que, mesmo chamando as autoridades policiais, o assunto seja esquecido até a indignação rebentar e escalar nas redes sociais.
O racismo tem de ser erradicado, ponto! Não basta ser criminalizado, se a denúncia é escassa e difícil, se as condenações nos raríssimos casos que chegam aos tribunais não vão além de coimas. O racismo tem de ser punido como o ataque vil aos direitos humanos que é, tem de ser apontado, evidenciado, enxovalhado e derrotado. Nada menos é aceitável.
Mais para ler
Para encerrar Agosto e celebrar o final oficial da silly season e a rentrée política*, recomendo vivamente o blogue Porto de Amato, que já consta ali da selecta lista de links à direita (salvo seja, que neste porto de abrigo está-se do lado certo).
*Cada vez me parece menos que a silly season alguma vez tenha descanso ou abrandamento, a julgar pelas pérolas que me assolam a televisão em horário nobre. Da mesma forma, também me parece que a política a sério é uma prática em vias de extinção, ninguém debate política, ninguém questiona ideologias ou faz reflexões sérias sobre o estado das coisas e os objectivos de cada actor global. Revolução é palavra em desuso até da suposta esquerda. Restam-nos as ideias e conversas entre grupos marginais, em blogues ou redes sociais fechadas sobre si mesmas. Outra vez batatas.
Mais para ler
Eu nem ia dizer nada sobre o caso Robles, porque me pareceu à primeira vista uma situação simples de hipocrisia e conflito de interesses, que só surpreenderia os mais distraídos, os que sofrem de ausência de criticismo ou os que acreditam no Pai Natal. Achei que o vereador se encolheria num canto, teria vergonha na cara, pediria a demissão e o BE rapidamente se demarcasse das suas acções diametralmente contrárias ao plano político que o partido diz defender. Afinal não foi assim tão simples, como se pode ver pelas constrangedoras tentativas de defesa do indefensável, metendo os pés pelas mãos e ao largo (muito ao largo) da política. Surpreendi-me eu com a falta de pulso do BE (não com a falta de espinha dorsal de Robles, que já tinha demonstrado enquanto vereador exactamente ao que vinha e de que matéria é feito) e sobretudo com as justificações em jeito de claque que se fizeram sentir por grande parte dos militantes e eleitores do Bloco de Esquerda.
Títulos sensacionalistas à parte, os factos são incontestáveis e o próprio Ricardo Robles não nega: adquiriu um imóvel numa zona onde a forte pressão imobiliária já se fazia sentir na altura (2014), por 347 mil euros, reabilitou (com recurso a um empréstimo bancário no valor de quase 70% dos rendimentos brutos que declara), foi a tribunal por causa da indemnização miserável que ofereceu a um dos inquilinos e colocou o imóvel à venda por um valor muito, muito superior de 5,7 milhões de euros, com o propósito de exploração para alojamento local. O imóvel não foi ainda vendido, mas especulação não é só a concretização de vendas a valor exagerado. É também a pressão sobre o mercado, criando um valor falso de que outros beneficiam. O post do Luís Vicente explica melhor do que eu saberia.
Não há como dar a volta ao argumento: Robles entrou no negócio que diz querer combater de forma prioritária. A melhor defesa dele é que não fez nada de ilegal e a mana o obrigou? O mesmo Ricardo Robles que tem como primeira mensagem política “mudar a lei, combater a especulação”?! O mesmo Robles que aparece no Rock in Riot (como em todas as outras manifestações com cobertura mediática, aliás) a apregoar a defesa dos moradores lisboetas e contra a especulação imobiliária e a gentrificação?! A sério que isto serve para meio Bloco isentar de responsabilidade política um vereador municipal?! Como a hipocrisia e incoerência não são ilegais, a vergonha na cara também é dispensável?
Coisas engraçadas para reflectir sobre hipocrisia e aproveitamento político:
o PSD critica a especulação imobiliária e pede a demissão de Robles (e pelo caminho ironiza, elogiando as suas qualidades empresariais);
nazis okupas - o PNR promove o evento “vamos ocupar o prédio do Robles”! E a “esquerda radical”, fica-se? (Na verdade, o PNR também já tinha criticado a agressão ao casal homossexual em coimbra, colocando a perna racista em frente à perna homofóbica, o que não deixa de me preocupar, porque parece que cresceu um neurónio ao José Pinto Coelho.)
o principal argumento de defesa do BE e dos bloqueiros acríticos é puro legalismo. “Ele não fez nada de ilegal.” É certo que não. E se fosse Assunção Cristas a fazer exactamente o mesmo, também a defenderiam com o mesmo argumento (apesar de Cristas jamais usar como slogan político “combater a especulação”)? Não há pingo de consciência ideológica ou um pequenino vislumbre de pensamento revolucionário? Sabem o que é que também é legal? A exploração do proletariado, o trabalho precário, os presos políticos da Catalunha, a tourada. Também foi legal a escravatura, o apartheid, a criminalização do aborto. Robles não fez nada de ilegal, mas fez algo de muito criticável, hipócrita e que lesa os interesses daqueles que é pago para defender.
Se todos faríamos o mesmo no lugar de Robles? A maior parte de nós sim, faríamos. Outros de nós não, jamais o faríamos. E importa frisar que a maior parte de nós não acumula o privilégio de poder comprar um imóvel de 347 mil euros numa zona nobre da capital e o privilégio de ser vereador municipal da Educação e Direitos Sociais, eleito por um partido que se diz de esquerda.
Fico com algumas preocupações políticas à conta de toda esta salganhada. À cabeça, a descredibilização da esquerda; não que alguma vez depositasse grandes créditos no Bloco de Esquerda, mas em alguns militantes que são pessoas de esquerda, de trabalho, honestidade e índole revolucionária. Vê-los a defender publicamente a postura de Robles sem qualquer argumento, mas antes com chavões que colam a crítica da hipocrisia ao “jogo da direita” e ao moralismo e legalismo, o que se traduz numa triste mistura de relações pessoais com estratégia política, vulgo compadrio, faz-me ver os restantes cada vez mais raros, mais isolados e sem capacidade organizativa. Para completar o quadro, falta ver o BE fazer outra purga dos seus elementos arraçados de revolucionários. Preocupa-me também o reducionismo de questões realmente importantes, como a da especulação imobiliária e gentrificação, ou as touradas, ou a eutanásia, a quezílias entre as esquerdas parlamentares, que em vez de darem espaço fiável ao debate sério vão relegando para segundo plano e considerando qualquer argumento como uma mera luta de galos do mesmo lado da arena. É que também aí a esquerda vai cedendo espaço à direita.
Mais para ler
Assunto polémico e propenso a clivagens, por norma a opinião acerca de touradas não reconhece posições intermédias. Ética e humanamente, ou existe a constatação óbvia de que um "espectáculo" que se centra na tortura animal não pode ser outra coisa que não uma barbárie e a única coisa de espectacular que pode ter é a exibição de toda a ignorância, vaidade e falta de compaixão dos humanos que participam e colaboram nesta exibição abjecta pelos restantes seres vivos ou se faz activamente a apologia desta mesma ignorância - porque a passividade em situações de agressão só fortalece o agressor -, apoiando, assistindo ao vivo ou na televisão, lucrando com ela ou permitindo que continue a existir.
Os supostos argumentos que se filiam a favor da perpetuação desta prática são, todos eles, coxos e alheios a qualquer vestígio de validade científica ou cultural. É por isso mesmo interessante reflectir no aproveitamento político (ou ausência dele) do tema. Se à direita não espanta que os valores obtusos de que não se espera algum tipo de racionalidade se alinhem com o tradicionalismo, com os interesses económicos dos latifundiários, com a perpetuação do culto classista das elites e do acesso parcimonioso a certos eventos, à esquerda pedem-se responsabilidades sobre a colagem ao argumento da "tradição"*, que não tem outra finalidade que não a tentativa desesperada de manter eleitorado nas regiões em que a tourada tem forte implantação. O financiamento público desta "actividade cultural" é ultrajante e inaceitável e o assunto é fracturante o suficiente para determinar a perda ou o ganho de votos, quer em eleições legislativas quer autárquicas. A "esquerda" que tenta salvar o capitalismo não faz grande alarido porque sabe que os atentos recordarão a sua actuação no único município que geriram. A esquerda mais séria já não é levada a sério há bastante tempo quando o tema é a tourada. Atravancando os discursos até dos seus mais lúcidos representantes na defesa do indefensável, tentando segurar os cada vez mais escassos votos de barranquenhos e ribatejanos, ainda não percebeu que se neste tema vocalizar a razão e colocar a abolição das touradas nos seus programas (ou pelo menos, para não ter de se justificar uma clivagem tão brusca com a assumpção de um erro antigo, da abolição do financiamento público das touradas ou devoção de parte dos orçamento municipais para obras de conservação de praças de touros, que seria o mínimo aceitável), a fidelidade do seu eleitorado não só não abalará, como o balanço entre os votos que perdem e os que deixam de perder (como o desta que vos escreve) poderá ser positivo. [Esta é uma crítica antiga que faço ao PCP, uma das que motivou a minha demora na filiação, das que motivou o meu voto avesso ao partido muitas vezes e uma das que permaneceram o suficiente para engrossar os motivos de afastamento.] Claro que a abordagem tão claramente eleitoralista de uma esquerda que, se cumprisse com o seu papel, seria revolucionária, interventiva e resistente, independentemente dos assentos parlamentares, já é por si só motivo de desgaste e falta de confiança (não quero falar de vergonha para os ideais marxistas neste texto, mas a bem da clareza também não posso deixar de parte este apontamento). De referir ainda que, onde o PCP se encolhe e tenta passar pelos intervalos da chuva, os Verdes não se impõem como uma força política distinta que não são.
Não é preciso "pensar muito, muito, muito" para se sentir empatia com animais, mamíferos como nós, que sentem dor como nós, que são mutilados e espancados entes de entrarem numa arena para, ao som da ignorância e crueldade dos bichos cientes que deveríamos ser nós, serem espetados com ferros aguçados no lombo, desorientados, sangrados, quebrados, atacados. Contudo, não me peçam empatia para com os toureiros e forcados que ficam feridos, que ela não existe. Pelo contrário, assumo a vertente violenta presente em mim e confesso que sinto, sempre que ocorrem feridos na arena, uma pequena satisfação nessa espécie de vingança simbólica de todos os touros trucidados às mãos daqueles bandalhos. É que estes foram de livre vontade para a arena, foram fazer parte do que apelidam de espectáculo, foram representar o papel para que são pagos, de heróis cobertos de brilhantes e lantejoulas a afrontar pobres animais derrotados e indefesos. Onde os olhos de extrema direita de Assunção Cristas vêem "bailado", pessoas com um pouco mais de profundidade de raciocínio lógico (não falo sequer dos mínimos olímpicos para se ser humano) veêm desperdiçada uma excelente oportunidade política e humana de deixar o silêncio não envergonhar a espécie.
À esquerda parlamentar que defende as touradas como forma de expressão cultural e de identidade 'nacional' (termo que por si só me causa alguma urticária, como deveria causar a todos os comunistas) tenho a relembrar que outrora (ou em outros lugares) também eram ou são tradições aparentemente apreciadas por algumas fracções do povo os autos de fé, a queima de bruxas na fogueira, a queima de gatos na fogueira, o enforcamento de 'criminosos', as lutas de gladiadores, de cães e de galos, o apedrejamento de mulheres suspeitas de adultério, ou o lançamento de anões. Que hipocrisia, não?
Mais para ler
Admito, sem espinhas. Acredito que há uma espécie de gente que não tem o mesmo valor dos restantes. Não me merecem respeito, nem solidariedade, e não me comovem mesmo que estejam caídos no chão a sangrar e a implorar perdão. São um desperdício do ar que respiram e, se dependesse de mim, provavelmente deixariam de respirar.
São os fascistas.
Desengane-se quem pensa que o fascismo está morto e enterrado. Pelo contrário, está a despontar em qualquer brecha que encontre e propagar-se como a erva daninha que é. Um pouco por todo o mundo os movimentos de extrema-direita começam a sair da toca, de cara destapada, sem pudor de manifestar a abjecção de que são feitos. E para quem possa achar, por distracção ou estado comatoso, que o perigo do fascismo regressar é uma hipótese remota, ou que só acontece lá para a terra do Trampas, peço que abram os olhos para ver o que se tem passado mesmo aqui ao lado, nesta progressista "democracia" a que chamam Espanha, a pretexto da defesa da "unidade" dos territórios, não obstante a história e, mais importante, a vontade popular, ser no sentido da independência da Catalunha (e também do País Basco e da Galiza). Como se a repressão do governo central, através da brutalidade policial e as prisões de membros da Generalitat para tentar evitar o referendo de 1-O ou o envio de tropas para a Catalunha antevendo uma possível declaração unilateral de independência não fossem suficientes, nas manifestações nacionalistas faz-se a saudação nazi.
Não é só uma vergonha mundial que se tenham reerguido os franquistas. A luta anti-fascista é uma obrigação de cada um de nós, que acredita nos princípios opostos aos dos fascistas. Temos, todos e em cada momento, a obrigação de denunciar, corrigir e calar as pequenas manifestações fascizóides a que vamos fazendo ouvidos moucos ou relevando, a bem da liberdade de expressão e da tolerância. Esta gente não tem tolerância alguma à diferença (nem de opinião), não reconhece o direito democrático dos povos, só conhecem a lógica da força bruta da repressão, sem qualquer respeito pelos direitos humanos. Até quando vamos permitir que o fascismo passe impune? Esperaremos de braços cruzados a olhar as notícias pela reactivação dos campos de concentração nazis? O tempo de agir é agora, sem tolerância.
O ano passado escrevi este texto para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Passados 364 dias, a minha visão de mulher adulta num país europeu no século XXI não se alterou um milímetro, o que me entristece profundamente.
Tudo isto não é "só" absolutamente execrável e ofensivo para todas as pessoas dignas desse nome, como é uma absoluta falta de vergonha na cara destes anormais e de todos quantos não se insurgem contra a propagação do ódio. É a glorificação da estupidez. É a João-Braguização do mundo (este nem link merece, toda a gente sabe do que estou a falar).
É, no fundo, um terrorismo tacitamente aceite, institucionalizado, quase um dado adquirido, de tão presente que está em todo o lado, nas nossas casas, nas nossas empresas, na Assembleia da República, nos jornais e televisões, nos Tribunais, nas Forças Armadas...
Nada do que digo é novidade, certo? Então, o que faz falta para mudar o mundo, para começar a equilibrar as diferenças e desafiar o status quo?
Faz falta perder o medo!Faz falta fazer voz grossa para nos fazermos ouvir e não termos pudor de exigir o que merecemos. Faz falta mudar as regras, a começar por cada uma de nós. Se o colega homem faz o mesmo trabalho que tu e recebe mais, é teu direito e tua obrigação lutar por um vencimento igual. Se o teu marido se senta no sofá e espera que o jantar apareça na mesa é teu dever mostrar-lhe que está em falta e gritar se for necessário para que ele faça a parte dele das tarefas domésticas. Se és mais qualificada para falar dum tema mas o jornal contactou o teu chefe para participar do debate, chega-te à frente e diz-lhes isso mesmo! Faz falta desafiar o mundo a ser melhor! Faz falta educar para ser justo e correcto. Faz falta varrer o preconceito! Faz falta boicotar todas as representações falocêntricas do mundo actual! Faz muita falta deixar de encolher os ombros perante as desigualdades.
Vamos lá quebrar as amarras, sem medo. Todos os dias!
Mais para ler
A esquerda continua a insistir em marcar as suas diferenças em vez de se concentrar nas semelhanças, e assim continua a perder eleições e votos. Carvalho da Silva teria sido um candidato unificador, com provas dadas, conhecido por todos e independente (como fazia falta que fosse).
Eu continuo a estar num sítio muito específico, com a certeza da ideologia comunista, e com a frieza de discordar em vários pontos e a desfaçatez - dirão - de admirar alguns outros pontos nos "adversários".
Por muito que a comunicação social o deseje, BE e CDU não são adversários naturais. São distintos, sim, mas na maior parte dos aspectos importantes, são idênticos e complementares. E espantem-se, nenhum dos dois é dono da razão. O BE defende, e bem, o fim das touradas, ao passo que a CDU até é a favor do regime de excepção em relação aos "touros de morte" em Barrancos, a bem duma "tradição" bárbara e cruel. A CDU é, e bem, contra o Acordo Ortográfico que o Bloco defende (sendo que a Marisa Matias discorda do seu partido, o que lhe vale pontos adicionais no meu respeito e consideração). Mas o Bloco defende a despenalização das drogas leves e a CDU nem sequer faz distinção entre drogas leves e pesadas. Ambos advogam os direitos igualitários entre géneros, mas se no Bloco a liderança e as figuras fortes são (grandes!) mulheres, ė na bancada do PCP que a paridade é (muito) mais sentida.
A piadola de Jerónimo de Sousa não tinha Marisa Matias como alvo, estou quase certa (pareceu-me que os alvos seriam os populistas Marcelo e Vitorino). Tenho Jerónimo como pessoa de bem e exemplar no trato para com os outros; uma atitude misógina deste calibre não se coaduna com a pessoa e muito menos com o líder político. Se a infeliz frase foi mesmo dita com a intenção de minimizar politicamente uma mulher e uma força política que têm mostrado o quanto merecem o respeito do povo português, é triste, grave e lamentável. Convinha o esclarecimento, já agora.
O PCP peca, e perde, pela falta de agilidade na comunicação, onde o BE é exímio e acutilante. Se o PCP quer acompanhar o ritmo frenético do Séc. XXI, tem de sair do Avante! para o mundo, tem de deixar-se contaminar pelo fulgor da juventude, tem de marcar uma presença forte e coerente nas redes sociais, tem de dotar o discurso de maior capacidade de improviso, de subjectividade (ou seja, autenticidade). Bater sempre na tecla da "política patriótica e de esquerda" e afins é um erro, é dar argumentos a quem etiqueta tudo como "a cassete" e nem se dá ao trabalho de escutar o seu significado.
Do mesmo modo (e aqui Edgar Silva é o último exemplo flagrante), não pode existir hesitação nem respostas enigmáticas a questões muito objectivas. Se há democracia na Coreia do Norte, a liberdade de expressão em Angola, etc. e tal. Há que agarrar o toiro pelos cornos e assumir, com toda a frontalidade, onde os outros projectos comunistas falharam; há que assumir deliberadamente que o projecto do PCP não passa pelos mesmos moldes e explicar, com factos, argumentos e propostas, qual é a proposta do PCP para Portugal.
Assumir humildemente a derrota nas presidenciais seria um bom começo num virar de página. A substituição da lideranla de Jerónimo, como tem vindo a ser referida por aí, não tem resposta em Edgar Silva (que, apesar de tudo, foi um dos melhores candidatos de sempre do PCP). Ouçam o que eu digo: Bernardino Soares.
Os militantes dos partidos políticos não têm (nem devem, que isso seria abdicar do seu livre arbítrio) replicar integral e obedientemente todas as posições do Partido, isso seria estúpido e anti-democrático. Mas há muito que é notório que Pacheco Pereira revê-se muito pouco no actual PSD. Não creio que a idade lhe tenha trazido de volta o idealismo comunista de outrora. O que acho, ou melhor, tenho a certeza, é que Pacheco Pereira é um social-democrata na real acepção da ideologia, e é, indubitavelmente, o partido laranja que se tem vindo a distanciar e radicalizar para a direita ultra-neo-liberal há muito tempo. Da mesma forma, aliás, que o PS se tem vindo a situar no centro e agora ressente-se internamente do suave, pálido e parcial regresso à esquerda.
Vejo, portanto, com toda a naturalidade (e uma pontinha de entusiasmo, confesso!) a aproximação de Pacheco Pereira à candidata presidencial do BE, Marisa Matias. Fosse ele outro e poderia dizer que já viu uma luz no fundo do túnel e está a caminhar no bom sentido. Mas tratando-se deste senhor, cujo intelecto e conhecimento histórico respeito muitíssimo, diria que ele já está na luz, um passo à frente, enquanto os seus camaradas ainda andam à cabeçada às paredes do túnel, desorientados.
Mais para ler
Eu era (e sou) de esquerda (esquerda a sério), e a favor de uma PGA no acesso ao ensino superior. Não nos moldes da famigerada PGA tal como existia, limitada a questões de Português e História, mas uma PGA com questões essenciais de Português, Matemática, Ciências da Vida, História e actualidade. Considerei uma PGA útil e necessária enquanto aluna do Ensino Secundário, enquanto aluna do ensino superior e enquanto professora do ensino superior. Não acho (sem grandes certezas, porque estou distante da realidade do ensino básico) que os exames nacionais do 4º ano sejam úteis e muito menos necessários, mas acho que a avaliação é necessária e tem de ser encarada com toda a naturalidade.
Momento histórico na nossa jovem e imatura democracia, mas convenhamos que nada mais do que um processo simples e comum nas democracias mais sólidas. Não estou a rebentar de felicidade como vejo alguns amigos do Bloco, ansiosos e talvez ingénuos. O próximo governo (e contando com alguma inteligência de Cavaco, o que não é garantido, bem pelo contrário - não me espantaria nada que ainda tentar forçar um governo de iniciativa presidencial, com elenco do centrão no seu pior) não será de esquerda. Lamento, genuinamente mas, a ser, será apenas um governo PS com controle da esquerda. Esquerda essa que esteve realmente bem em todo o processo, engolindo alguns sapos em prol da libertação do país do neoliberalismo radical. Foram "apenas" algumas arestas do programa PS que a esquerda conseguiu alterar, mas que arestas! Muito bem, fico realmente orgulhosa e ainda mais convicta de que o caminho é uma junção de forças entre BE, PCP, Os Verdes, o Livre, o Mas e, se o PCTP-MRPP voltar a ter gente capaz e racional na sua liderança, também.
Adiante, que esse é um post que tenho em rascunho desde antes da campanha eleitoral e falaremos disso mais tarde. Do que tenho pena é que a esquerda não se tenha querido comprometer e realmente envolver na governação. Compreendo, perfeitamente até, que seja um cinto de segurança, não para proteger votos como tenho lido por aí, mas porque o comportamento errático dos anteriores governos PS não nos deixaram propriamente descansados. É uma desconfiança legítima, infelizmente, mas não basta ter socialismo no nome como garante de políticas socialistas. Seria um risco enorme, é facto, mas o meu idealismo ainda acredita que seria mais proveitoso para o país se estivesse nas mãos de pessoas competentes de esquerda a possibilidade de realmente reformar profundamente áreas críticas, e quanto mais cedo melhor. Enfim, resta aguardar com confiança que seja feito o melhor que se conseguir. E regozijemos, o pior (des)governo de sempre em Portugal vai, finalmente, cair. De quatro.
Mais para ler
Mais para ler
Mais para ler
Já perdi a conta a quantas vezes escrevi sobre a Festa. Não tenho a respeito da Festa opiniões isentas. Sou comunista convicta desde muito antes de saber que as minhas ideias (sempre, desde criança sem saber ler nem escrever, me pareceu tão óbvio, não havia como não concordar) tinham este nome, por decisão própria e absolutamente isenta de influências familiares ou outras. Nem sempre estou totalmente de acordo com o Partido, mas isso não vem ao caso, porque a Festa não é só para comunistas nem só do comunismo, é a Festa de todos!
Fui à minha primeira Festa do Avante ainda habitava o útero de minha mãe. Não fui todos os anos (falhei duas por me encontrar fora do país, falhei outra por estar em recuperação de uma cirurgia e estar impossibilitada de caminhar), mas fui muitas vezes, e muitas mais irei, conquanto esteja viva e capaz. Já fui com namorados, com amigos e amigas (de todos os quadrantes políticos, note-se), com família, com menores, já fui com calor infernal, com frio e com muita chuva e trovoada também. Foi no Avante que comi o meu primeiro kebab, que enjoei cerveja (calma, só durante uns tempos, já passou), que vi os Xutos tantas vezes (e no Domingo verei novamente), que encontrei amigos e conhecidos que só já encontro no Avante, que lhes conheço a prole e as voltas da vida.
Sou daquelas pessoas que em Outubro já têm saudades da Festa, que sonham com ela o ano inteiro e que basta ouvirem a Carvalhesa para que o espírito de encha de ânimo, alegria e confiança. Emociono-me muitas vezes ao som da Carvalhesa, com lágrimas nos olhos e tudo. Estes três dias são, para mim, uma amostra de como um mundo podia ser: não perfeito, mas tão bom, tão melhor do que o que enfrentamos diariamente. Não há formalismos, somos todos iguais, sem cor nem credo nem género nem idade. Milhares de pessoas reúnem-se naquele espaço belíssimo, com interesses diferentes, com tradições e gostos diferentes, com histórias diferentes, cada uma com um universo dentro de si. E há lugar para todos. Há música (de todos os géneros), cinema, teatro, dança, desporto, debates, feira do livro e do disco, há gastronomia de todos os cantos do país, há representações internacionais (muitas delas também com gastronomia ou venda de artigos típicos), há debates, há política, há ciência, há espaços e actividades para as crianças. Há alegria. Tanta alegria. Há realmente camaradagem. Há famílias inteiras, há uma tão grande paz entre toda a gente, os grupos de adolescentes com as hormonas aos saltos e os reformados que trazem farnel de casa sorriem uns para os outros, mete-se conversa na fila para as bifanas com desconhecidos como se fossem amigos do peito, se porventura entornas o teu copo nos pés de alguém, levas uma palmadinha nas costas e dizem-te "tudo bem, amigo, não há azar, boa festa!" Ninguém olha de lado para ninguém. Não há desacatos. Não há mesmo Festa como esta!
Talvez seja orgulho de estarmos todos a respirar o aroma a baía misturado com aroma de pinhal, talvez seja por dançarmos todos ao som da mesma Carvalhesa. Há qualquer coisa de mágico, de indescritível, que se passa no Seixal no primeiro fim-de-semana de cada Setembro. Não sei se o Mestre (Jorge Palma, para os amigos) estava inspirado pela Festa quando escreveu o refrão da Terra dos Sonhos, mas é para lá que sou transportada sempre que oiço esta canção.
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual Na terra dos sonhos não há pó nas entrelinhas, ninguém se pode enganar Abre bem os olhos, escuta bem o coração, se é que queres ir para lá morar
Mais para ler
Em relação ao meu post abaixo e em jeito de resposta ao certeiro comentário da Maria... Não, nem todos merecemos o país e o (des)Governo que temos, porque nem todos contribuímos para a sua eleição. Cruzes, canhoto!
Mas a verdade é que vivemos em democracia, com todas as suas falhas e virtudes, e que, não sendo perfeita, é a melhor tentativa de estado justo* que conhecemos. E nesta democracia, temos um (des)governo eleito com a maioria dos votos da população eleitora, a representação parlamentar que os eleitores escolheram, o "Presidente da República" (desculpem mas não consigo escrevê-lo sem as aspas) também democraticamente eleito.
Eu nunca votei em nenhum deles, nem nos partidos que representam, nem nos últimos nem em nenhum acto eleitoral. Mas não concordar com o sentido de voto da maioria não nos desresponsabiliza, não nos iliba da culpa do "estado a que chegámos", como dizia Salgueiro Maia. Além de considerar que o voto é um dever fulcral à cidadania, também acho que a mobilização, a incitação ao voto e à participação, o são ou devem ser. Não basta mandar umas chalaças no café e nas redes sociais, faz falta agir em concreto. Faz falta sair à rua para fazer ouvir a nossa voz, dar a cara e o nome e o corpo ao manifesto, assinar as petições, discutir abertamente com quem nos rodeia, apontar sem medos o que está mal feito, confrontar. Contra mim falo, que confesso ser uma péssima militante, com um imenso défice participativo e interventivo. E também por isso me incluo nesta primeira pessoa do plural quando digo e repito: temos o país que merecemos.
*Talvez o melhor método fosse um despotismo justo, como diz um grande amigo meu. Talvez. Mas sem garantias de imunidade à corrupção que o poder encerra, sem garantia de pluralidade e sem o aval popular, deixe-se estar a democracia.
Mais para ler
Ainda estamos, oficialmente, na silly season. Em Agosto o país está a banhos, as notícias nem chegam a ser parciais de tão tontas (há umas semanas vi um efeito, num jornal da noite, com as cabeças dos líderes dos principais partidos políticos dentro dum carro a dirigirem-se aos seus locais de férias - de onde me surge a exclamação "mas vão todos no mesmo carro?!"). Sendo que o povo português já não prima propriamente pela boa memória, tão pouco pela seriedade quando é chamado a botar cruz nos boletins de voto, esta silly season inquieta-me sobremaneira. Mesmo as poucas pessoas que ainda pensam, falam e debatem política, chegam aos seus dias de dolce fare niente de papo para o ar e a cabeça entra em modo de poupança de energia, em que a decisão mais crítica que deve fazer é se vai para a praia do costume ou se vai para a outra praia, se vai à vila almoçar um peixe grelhado ou se fica por ali e petisca qualquer coisa numa esplanada. (E estão no seu mais pleno e amplo direito, sobretudo após 11 meses de trabalho num emprego cansativo, mal pago, longe de casa, em que são feitas muitas horas extra não remuneradas, com medo de o perder e com ele o sustento da família, dos problemas de saúde agravados pela ansiedade e pelos cortes forçados nos cuidados médicos e até no tipo de alimentos.)
Mas é precisamente por isto que a silly season é tão perigosa. O neurónio com consciência crítica e política, a existir, vai de férias e, no regresso, já nem tem bem presentes as patifarias perpetradas durante todo um mandato, ou toda uma república. E depois ainda há a agravante do futebol, ópio do povo, com mais intrigas do que as novelas da TVI, o mercado dos jogadores, os treinadores "traidores", a pré-epoca e toda essa puta da loucura que tem zero interesse para a vida real e os problemas reais do país, mas consegue absorver energias e paixões de homens e mulheres que vivem daquela fogosidade, sofrem pelas suas cores, saem à rua em êxtase quando o seu clube ganha qualquer coisa, mas não têm qualquer interesse em ir votar, ou em conhecer aquilo em que votam.
Em suma, o português "médio" (é como o português suave mas sem nicotina) regressado de férias é bem capaz de se ter olvidado dos desabafos, argumentos e declarações convictas do "nunca mais voto nestes ladrões!". Pior, vem conformado e já diz "os outros ainda são piores, querem é encher os bolsos".
É verdade que amanhã já será Setembro e vai passar a falar-se da reentrée. Mas quanto ao que interessa, deu-se o reset "que lhes interessa". Em termos políticos, a silly season portuguesa dura 12 meses no ano. E enquanto não for exigida uma cultura política e social participativa, que é o pilar da Democracia, enquanto não se ensinar nas escolas, em cada casa, na comunicação social, que a política é feita por todos os cidadãos e que só não somos donos do nosso destino colectivo se não quisermos, então seja o (des)governo PS, PàF, PSD ou outra corja idêntica, temos exactamente o país que merecemos.
Mais para ler
Cravos vermelhos. 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais. A minha favorita de sempre e que tenho como lema de vida e pilar fundamental do meu sistema de crenças: o Povo Unido jamais será vencido.
Nasci no seio de uma família de fazedores de Abril. Da geração que cresceu na ditadura, com muitas dificuldades - dificuldades sérias, é preciso explicar, que a palavra se banalizou. De avós operários das fábricas, sem instrução, sem casa própria, que viviam em águas furtadas sem casa-de-banho, que tinham de fazer duas sardinhas e um ovo esticar para alimentarem três bocas. O 25 de Abril trouxe possibilidades inegáveis de uma vida melhor, a capacidade de ambicionar algo mais, direitos, participação cívica, desenvolvimento pessoal. Já não era necessário entrar à socapa nas salas onde se reuniam membros dos partidos políticos clandestinos, atrás da sede do clube de futebol local. Os meus avós ousaram então, só então, sonhar com uma casita alugada, paga do salário deles, com quartos e cozinha e casa-de-banho, até um quintal para poderem semear uns legumes. Os meus pais ousaram encerrar o ciclo: casar e constituir a sua própria família, sem a condenação inevitável da pobreza, sem ser necessário mandar os filhos trabalhar ainda pré-adolescentes para ajudar ao sustento da casa.
Eu, tendo nascido anos depois, sinto-me filha de Abril. Tudo o que sou deve-se àquele momento em que homens e mulheres valentes ousaram derrubar o sistema e entregar o destino do país às mãos do povo.
O 25 de Abril é o dia mais bonito. O cravo vermelho é a flor que toca todos os corações.
A Democracia está longe de ser perfeita e está, para mal de todos nós, desvirtuada. Ao 41º aniversário da Revolução dos Cravos as notícias dão-nos conta de mais um vil atentado à liberdade de imprensa pelo arco da governação das últimas décadas, mais um retrocesso nas portas que Abril abriu. Apelo aqui à memória da ditadura, na 1ª ou 3ª pessoas, para que não se ceda nem mais um milímetro dos direitos arduamente conquistados há quatro décadas (salário mínimo, direito à educação e saúde gratuitas, igualdade de géneros, direito à greve, a férias, Segurança Social, etc., etc., etc.), porque ainda há muito a conquistar para que esta sociedade seja realmente justa.
Mais para ler
(Este espaço esforça-se por ser apolítico, ao contrário da sua autora, que faz gosto em ser cidadã completa, de ideias muito definidas, e que pretendem ser muito lúcidas, sobre o mundo em que se insere. Contudo, por mais que o pseudónimo fuja, não tem como se alhear de princípios fundamentais da liberdade e expressão.)
Há os (felizmente, muitos) que concordam com a Greve e todos os motivos pela qual ela foi convocada (a 2ª na História de Portugal que reúne as duas grandes centrais sindicais - só isto diz muito da necessidade de reivindicação) - eu uma deles - e aderiram à greve. Há os que concordam igualmente mas, seja por precariedade da sua situação laboral, por situações opressivas ou outros motivos, não puderam/quiseram aderir e protestam como podem e entendem, ou não protestam de todo.
E depois há os outros, os que são "contra a greve" e que não encontram justificação nos motivos pelos quais a greve foi convocada. Também têm direito à sua opinião, a manifestá-la e a existir, concerteza. (Digo eu, que até sou contra a pena de morte para criminosos sanguinários, quanto mais restantes seres humanos. Não me apraz particularmente a existência de, por exemplo, nazis, racistas, homofóbicos, mas reconheço-lhes iguais direitos aos demais e jamais seria capaz de agredir verbal, psicológica ou fisicamente alguém simplesmente por pensar de maneira diferente da minha, por maior que seja a ignorância que, no meu entender, lhes assiste.)
Sinto que tenho de tocar neste assunto, porque oiço e leio reacções à greve que me parecem absurdas, ataques pessoais, ofensas e isso sim, é um atentado à liberdade. Faz falta civismo, respeito e tolerância. Faz tanto sentido chamar aos grevistas mandriões e preguiçosos como faria chamar aos não grevistas porcos fascistas. Ou seja, não faz sentido algum. O direito à greve é um direito que assiste aos cidadãos. Tanto quanto o direito de não fazer greve. Ou o direito às manifestações. Ou o direito ao livre arbítrio e às confissões religiosas. Lá por pensarmos que a nossa ideia é mais correcta do que a do vizinho do lado, que até podemos considerar que seja ignóbil, não temos, ninguém tem, o direito de tentar impedir que a outra ideia exista. Agressões a piquetes de greve e boicotes a quem pretende trabalhar são manifestações de idêntica hipocrisia, são atentados à democracia.
Felizmente, outros tantos são esclarecidos e manifestam as suas convicções com sobriedade e respeito. Passo a palavra:
"A cidadania é das coisinhas mais fáceis de aprender e só não aprende quem não quer. Parte dela passa por respeitar o exercício que outros fazem de um direito que é de todos, mesmo quando nós não o fazemos."
"Percebo que muitas pessoas não podem fazer greve por estarem em situações de imensa precariedade. Mas enquanto os trabalhadores continuarem desunidos, continuaremos a ver esta constante erosão dos nossos direitos..." "Era importante fazer muito mais do que uma greve. Manifestações e luta. Vejamos o exemplo de França..."
"Today I'm not on strike but I'm dressed in black for Portugal. Because I believe we should shout out at the top of our lungs when "enough is enough" and our voices should be heard!!!!!! De luto por um país melhor!"
"Milhões de pessoas em todo o Mundo sofreram (a bem sofrer) para conseguir melhores condições de trabalho e também o direito à Greve. Os direitos defendem-se exercendo-os. Façamos nós agora a nossa parte!"