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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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O meu elemento é o ar (o nome do alter-ego não é acaso). É onde me sinto mais em casa, com alguma distanciação do terreno e do material. É lá por entre as nuvens que me encontram a divagar, muitas vezes a construir castelos ou a conversar com os pássaros. Sem pesos nem amarras, num mundo alternativo.

É nesse plano que os encontros de pernas para o ar fazem sentido, sem norte nem sequência. Pode-se começar do fim e remar montanha acima, sem prestar contas a ninguém. 

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A palidez das emoções é-me insuportável, as palavras suaves e delicadas, névoas vazias de fogo, de pujança e de vida. Rendas debruadas a ouro, com minúcia na forma e vazias de conteúdo, não me servem, repelem-me o toque. São desperdício, diluem-se nos tempos rotos e nas costas voltadas, na erosão das lonjuras. São ofensivas as delicadezas que pairam sem se atravessar, por gentileza, a mendigar raspas do ar que é necessário para viver.
Não sei ser dos murmúrios a meia luz, das meias verdades e das paixões mornas, em lume brando, hesitantes. Sou inteira de tudo ou de coisa nenhuma; dos dilúvios no deserto que ofusca, árido, ou do granizo no verão alagado. Não sei ser sem sal que me tempere, sem gritos que me calem, sem orgasmos que me abandonem à deriva em mim. Sem apertar demais os tais nós que se eternizam ou quebram, ou sem soltar os laços já lassos, para que fique só quem queira estar, de corpo presente, invasão possante e pertinente. Não quero ser um quarto, um terço ou metade. Sou todos os avos minha e partilho-me toda em sobressalto, em enxurrada, avalanche de verdade; não dou migalhas, restos ou aperitivos, ou o banquete é farto de lamber os pratos ou é jejum. O amor em part-time não é o meu lugar. Amo-te nas ausências e nas fugas, nas pausas e nos silêncios e mesmo quando tapas, com força, os olhos e ouvidos à passagem da minha sombra, mesmo quando me procuras noutras bocas e nos colos que não te chegam, que não te calam, não te sabem matar por dentro, de fome, de choque, na vertigem do toque. Deixo-te ir e nunca corro atrás porque te quero sempre comigo, porque de ti não fujo mais, subo a paredes caiadas em vácuo que caem no mar, arrasto redes na ilusão de te captar as sedes, num cheiro, num sopro, quase num estrondo o verbo que desisto de contornar.
Uma vida sem sal, de contenções e convenções, de limites e regras, de cuidados exacerbados, a que sabe? Sabe a coisa nenhuma, a frustração, sabe a dúvidas e receios, a espartilhos e a cintos de castidade. Sabe a papel velho e mortiço, sabe a planos engelhados, a brasas apagadas e esterilizadas emoções. Que não se poupe no sal da vida, no sentir e mostrar. Modere-se tudo menos os sentimentos em erupção, a apatia insossa nunca será opção. Mesmo que a sede se instale, que assim se multiplicam os prazeres, o do sal e o da água fresca em resposta, a acicatar. Qualquer doçura com uma pitada de sal ganha volume e delícia, espessura, a sensualidade dum pó de malícia. Sejamos volúpia de línguas e de lábios, sejamos oceano na imensidão, peito aflito da cor opaca do infinito. Sejamos protagonistas de beijos sedentos, gelados, na pele salgada, nas bocas carnudas de paixão.
Não me peçam para ser brisa obediente e contida. Sou vendaval, sou Ventania. Sou alvoroço sem rédeas nem gaiolas. Sou aquela que abre todas as jaulas e que liberta os prisioneiros dos grilhões de si próprios. Não me peçam a paz enquanto houver tiranos, eu serei a que degola os amos. Não esperem que consigam domar ou dominar-me, só eu sou dona de mim. Sou a mais doce que vira fera, com tanto de calmaria como de revolução, com igual dose de mel e de bagaço, embriagada e ática incógnita à toa na imensidão. Sei que tanto é demais, incomportável, que todos preferem açúcar puro, veneno maduro oculto, embrulhado em algodão.
Sou sal, sou cristal de vida e fogo, saio fora dos riscos e ignoro os mandamentos. Mesmo sem aqueles a quem pertenço ainda sei voar; sigo sozinha se preferem ficar, mas sigo triste, órfã de lar. Sou o fumo de que troçam, o carvão que os ensombrece, sem vaidade, o chiste que ninguém soube decifrar. Sou o supérfluo excesso dispensado, à cautela, para não entornar. Sou aquela que derrete o gelo, aquela que nunca esquece, a que arde nas feridas, cardápio de dores da alma. Sou a impossível de amar.

 

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[Amor de prateleira (parte I)]

 

Ouço-te as lágrimas que escondes, recolhido, embalado em canções que picam e arranham esse coração frágil, de papel, amachucado e vincado das palavras que foram apagadas e reescritas, dos nomes e sinais e rabiscos nas margens. Estendo-te a mão, enxugo lamentos ácidos que sempre vertem em corrosão para o meu colo, que vou-te amparando como posso, com silêncios e os abraços apertados que não te tocam a pele para não melindrar, para não deixar marca - não como queria, com abraços sufocantes, com lágrimas e saliva e contigo embrulhado num novelo pendurado ao meu pescoço, colado ao meu umbigo, os meus ossos escudo protector, os meus cabelos manto de solidão. Envelheço, às escuras. A espera tornou-se uma constante sem incógnita, tudo às claras, mas nem a luz preenche o vazio da antecipação do que está condenado a não chegar. Hoje sou cinzenta, esmorecida. Bordei letras com minúcia, inscrevi-te em mim, dei-te o tempo e espaço de privilégio no peito, onde te cravaste com pregos, na cruz de te querer. Dei-me por inteiro e sem reservas, atirei-me de cabeça e sem pára-quedas, esperando que me acolhesses sem medo de nos crescerem asas negras. Estatelei-me no chão. Quebrei ossos, lombada, as letras amontoadas ficaram espalhadas em rios, pelas nuvens e nas dobras geladas de cada suspiro, nas cavernas longínquas de segredos sem legendas que se lêem nas bocas mudas. Não te mereço palavras meigas, não me sopras poesia, guardas os abraços para quem não queima. Lamentas, não mais do que eu. Dás-te em luz ao mundo, nas não a mim, que já te vi por dentro; não poderias dar-te sem ser por inteiro, em loucura, lava viva sem travões a reformular as verdades, céu abundante de estrelas em vôo picado para o infinito. Talvez tenha de te encerrar de vez num velho livro morto, onde nenhuns dedos curiosos se entretenham a investigar quem fomos nos tempos de andorinhas e de fogo-de-artifício sobre o rio. Olhas o espaço vazio em que eu morava na tua colecção, como se não soubesses ao certo quem o ocupara, talvez já esquecido do sabor dos meus beijos de baunilha e canela picante. Aproximas-te num pulo, em urgência acesa pela ausência, o queixo escorrega em choque, os lábios derretem. Acaricias o intervalo vazio com dedos de fantasma, delicados e etéreos. Caída no mesmo soalho onde jazem também os outros nomes sem título que dizes ter amado, em monte que aguarda a purificação pelo fogo e esquecimento, desvaneço, página por página, ignorada, virgem de ti, desperdiçada. Se existisse ainda inteira poderia ter testemunhado o som áspero de um soluço, ou visto em câmara lenta o momento em que te contorcias no chão, serpente de sangue quente, gemendo a saudade em golfadas. Mas o conto segue desenfreado, na mesma rota. As pálpebras encerram capítulos como quem gira ponteiros e em breve já nenhum espaço sobra naquela prateleira, repleta de romances descartáveis sucessivos, consumidos em série, sem que algum te consuma o fôlego ou te apazigue o gelo estonteante do coração.

 

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O amor não tem prazo de validade; ou está e existe e é um manto que cobre a existência - por cima como um calor enrubescente de que não se pode fugir, por dentro a inundar de arrepios desnorteados, cortantes, que dilaceram cada célula com a ânsia absurda de estarem noutro lugar - ou não está, é alheio a sugestões e esforços e requerimentos. Ou arrasa o espírito com urgências de tumultos irracionais, partilhas e sexos aos gritos ou será um afecto morno e terno, ponderado, responsável e contido - o oposto do que é o Amor.

Aqui do lado esquerdo dos livros que já leste, condenados a não suscitarem mais desejos sôfregos por estrear, e à direita dos que aguardam, pacientes, a sua vez para serem lambidos pelos teus olhos, folheados pela tua delicadeza, para se sentirem importantes e acarinhados e magníficos, resido eu, caderno em branco, por estrear, com excesso de letras a aguardarem sentido que as una. Ganho pó, vou-me esquecendo do que faço aqui enquanto olho as estações a passarem, os reflexos da lua nas sombras líquidas que tecem mistérios alheios. Chovia e fazia frio quando o teu nome me derreteu, na luz baça de uma aventura soluçante e escarpada. Reconhecemo-nos no primeiro instante por entre um fio condutor que havia de nos unir um dia, em alguma arquitectura mestra e profana, numa tecelagem de palavras e vidas por desfolhar.

Não passa um dia sem que me olhes, de relance ou pela alma adentro; por vezes tocas-me a medo (apavorados, ambos) - quase a sugestão de querer aproximar o teu hálito morno do meu, quase uma caneta a tatuar-me na coxa as tuas verdades, quase uma fuga de olhos vendados, um salto pelo escuro dentro, noite estrelada fora, salpicos de maresia nos pés descalços. Logo sacodes as intenções e me colocas mais alinhada com os restantes volumes que acaricias sem pudor. Pancada seca a romper uma melodia gémea, a remeter-me de volta a este lugar que não me pertence, sem promessas, em suspenso, sem data marcada de partida ou de recuo. Amareleço os cantos outrora albos, sedenta de um corte de papel que te faça notar-me, que te faça sentir-me. Enrugo os planos por inaugurar que criei só para os teus braços, com o propósito exclusivo de te abrir o sorriso, esse que encanta, esse em que viveria aninhada e impoluta enquanto a tentação do fogo líquido e puro não me vencesse.
 
(continua...)
 

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Como pessoa obcecada pela verdade de todas as coisas, que faz corresponder à verdade a fidelidade a ideais, valores e talvez até a algum moralismo, é muito raro mentir. Também minto, demasiadas vezes para sentir que cumpra os requisitos mínimos da coerência, mas não o sei fazer, e prefiro sempre dizer a verdade absoluta ou, no máximo, evitar magoar ou prejudicar alguém calando algumas verdades. Defensora da verdade nua e crua, digo muitas verdades que não são levadas a sério. Sou conivente e até causadora de algumas mentiras, que não desfaço por não serem minhas ou o meu lugar.
Penso nisto tantas vezes, debato comigo mesma o potencial destruidor da verdade contra o potencial destruidor da mentira, estudo pessoalmente os indícios de cada pessoa quando mente e, sobretudo ultimamente, tenho-me dedicado a observar as reacções a verdades incomuns.
Chega a ser divertido que tantas pessoas tenham dificuldade em acreditar nas verdades que lhes são atiradas a sangue frio. As verdades inesperadas, que chocam, aquelas que são frequentemente maquilhadas com mentiras, são tantas vezes recebidas com gargalhadas nervosas, inseguras, incrédulas, como piadas e como falsidades. Quando se reforça e assegura que não há nada de falso nas inéditas afirmações, assume o lugar o espanto, o receio (o tal do diferente), eventualmente a consternação. E fica a verdade como um incómodo que é preciso explicar, justificar a fundo. Fosse uma qualquer balela e seria aceitável com tranquilidade.

O desconforto da mentira fica só com quem mente para não ofender os restantes, que se sentem ofendidos com a dívida de verdades. Será a mentira um gesto de sacrifício ou abnegação? Ou talvez seja o comodismo que faz perpetuar as mentiras e a aceitação social das mesmas. Talvez seja demasiado difícil, exigente, cansativo, penoso ser sempre inteiramente fiel à verdade absoluta. Mas para quem? Para quem fala verdade ou para quem prefere viver num mundo de faz-de-conta a lidar com verdades incómodas, que magoam, que desarranjam os lugares das coisas?
Não fosse o quotidiano feito de lugares de sombras e enganos, quantos mentirosos se renderiam? Quantas famílias desmoronariam e quantas seriam erguidas mais alto e mais fortes? Qual é o custo da mentira e, mais importante, qual é o custo da verdade?

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Meu coração doido é pólvora, explode em festim desregrado à ignição certeira.

Meu coração despedaçado, espalhado em granulado pelo mundo,

não tem poiso quieto nem caminhos pavimentados em que deslizar.

Meu coração gelado, pingado a cada ebulição,

contido em caixas estanques para não evaporar.

Coração bravio, valente e solto, ousa desafiar regras que ninguém ditou.

Meu coração pachorrento, encostado a cada lugar,

derretido em poemas e canções de embalar.

Coração perdido, vagabundo e trôpego, embriagado de sal e de vinho a sangrar.

Coração vadio, disputa com o vento a leveza e não sabe aterrar.

 

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Afinal a ultra resistência ao álcool pode ser colocada em causa com uma forte dose de sono e pouca cachupa no bucho (e talvez uma virose esquisita).

Afinal quando se sai à rua sem o cabelo acabado de lavar não acontece nenhuma desgraça, nem as pessoas ficam a olhar em espanto horrorizado para a absurda quantidade de oleosidade natural.

Afinal a concretização de relações não monógamas não traz forçosamente mágoas, ciúmes, desconfianças, sentimentos de culpa, não abala as estruturas do que se tem em casa, quando o que se tem é sólido, transparente e verdadeiro.

 

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#dia 6

 

Velhos hábitos são muito difíceis de largar. Ainda sigo atentamente as tuas palavras, ainda te corrijo as gralhas que mais ninguém corrige. Não se sou eu que confundo ou tu que estás muito determinado, leio tudo o que dizes ou não dizes como ódio para comigo. Demasiada dedicação pode dar a ideia oposta, suponho. Desprezar-me não me dá força aos propósitos, só me faz ter rasgos em que lamento a decisão. Se pudesses tratar-me como a uma pessoa seria mais saudável.

As evidências tornam-se mais claras, apesar de gostar de ti ser muito mais fácil do que odiar-te. Faço um esforço acrescido, lavo as mãos peganhentas de não te tocarem. Será que alguma vez tiveste vergonha de mim? Vais pedir satisfações aos outros como fazias comigo? Mostras o que almoçaste? Partilhas as cabeçadas?...

 

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#dia 5

 

Pus um pé na água, para ter certeza de que ainda molha, e a água estava fria, mais fria do que antecipei. Não sei se levo a mal ou se agradeço. Não sei se percebeste bem ou bem demais, ou se te encomendaram a distância.
Reparei que arranjei um destinatário substituto da verborreia e tornei a constatar o que a Sinéad já sabia, mas a diferença está mais do meu lado do que no outro. Respirei fundo uma mão cheia de vezes mas mantive os olhos secos. 

 

Sinéad O'Connor - Nothing Compares 2U

It's been seven hours and fifteen days Since you took your love away I go out every night and sleep all day Since you took your love away Since you been gone I can do whatever I want I can see whomever I choose I can eat my dinner in a fancy restaurant But nothing I said nothing can take away these blues 'Cause nothing compares Nothing compares to you It's been so lonely without you here Like a bird without a song Nothing can stop these lonely tears from falling Tell me baby where did I go wrong I could put my arms around every boy I see But they'd only remind me of you I went to the doctor and guess what he told me? Guess what he told me? He said girl you better try to have fun No matter what you do, but he's a fool 'Cause nothing compares Nothing compares to you All the flowers that you planted mama In the back yard All died when you went away I know that living with you baby was sometimes hard But I'm willing to give it another try 'Cause nothing compares Nothing compares to you Nothing compares Nothing compares to you Nothing compares Nothing compares to you

 

#dia 1

Foi a olhar para o pinheiro do lado de fora de uma janela que não era a minha, numa cama que não era a minha que os conselhos desapareceram e ouvi só a voz da consciência, que há tanto me dizia o mesmo que as vozes em uníssono no coro regado a álcool. Decidi. Fixei prazos e metas. Suspirei. Tive vontade de me afundar num outro corpo sedento à procura do desejo que não encontrei em ti. Decidi escrever e não te escrevi uma palavra.

 

#dia 2

Silêncios que estranhas, que vou convertendo em palavras e frases que não são inéditas. Tento começar pelo fim, para não perder o rumo. Suspiro e arrumo coisas nas gavetas, na cabeça também. Reparo que tenho mais tempo livre quando não estás. Escrevo em chorrilho. Abro e fecho o mesmo documento mil vezes. Hesito. Tenho raiva. Odeio que perguntes por mim.

 

#dia 3

Reparo que é só a saudade que me desata as lágrimas. São ribeiros encharcados de saudade. Ultimo os escritos, apago farpas. Tenho saudades de te abraçar, de te falar, de me rir dos disparates e de te beliscar o ego. Mergulho em músicas que contrariam o meu estado de espírito para não fraquejar. Fraquejo, repenso tudo, equaciono tudo. Respiro fundo e avanço. Aceitas com a leveza que te admiro e ressinto. Pondero fazer uma lista de coisas que terei para te contar quando regressar. Aceito que serei sempre ridícula. Adormeço a chorar.

 

#dia 4

Ainda respiro, com alguma surpresa. Tenho amigos maravilhosos. O mundo segue lá fora e o dia será bom. Tenho orgulho de ter feito algo só por mim, movida a egoísmo. A música ainda ajuda e o chocolate não atrapalha.

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De cada vez que brigamos, ou melhor, que andamos às turras, saio sem perceber se te perdi mais um pouco ou se me dei demais novamente. Quanto mais dou de mim, mais te perco, parece-me. Exigirias de mim, se pudesses, que estivesse sempre presente sem estar inteira, com o coração aberto para não te resfriar. De ti só exijo o que sempre repito, a verdade e respeito. Queres que me passe tudo o que tenho entalado, sem teres ainda percebido que tu não vais passar, tu não podes passar, tu estás-me atravessado na goela, por mastigar, a seco. Bebo mais um copo à procura da solução, mas todas as equações têm o teu nome na incógnita, a tua pele, os teus segredos, tu és a constante incontornável de todas as conversas que ficam por ter, com as palavras todas a nú, erectas e festivaleiras.

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Não tenho mais palavras.

Gastei-as a negar-te...

(Só a negar-te eu pudesse combater

O terror de te ver

Em toda a parte.)

Fosse qual fosse o chão da caminhada,

Era certa a meu lado

A divina presença impertinente

Do teu vulto calado

E paciente...

E lutei, como luta um solitário

Quando alguém lhe perturba a solidão.

Fechado num ouriço de recusas,

Soltei a voz, arma que tu não usas, 

Sempre silencioso na agressão.

Mas o tempo moeu na sua mó

O joio amargo do que te dizia...

Agora somos dois obstinados,

Mudos e malogrados,

Que apenas vão a par na teimosia.

 

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Onde eu estiver, estarás tu. Aonde eu for, tu irás comigo. Nos silêncios e nas verborreias, que nada fique por dizer. Saber que tu existes alargou o meu mundo, ampliou o meu coração e multiplicou o meu amor. Meu Amigo, irmão, camarada, amante. És espantoso, sim, e eu adoro-te, sim.

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2017 foi um ano bom. Do caraças, mesmo. Insólito, como são sempre os melhores anos.

Apaixonei-me. Fiz Amigos para a vida toda, ou enquanto me queiram. Descobri coisas insuspeitas sobre mim própria, que me fizeram mudar uma série de paradigmas e desafiar-me a mim e ao que me rodeia. Tive uma série de problemas novos, é certo, mas o balanço final é que as coisas boas, que são quase sempre pessoas, multiplicam-se se deixarmos. Vi sororidade brotar de desertos improváveis, aprendi que o que eu quero pode e deve ser tão importante como o que os outros querem, arrisquei quase tudo e assumi o que queria e quero. Não perdi, mas também não ganhei e por isso não desisti. Descobri que há outros bichos raros como eu por aí (o que é um pouco assustador). Abri-me e pus a alma a nú perante desconhecidos. Cortei alguns laços que eram lassos. Perdi vergonhas. Por breves instantes, senti-me realmente especial e capaz de mudar o mundo. Fui à luta e a Luta continua.

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[Deitei-me ontem ansiosa, a pensar em como terei de digerir e lidar com mais uma distância que há-de surgir, em data por anunciar. Pensava em como a distância não trará substancial diferença, ponderava suposições e tentava adivinhar cenários, sempre com o peso da antecipação já doer como nunca devia ter doído. Como habitualmente, a antena mística que capta no ar o que ainda não é estava a adivinhar sem saber o que nem tu sabias ainda.]

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Pilar diz, sobre Saramago, que era um homem arrasador, e que conhecê-lo foi uma maldição. Consigo compreender bem. É extraordinariamente difícil seguir com a vida depois de conhecer uma pessoa que nos abala a estrutura toda, que supera largamente tudo o que ousámos desejar, que acreditávamos não poder ser real, tangível, próximo, humano.

Quando alguém assim, arrasador como Shiva, nos surge na vida, palpável e concreto, todo o nosso futuro se torna numa mentira. Tudo o que vier depois é insuficiente, é ridículo e deprimente, se posto em perspectiva. A solução será fingir que não se vê, que não se sabe, que não se deseja com ardor respirar aquela existência a tempo inteiro, viver e morrer nos seus braços.

Se calhar o amor é muito isto, uma inesgotável admiração, o carinho e o instinto de proteger e de consumir aquela beleza até à última gota, que até poderá passar despercebida aos olhos do resto do mundo, mas é inesgotável para quem ama, para quem deseja, para quem constrói mundos assentes em toda a poesia por nascer de entre dois lábios e combate uma luta perpétua entre a vontade de o calar com beijos ou continuar a conversar sobre tudo o que existe. É esta batalha que vai sustendo a compostura e bastando para dobrar noites de ausências.

 

 

Fui contigo o que nunca tinha sido, e tanto criticava nas outras. Fui gaja, fui cabra. Dizia que não estava interessada, mas ia surfando a tua atenção, que me aconchegava o ego. Piscando o olho desinteressadamente, mas recusando. Sem sentido.

Só que afinal havia um sentido. Afinal não era desinteresse, era corpo e alma despertos para qualquer coisa muito especial, espantosa, insólita. Tu.

É universalmente óbvio que os nossos caminhos não poderiam continuar apartados e é aparatosamente despropositado que os mantenhamos hermeticamente contidos.

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E agora, como fazer marcha atrás a toda a velocidade, de preferência voltando atrás no tempo e desfazendo equívocos com erros crassos?