Ah, ceia de Natal, altura em que toda a família que está mais ou menos distante se reúne em torno da mesa...
E toda a gente é recordada das razões pelas quais só se encontram uma vez no ano.
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Ah, ceia de Natal, altura em que toda a família que está mais ou menos distante se reúne em torno da mesa...
E toda a gente é recordada das razões pelas quais só se encontram uma vez no ano.
As mãos duras abrigam poemas
Escorrem agruras em teias de nós
É violenta a ausência de quem se perdeu
E é bruta a força dos anos que passam
E nem por isso pesa o sorriso
Falhado, orgulhoso
Perfeito
Que ri por cima da história
Da ditadura, dores,
De fome, trabalho,
De desprezo, traição,
De abandono, injustiça
Ri com liberdade
Com o descanso de ser e ter sido
Fortaleza invicta
Fera, amazona e tecto
Punho erguido e colo, cobertor
Ossos fracos, varizes
Rugas e cabelos brancos
Rude como a terra arada
Fértil, analfabeta e sábia
Camarada e amiga
Amada
Há semanas difíceis e surreais, há semanas tristes e de oscilações drásticas ao jeito de montanhas russas... Esta foi uma delas. Em oito dias, postos de trabalho em risco, incerteza, um encontro com pessoas de quem gosto muitíssimo e que temi que culminasse em batatada, discussões e desconfianças e lamentos e dúvidas, emergências de hospitais, um pedido de casamento e o falecimento de um familiar. Porra. E o fim-de-semana já a acabar sem pré-aviso, além da chuva prevista para amanhã.
Quando um ex-militante do MRPP, dos tempos da clandestinidade, que até é teu progenitor, te diz, cheio de pinças e paninhos quentes, que se calhar prefere que não vás a uma audiência com o Presidente da Câmara, que até é das tuas cores políticas (maijomenos, até encontrares a porcaria do cartão, para o poderes devolver), porque tem medo que o comeces a tratar mal e a atacar discutir com o homem... E depois diz, já com todas as letras: "não te quero lá, que ainda tens um ataque de fúria e partes a tromba ao gajo!"
Alguma coisa estás a fazer bem.
Cá em casa somos ambos filhos de pais maoístas (actualmente ex-maoístas, ao que parece) e, ao longo do tempo, fomos descobrindo uma série de coincidências entre os dois, que podem bem ser apenas coincidências engraçadas, mas que gostamos de insinuar que têm relação com a militância clandestina no MRPP.
Tudo somado, os meus pais estão juntos há mais de 45 anos. Quase meio século de relação, sempre juntos. Sempre a partilhar a mesma casa, com altos e baixos, comme il faut, mas a sobreviver a todos os desafios (e não foram poucos, nem fáceis). Com diferenças, tantas (!), entre os dois. Com impaciências e discussões e crises, e gargalhadas e cumplicidade, e sem conseguirem viver um longe do outro. Mais de 45 anos. E sem nunca se esganarem ou envenenarem mutuamente!
Só isso já seria motivo mais do que suficiente para serem os meus heróis.
Cravos vermelhos. 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais. A minha favorita de sempre e que tenho como lema de vida e pilar fundamental do meu sistema de crenças: o Povo Unido jamais será vencido.
Nasci no seio de uma família de fazedores de Abril. Da geração que cresceu na ditadura, com muitas dificuldades - dificuldades sérias, é preciso explicar, que a palavra se banalizou. De avós operários das fábricas, sem instrução, sem casa própria, que viviam em águas furtadas sem casa-de-banho, que tinham de fazer duas sardinhas e um ovo esticar para alimentarem três bocas. O 25 de Abril trouxe possibilidades inegáveis de uma vida melhor, a capacidade de ambicionar algo mais, direitos, participação cívica, desenvolvimento pessoal. Já não era necessário entrar à socapa nas salas onde se reuniam membros dos partidos políticos clandestinos, atrás da sede do clube de futebol local. Os meus avós ousaram então, só então, sonhar com uma casita alugada, paga do salário deles, com quartos e cozinha e casa-de-banho, até um quintal para poderem semear uns legumes. Os meus pais ousaram encerrar o ciclo: casar e constituir a sua própria família, sem a condenação inevitável da pobreza, sem ser necessário mandar os filhos trabalhar ainda pré-adolescentes para ajudar ao sustento da casa.
Eu, tendo nascido anos depois, sinto-me filha de Abril. Tudo o que sou deve-se àquele momento em que homens e mulheres valentes ousaram derrubar o sistema e entregar o destino do país às mãos do povo.
O 25 de Abril é o dia mais bonito. O cravo vermelho é a flor que toca todos os corações.
A Democracia está longe de ser perfeita e está, para mal de todos nós, desvirtuada. Ao 41º aniversário da Revolução dos Cravos as notícias dão-nos conta de mais um vil atentado à liberdade de imprensa pelo arco da governação das últimas décadas, mais um retrocesso nas portas que Abril abriu. Apelo aqui à memória da ditadura, na 1ª ou 3ª pessoas, para que não se ceda nem mais um milímetro dos direitos arduamente conquistados há quatro décadas (salário mínimo, direito à educação e saúde gratuitas, igualdade de géneros, direito à greve, a férias, Segurança Social, etc., etc., etc.), porque ainda há muito a conquistar para que esta sociedade seja realmente justa.
Eu queria dar um pai destes, o melhor, aos meus filhos. Sabendo que há pais assim, qualquer um nunca poderia servir. E durante algum tempo acreditei mesmo que o tinha encontrado. A sério. Apesar de tudo. Talvez parte do que me fez gostar taaanto de ti dele (diz que não faz sentido falar na segunda pessoa para fantasmas) foi o quanto ele me lembrava o meu pai, ideal aos meus olhos. Tem a mesma altura, a mesma profissão, a mesma força armada, no mesmo sítio, as mesmas funções, a mesma política, a mesma sensibilidade poética, até o mesmo detestável vício (o tal que eu consegui afugentar num e ia conseguir no outro).
Quando ele me falava em termos filhos, pela primeira vez numa vida inteira não me pareceu descabido, nem uma consequência de, entre muitas outras coisas, uma convenção social. Não me parecia irreal nem um lugar-comum. Parecia-me, mais do que natural, que só podia ser fantástico. Que filhos nossos seriam mesmo, passo o cliché, fruto dum amor tão mágico que só podia resultar numa família linda e feliz. Apesar de tudo. Quando os olhos dele brilhavam ao falar nos "bebés" (assim mesmo no plural), quando fazíamos planos para o "quarto do menino", eu sorria. Já não franzia o sobrolho nem fugia ao assunto, dizia que gostava mesmo era de ter gémeos e era tão fácil visualizar. Via-lhes as carinhas sorridentes, entre os livros com o pai, a conhecer os bichos com a mãe. Quando estava com ele já olhava para as crianças de forma serena, quase a permitir que o instinto maternal baixasse finalmente em mim.
E naqueles momentos, em que os sonhos eram planos, as dificuldades eram pequenos nadas que se iam dissipar, com toda a certeza que só tem quem ama. Apesar de tudo.
Já pensei seriamente em fazer aconselhamento a famílias sobre onde poupar. Consulta única, 50 "aérios", eu vejo as contas do mês e digo exactamente onde se pode poupar, e muito.
Afinal, sou perita. Vou contar em traços largos porque digo isto e já seguimos o tema.
Nasci pobre e a tendência não tem sido melhorar. Nunca fui habituada a luxos em coisa nenhuma mas nunca me faltou nada indispensável. Quando era miúda precisava de pôr aparelho nos dentes, era muito caro e os meus pais trabalharam a vida toda (desde a pré-adolescência) e não conseguiram fazer esse esforço. Tudo bem, aguentei-me à bronca e com o advento ortodôntico low-cost tratei do assunto há alguns meses. Precisava de fazer uma cirurgia enorme, em escala de risco/delicadeza/impacto e idem em escala de preço - no valor de algo como metade dum apartamento como o meu (estamos a falar de várias dezenas de milhar de euro) no privado, que é onde está o "melhor médico". Em tratando-se da minha saúde e da delicadeza da operação, quis o melhor e nada menos que o melhor, uma excepção à minha regra. E também esperei por ter alternativa (leia-se seguro de saúde) para me escapar ao total e pagar a custo a minha parte da coisa (em prestações, o que também é excepcional para a minha conduta económica).
Ambos os meus pais nasceram pobres (não é remediados, quero mesmo dizer pobres, do género "há uma sardinha para o jantar de três") e foram escapando a pulso, com muito trabalho e sem grandes chances de estudar. Revolução, etc. e tal, eventualmente conseguem o conforto de alugar um apartamento e procriar. Tudo o que têm foi ganho com trabalho, muito trabalho e eu aprendi o valor do dinheiro. Talvez por isso mesmo, nunca lhes pedi nada. Até porque tinha tudo. Educação, amor e carinho. E isso é tudo. Nunca andei em colégios privados, nunca tive roupa de marca nem nada dessas mariquices. Fui bem educada, incutiram-me valores que continuam a ser os meus pilares, sempre fui aluna exemplar, pelo que não tenho qualquer dúvida que nada disso me fez falta ou pode fazer a alguém. As férias de verão significavam passear Portugal fora, de opel corsa com os 5 lugares ocupados, durante 3 ou 4 dias. E eram belas férias, que me deram a conhecer o meu país de lés a lés e alimentaram o bichinho (que entretanto se tornou um monstro) de sair sem rumo e chegar aonde a estrada levar, de improvisar, de descobrir tascas castiças e gente bonita. Cresci e fui a primeira da família directa a frequentar uma universidade. Segui o coração e calhou ir para o mais belo curso do mundo e o único que poderia encher-me as medidas mas que tem empregabilidade zero.