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Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

Ventania

Na margem certa da vida, a esquerda.

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Fixem esta data: 15 de Março de 2019. Vai ser apenas um começo, mas o começo da maior reviravolta política, económica e social de sempre em termos globais.

Milhões de pessoas, maioritariamente estudantes do ensino secundário e superior, saem às ruas a exigir acção dos seus governos para travar as alterações climáticas, a maior e mais premente ameaça global que a humanidade alguma vez enfrentou e que, se não forem tomadas medidas drásticas muito rapidamente, transformará irreversivelmente a vida como a conhecemos. Reclamam o direito a um futuro, têm argumentos incontestáveis e a força da mobilização de massas como nunca antes vista e, tudo indica, em crescendo. Não vão desistir até conseguirem o que reivindicam: medidas concretas e urgentes para reduzir as emissões de GEEs (gases de efeito de estufa) a níveis que permitam limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC em relação a níveis pré-industriais.

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O movimento #FridaysForFuture ou #ClimateStrike, iniciado por Greta Thunberg, uma adolescente sueca determinada a lutar pela justiça climática contra o sistema, cresceu exponencialmente desde os protestos solitários em frente ao parlamento sueco, e promete mudar o mundo. Têm-se sucedido greves e protestos de grande dimensão na Bélgica, Austrália, Reino Unido e França, por exemplo. Para 15 de Março, a Greve Climática Estudantil está agendada para centenas de cidades em 92 países. É A MAIOR GREVE DE SEMPRE.

O movimento é estudantil, mas colhe apoios sem reservas da comunidade científica internacional e dos activistas pela justiça climática. O consenso é inequívoco: para a maior crise ecológica de sempre, as respostas do status quo (de falsas soluções de “capitalismo verde” a um tecnopositivismo que remete para um futuro incógnito pelo qual não temos tempo para esperar de braços cruzados) não são minimamente eficazes. O problema reside no sistema, pelo que nada menos do que mudar o sistema o poderá resolver.

Em Portugal, estão confirmados 27 locais com protestos organizados o âmbito da Greve Climática Estudantil. Cientistas e activistas têm feito palestras nas escolas e universidades para esclarecer os factos das Alterações Climáticas e sensibilizar alunos. Juntam-se professores, pais e muitos movimentos sociais comprometidos com os direitos humanos, a justiça social, a luta feminista e anti-racista, porque a justiça climática é uma luta interseccional.

As ambições destes jovens não são modestas. Pretendem, e vão conseguir, mudar o destino da humanidade. Eu acredito, até porque é a única hipótese que temos. A Revolução começa agora!

Crónica publicada originalmente no Repórter Sombra, a 15/03.

Dia 8 de Março é o Dia da Mulher e está convocada uma Greve Feminista Internacional. Tendo em conta os comentários que se vêem e ouvem todos os anos como reacção ao Dia da Mulher e, ultimamente, como reacção específica à greve, ou muita gente não faz ideia da realidade em que vivemos, ou o feminismo ainda é um bicho papão que mete muito medo ou é ostensivamente incompreendido por parte de muita gente. Vou então endereçar e tentar desmistificar, um por um, os comentários mais representativos ou caricatos sobre o tema.

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Feliz dia da Mulher! Toma lá uma flor!

Não se macem, homens, patrões, sindicatos. Algumas pessoas até podem gostar de flores, algumas mulheres até podem achar que este dia é uma oportunidade de celebrar alguma coisa, mas estão... Como dizer isto?... Errados! O Dia da Mulher é um dia de luta política, não é um dia festivo com o propósito de agradar as mulheres com uma florzinha condescendente. Não precisamos de flores ou de festas, precisamos de ser tratadas como pessoas plenas, em igualdade de circunstâncias e direitos com as pessoas que não são mulheres, todos os dias.

 

Se há o Dia da Mulher, porque é que não há Dia do Homem?

Porque dia do homem é todos os dias. Sem excepção, nem mesmo a 8 de Março. Porque é o homem o privilegiado na sociedade patriarcal, porque as relações de poder estão desequilibradas e o domínio ainda pertence (incrivelmente!) aos homens. Olhem em volta. Olhem para as pessoas em posição de poder, para a Assembleia da República, para ministérios e secretarias de Estado, para as Assembleias Regionais, para o poder municipal, para o poder judicial, para as forças de segurança, para as mesas de accionistas, para as listas dos mais estupidamente bilionários da Forbes, para as direcções de ONGs, colectividades e associações de estudantes; olhem para as televisões, para os jornais, para os oradores em congressos, simpósios e conferências. Olhem para a representação de géneros na ficção, filmes e livros, na publicidade, nas embalagens de fraldas a iogurtes. É por isto que não há nem deve haver mais um dia especial, além dos 365 do ano, para celebrar a masculinidade. Porque não é o homem que está oprimido, sub-representado, reduzido a elemento utilitário ou decorativo, condicionado. Porque não é o homem que é vítima de mutilação genital em mais de 27 países a bem da “tradição” de controlar e reprimir a sexualidade, porque não é ao homem que são imputadas as principais tarefas de cuidados e trabalho reprodutivo, porque não é o homem que sofre violências múltiplas sobre o seu corpo, desde os ideais de beleza a que é esperado que corresponda até às agressões sexuais e à violência no parto, porque não é o homem que está, estatisticamente, mais sujeito à precariedade no trabalho, porque não é o homem que tem um fosso salarial de cerca de 20% para superar, porque não é o homem que é constantemente julgado e avaliado pela sua aparência ou pela sua conduta íntima, porque não são os homens que são apalpados em sítios públicos vezes incontáveis ao longo da vida, porque não são os homens que constituem 86% das vítimas de violência doméstica, porque não é o homem que culpabilizado pelas agressões que sofre. Porque aos homens tudo é permitido e desculpável, porque a cartilha moral é muito mais permissiva para os homens. Porque as mulheres são todas umas putas, mas o pior que um homem pode ser é filho da puta.

 

O machismo já não existe, isso era dantes!

Claro que não existe. As mulheres portuguesas de hoje são umas sortudas! Já podem votar, conduzir, trabalhar fora de casa (além da jornada dupla e tripla na gestão do lar e enquanto cuidadoras da família - já lá vamos) e ganhar 80% do que ganham os machos! Uau! Já podem viajar sem autorização escrita do seu amo, marido ou pai. Até já se podem divorciar e, heresia, interromper uma gravidez indesejada sem terem de recorrer a serviços clandestinos sem condições de higiene ou segurança. A não ser que residam em um dos muitos países em que esta realidade ainda é uma miragem! Mas nós por cá já temos esse incrível avanço há séculos - não, afinal é só desde há menos duma dúzia de anos.

Só no século XVIII é que era possível morrerem doze mulheres às mãos de maridos, ex-companheiros e pais em pouco mais de dois meses. Foi obviamente na Idade Média que a justiça portuguesa deliberou que o adultério da mulher era um gravíssimo atentado à honra do homem, e que isso seria uma atenuante face à agressão violentíssima (com uma moca com pregos, em jeito de Neanderthal!) da mulher “pecadora” por parte do seu ex-companheiro e do ex-amante, numa bonita união da masculinidade tóxica despeitada. Foi há pelo menos quinhentos anos que o mesmo juiz misógino, que se sente lesado por quem diz que ele é misógino, retirou a pulseira electrónica a um homem que agrediu ao soco a sua companheira porque ele nem sequer usou de qualquer arma contundente, e afinal só provocou hematomas, escoriações e um tímpano destruído, mais agressões verbais que já nem contam (afinal ela já estava surda do lado esquerdo, provavelmente nem ouviu).

 

Mas a igualdade já está garantida por lei!

Está sim, na Constituição e tudo. E está muito bem, só que entre o que está escrito nas leis e o que acontece na realidade vai um bocadinho, coisa pouca (ver ponto anterior).

Por um lado, a paridade é uma ficção. Era excelente não serem necessárias quotas para garantir o equilíbrio de géneros nos cargos de poder, é claro que o acesso devia estar reservado a critérios de meritocracia. Só que a meritocracia é um mito e a paridade espontânea outro. Numa sociedade patriarcal e intrinsecamente machista, se isto não for regulamentado e efectivamente aplicado, a mudança que se prevê (diz um estudo) que demore cinco gerações a lograr demorará ainda mais. E convenhamos, já ninguém tem paciência para esperar mais para sair da Idade Média.

Por outro lado, a lei pode ser interpretada e usada em sentidos diversos, de acordo com o juízo dos que têm poder de fazer exercer a lei, como Portugal tem sido tão eficiente a demonstrar.

 

Até já há mulheres que ganham mais que os maridos! O que é que querem mais?

O drama, o horror. Como assim, ousam perverter uma relação de poder típica e trocar os tradicionais papéis de género? Isso não é natural! Na volta, lá em casa mandam elas e eles, coitadinhos e emasculados, ainda têm de cozinhar, passar e lavar o chão, que é uma tarefa que se sabe tipicamente de fêmea, enquanto as patroas vêem a bola ou saem com as amigas. E as que nem querem ter filhos, renunciando ao desígnio divino e à sua função primordial (única não, porque alguém tem de lavar a loiça)? Mais as que dormem com quem entendem, as que são mães solteiras por opção, as lésbicas, senhores! Hereges! É natural que as mulheres ganhem menos do que os homens, porque afinal dedicam-se menos ao trabalho, não é? É. As mulheres têm esse terrível handicap de não ter genitais masculinos e toda a gente sabe que a “dedicação ao trabalho”, ou a capacidade, ou a competência, residem no falo. Ou a capacidade de exercer trabalhos mais pesados fisicamente, que as mulheres são todas fraquinhas, como se sabe… Não deixa é de ser curioso que o trabalho intelectual também seja díspar nas retribuições, apesar de as pessoas com mais formação serem… as mulheres.

 

Eu ajudo a minha mulher em casa e quando é preciso até troco a fralda ao bebé!

Ah, esta belíssima constatação que normalmente se faz acompanhar da expectativa de elogios e palmadinhas nas costas, como se de um acto heróico ou extraordinário se tratasse. Homem: se também vives lá em casa, não se chama “ajudar”. Se comes todos os dias, fazer o jantar em dias de festa não conta como partilhar tarefas. Se és parceiro, trocar uma fralda quando a tua companheira está ocupada não é ser um excelente pai; é nem conseguir chegar ao mínimo indispensável. A partilha de tarefas domésticas significa que elas são, efectivamente partilhadas, de acordo com possibilidades, disponibilidades, energias. Partilha de tarefas domésticas é qualquer um fazer o que houver para fazer, simples como isso.

As inúmeras tarefas domésticas, os cuidados da família e de casa, da prole aos mais velhos, são trabalho fundamental à sustentação da sociedade como a conhecemos, mas tipicamente, trabalho não remunerado e invisibilizado, a cargo sobretudo das mulheres. Aparece feito, como por magia. E mesmo as funções de cuidados que são assalariadas, estão tipicamente associadas às mulheres: limpezas, refeitórios, educação infantil, geriatria. E estão também tipicamente associadas a condições contratuais precárias, a baixos salários… Até quando?

 

Agora qualquer desentendimento entre o casal é logo violência doméstica...

A naturalização da violência doméstica precisa de ser banida. A violência doméstica precisa de ser erradicada, ponto! Num país onde mais de metade dos jovens já sofreu violência no namoro e 67% acha normal alguma forma de violência (física, psicológica, sexual ou atitudes de controlo), onde a escalada de femicídios está a atingir proporções absolutamente assustadoras, onde 85% das queixas não seguem para acusação e as queixas serão uma pequena parte das situações de violência, onde as vítimas são sistematicamente culpabilizadas e os culpados são deixados em liberdade, não pode haver a mais pequena chance de assobiar para o lado e ignorar o problema. Decretar dias de luto não faz nada pelas vítimas. Violência doméstica é crime público, já não pode haver cabimento na máxima “entre marido e mulher não se mete a colher”! Basta! Quem cala ou tenta escamotear a verdade está a compactuar com o crime e isto não pode ser tolerado!

 

Mas nem todos os homens!…

Claro que nem todos os homens são agressores, claro que nem todos os homens são machistas e nenhuma feminista em usufruto de plenas competências intelectuais acusa todos os homens de serem agressores ou machistas. Mas obrigada por frisarem o óbvio, não acrescentando rigorosamente nada ao tema e ocupando o espaço público com a vossa indignação inédita, desviando a atenção do que realmente interessa. Esta coisa do #notallmen é uma flagrante questão de ego. Tão acostumado que está a achar-se no direito de ter algo a dizer, a interromper, a ter a atenção e a palavra ainda que o assunto não lhe diga respeito, o pobre macho sente-se ameaçado no seu privilégio se alguém fala da sua tribo masculina sem criar a excepção em seu nome. O que a esmagadora maioria dos homens não entende é que é o seu lugar privilegiado na sociedade enquanto homens (sobretudo se forem ricos, brancos e heterossexuais) que os faz cair no ridículo de se sentirem melindrados com acusações justas para com os homens agressores e machistas. Senhores, para o “nem todos os homens” (#notallmen) é que já não há pachorra! Já muito ajuda quem não atrapalha, portanto queiram fazer o favor de se absterem quando não têm nada a acrescentar.

 

Vestida daquela maneira/à noite sozinha/estava a dançar com ele, o que é que ela queria?

Queria divertir-se, queria beber e dançar como as outras pessoas sem ser assediada, apalpada ou violada, sem ser agredida. Queria ser tratada com respeito, queria não ser alvo de juízos de carácter por fazer com o seu corpo o que bem entende, queria não receber assobios e propostas sexuais de desconhecidos, queria não ser assediada no trabalho, queria ter o mesmo salário e oportunidades que têm os homens seus colegas. Queria andar sozinha de noite sem ter medo de ser atacada. Queria não viver numa sociedade em que a cultura do estupro é dominante. Queria só ser respeitada e ter o mesmo tratamento que é genericamente dado às pessoas sem vulva. Queria não ser alvo do anedotário nacional que relaciona uma derrota do clube de futebol do agressor com a consequente surra na esposa, como se a correlação fosse aceite tacitamente como justificação. Queria não ser parte das estatísticas que apontam as mulheres como 80% das vítimas de violência doméstica e 90,7% das vítimas de crimes sexuais. E é também por causa deste flagelo que é muito necessário ter um Dia da Mulher e fazer uma Greve Feminista. Repitam comigo: as mulheres não são objectos, são pessoas.

 

Greve?! As greves só podem ser convocadas por sindicatos!

Esta Greve sustenta o nome por ser um evento internacional e que pretende ser uma expressão massiva de contestação social. Há países em que a mobilização em anos anteriores já juntou nas ruas milhões de pessoas (com e sem vulva)! Em 2018, só em Espanha foram sete milhões. Vejam bem que até cá no burgo da retaguarda da Europa, já há (poucos, poucochinhos e tão insuficientes) sindicatos temerários que foram buscar coragem política onde os seus pares não a vislumbram e fizeram o pré-aviso de greve. Os restantes continuam, aliás, a perpetuar o status quo e a “premiar” as trabalhadoras com flores, como se houvesse lugar a algum tipo de celebração ou como símbolo de uma espécie de fragilidade decorativa das mulheres nos locais de trabalho, o que rejeitamos com veemência. Poupem-nos a semelhantes manifestações de “solidariedade”, que aliás são utilizadas precisamente pelas entidades patronais - sim, as mesmas que cavam o fosso salarial que coloca as mulheres a laborarem sem remuneração por 58 dias anuais em comparação com os homens.

Se é esta fraca colaboração que a grande maioria dos sindicatos tem para oferecer às mulheres trabalhadoras, não são parte da solução, mas são indubitavelmente parte do problema - que é como quem diz, do sistema.

 

Mas não se pode convocar uma greve só para mulheres!...

Obviamente que não. Numa greve contra a discriminação, não são só as mulheres que devem lutar pelos seus direitos, mas todas as pessoas que acreditem que as pessoas que não se identificam como machos não são pessoas de segunda categoria. (A sério que é preciso explicar isto?!) Não existe guerra dos sexos, o movimento feminista quer acabar com o patriarcado, não com os homens. Aliados são bem-vindos e necessários. Os aliados que recusam perpetuar o sistema que lhes confere o privilégios múltiplos e lutam lado a lado com as mulheres, sem se sobreporem à sua voz, por um mundo mais justo para todos, são valiosos e bem-vindos.

 

Como é que posso juntar-me à Greve Feminista?

A greve almeja um abalo suficientemente forte nas opressões sistémicas para que o sistema mude de facto, e assenta em quatro eixos: greve ao trabalho assalariado, greve estudantil, greve aos cuidados e trabalho doméstico e greve ao consumo de bens e serviços.

Há várias formas de colaborar, sendo que fazer greve é a que encabeça a lista. A segunda melhor forma de ajudar é sair à rua e engrossar a massa humana das manifestações que vão ocorrer em vários pontos do país - quantas mais pessoas na rua a reivindicar os direitos de todas nós, melhor. Depois, é ainda fundamental o apoio dos homens à greve, não só engrossando os espaços de luta como também substituindo as mulheres nas suas tarefas domésticas e de cuidados, porque há muitas pessoas dependentes dele.

Se as mulheres param, o mundo pára.

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Não tendo grande explicação para o facto além de Barcelona ser, a par do Porto, a minha cidade europeia preferida, mas sempre me senti em certa medida catalã, pelo menos no coração. Conheço razoavelmente bem o resto de Espanha, também gosto muitíssimo do País basco e da Galiza, gosto imenso de Sevilha, de Madrid e de uma série de outras cidades e regiões, não gosto do sul árido, detesto Granada... Mas Barcelona é especial, é uma paixão assolapada (tal como o Porto).

Imagino-me, com toda a facilidade, a viver feliz em Barcelona. Não só pela arte e pela arquitectura, que me dizem muitíssimo, mas sobretudo por aquele factor X em que não se consegue bem colocar o dedo. Gosto das pessoas, que acho tão diferentes dos estridentes madrilenos, artísticos e rebeldes, anarco-freaks de todas as gerações, gosto do cheiro das ruas a serem lavadas pela manhã cedo, gosto do mar e da serra. Gosto da espontaneidade com que as velhinhas falam comigo em catalão nos mercados, da feira da ladra tão a minha cara, do sorriso com que me abriram uma vez as portas de um supermercado que já estava em horário de encerramento porque precisava mesmo de comprar mais uma garrafa de espumante. Ali, sinto-me em casa, como se pertencesse às gentes e aos lugares e a cidade fosse também um pouco minha. Barcelona tem tudo e creio que seja impossível viver lá e passar um dia de marasmo. Há sempre tantas coisas a acontecer: festivais, concertos, exposições... Já visitei Barcelona talvez uma dezena de ocasiões (houver um ano em que calhou lá ir 3 vezes em poucos meses) e fico sempre com pena de vir embora, a cidade não me cansa. E depois há o resto da Catalunha, há os tascos de beira de estrada, as botifarras, o sorriso malandro das pessoas que nos cruzam o caminho e fazem questão de esclarecer que não são espanhóis, isso é outra coisa.

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As esteladas penduradas nas varandas, os motins espontâneos em defesa da ocupação de um edifício que queriam demolir - estive lá em 2014, no centro do bairro em que os protestos aconteciam, os transportes públicos parados, as ruas fortemente policiadas, vidros partidos (sobretudo de bancos), caixotes de lixo queimados. Sempre com uma magnífica sensação de paz, sem sombra de receio, porque rapidamente se percebia que a reacção orgânica se dava apenas contra quem devia, as forças burguesas e capitalistas e o seu braço armado, os Mossos - e isso desperta a Shiva que há em mim. Nem o pequeno comércio nem as habitações alguma vez estiveram em risco, mas aquela malta não se ensaia nada em passar a luta para as ruas e atirar uns cocktails molotov para se fazer ouvir. E isso para mim é poesia. Porque a luta não é consequente se nunca passar do debate, do papel, do referendo ordeiro e perfeitamente indiferente.

Obviamente que o argumento da ilegalidade face à constituição espanhola é apenas ridículo e o mais bacoco que o imperialismo podia trazer para o seu fraquinho argumentário. É claro que nenhuma revolução se faz à letra da lei. É claro que a independência das nações não pode ficar presa porque não está "autorizada". Se querem cingir-se ao legalismo, recordo que a Constituição Portuguesa diz:

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Temos assistido a um escalar da intransigência do governo de Rajoy a uma mera consulta popular, com recurso a uma desproporcionalidade de forças e autoritarismo tal (nomeadamente passando por cima do estatuto de autonomia da Catalunha, com apreensão de urnas e boletins de voto, prisão de pessoas, encerramento de websites sobre o referendo, reforço exageradíssimo da presença policial e subordinação dos Mossos d'Esquadra à Guardia Civil) que é impossível responder com outra coisa a esta inegável manifestação fascista (que tresanda a franquismo) além do mais profundo repúdio. Se dúvidas houvesse, ficou claro nas últimas semanas o quão "democrático" é o PP, partido de direita no poder, bem como a burguesia sistémica que compõe as fileiras também do PSOE, do Podemos e do Ciudadanos.

Não se adivinham tempos fáceis para os independentistas catalães. Naturalmente que o referendo, a existir (já tive mais dúvidas, mas ainda subsistem porque já se viu que o governo central está disposto a montar um cenário de guerra para impedir a votação), não irá por magia resolver alguma coisa. Mas será um primeiro passo muito claro e que é preciso segurar com os olhos postos no objectivo, doa o que doer. Sabemos que a Greve Geral marcada para dia 3 de Outubro pode bem ser o ponto de viragem, se a mobilização o permitir, que poderá fazer a diferença e lançar os alicerces sólidos de uma revolução popular em nome de uma República Socialista Catalã.

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Sou catalã no coração, que está hoje ao alto. Solidariedade absoluta para com a causa da independência e a luta que vai requerer, orgulho máximo e respeito infindo por todos os que fazem a sua parte para que a vontade popular se sobreponha ao fascismo.

 

Eu apoio as greves dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa.


Estou a 100% de acordo com as suas motivações (contra a reestruturação da empresa e pela defesa do serviço público) e, por muito que seja doloroso viajar na Carris em dias de greve do metro, estes trabalhadores não estão só a defender os seus postos de trabalho e a aplicação do seu Acordo de Empresa, estão a defender a manutenção de um serviço público e, portanto, o bem comum.


Quem não consegue ver para além do seu umbigo, da sua comodidade, será contra estas e, porventura, todas as greves. E, ou muito me engano, ou grande parte destes são os mesmos que não vão votar porque têm coisas melhores para fazer.