[Deitei-me ontem ansiosa, a pensar em como terei de digerir e lidar com mais uma distância que há-de surgir, em data por anunciar. Pensava em como a distância não trará substancial diferença, ponderava suposições e tentava adivinhar cenários, sempre com o peso da antecipação já doer como nunca devia ter doído. Como habitualmente, a antena mística que capta no ar o que ainda não é estava a adivinhar sem saber o que nem tu sabias ainda.]
Pilar diz, sobre Saramago, que era um homem arrasador, e que conhecê-lo foi uma maldição. Consigo compreender bem. É extraordinariamente difícil seguir com a vida depois de conhecer uma pessoa que nos abala a estrutura toda, que supera largamente tudo o que ousámos desejar, que acreditávamos não poder ser real, tangível, próximo, humano.
Quando alguém assim, arrasador como Shiva, nos surge na vida, palpável e concreto, todo o nosso futuro se torna numa mentira. Tudo o que vier depois é insuficiente, é ridículo e deprimente, se posto em perspectiva. A solução será fingir que não se vê, que não se sabe, que não se deseja com ardor respirar aquela existência a tempo inteiro, viver e morrer nos seus braços.
Se calhar o amor é muito isto, uma inesgotável admiração, o carinho e o instinto de proteger e de consumir aquela beleza até à última gota, que até poderá passar despercebida aos olhos do resto do mundo, mas é inesgotável para quem ama, para quem deseja, para quem constrói mundos assentes em toda a poesia por nascer de entre dois lábios e combate uma luta perpétua entre a vontade de o calar com beijos ou continuar a conversar sobre tudo o que existe. É esta batalha que vai sustendo a compostura e bastando para dobrar noites de ausências.
Mais para ler
O Universo tem o péssimo hábito de falar comigo. Revela indícios e segredos que costumo ignorar, por carecer de validação lógica ou racional. Como boa entendedora que não sou, só percebo quando baixo a guarda da lógica e relaciono eventos, sítios, factos com os sinais recebidos, usualmente sentimentos, impressões, adivinhações. O sentimento esquisito de orientação em sítios onde nunca tinha estado, a confiança cega em pessoas que nunca tinha visto, o encantamento ideológico e emocional por lugares ainda por explicar, tudo parece apontar em direcções que me perdem. O facto de me enamorar o espírito, por me sentir desafiada, embarcar em aventuras sem rumo nem norte, poderá também estar relacionado. Queria saber traduzir os sinais do Universo. Tenho uma fervorosa e urgente necessidade de passar a pente fino cada significado, em busca de uma pista, e um faro dissonante que me dispersa por labirintos sem fim. Sou vencida pelo tempo que não se retém. Pelo sono que não dá tréguas. E até pela paixão branda que me invade todos os espaços de ti.
Mais para ler
Não é caso único. Aqui há uns 7 ou 8 anos, tinha começado a namorar com o "falecido", começávamos a conhecer os amigos um do outro, e ele insistia para que eu conhecesse quem seria "uma das melhores amigas". Naturalmente que sim. Pois que a primeira impressão (e todas as seguintes) não só não foi a melhor como detestei a rapariga. E depois o dilema... Como dizer ao namorado que detestei a melhor amiga (ou uma das, whatever) e preferia nunca ter qualquer tipo de proximidade com aquela pessoa? Quando no dia seguinte ele me coloca directamente a questão que queria evitar, "Então, o que achaste da S.?" ainda tentei rodear, mas eu sendo eu, tenho pouco talento para não dizer tudo o que me passa pela cabeça e acabei por disparar um diagnóstico nada abonatório. Mas nesta situação em concreto, tinha motivos reais...
Acho que foi pouco antes do Natal, e combinei encontrar-me com eles depois dumas compras que ia fazer com uma amiga minha. Lá seguimos, eu e a minha amiga, para o ponto de encontro, já lá estava o "falecido" e outro amigo, todos bem dispostos e em amena cavaqueira, quando chega a sujeita, atrasada e esbaforida. Apresentações, etc., e os amigos começam a colocar algumas novidades em dia. A S. era amiga do meu namorado na altura e do amigo dele, mas nunca me tinha visto a mim e muito menos à minha amiga. Mas nem isso pareceu inibi-la de nos pôr a par, detalhadamente, da aventura que estava a ter com um rapaz que era namorado duma sua 'amiga'. (What?! Sim, isso mesmo.) E então não se sentia muito bem, porque estava a enganar uma amiga (se fosse uma desconhecida, não havia problema?!), e o seu dilema era se continuava a encontrar-se com o rapaz às escondidas ou dedicava-se só ao amante casado do trabalho... E assim mesmo, sem pudores, sem nos conhecer, foi esta a primeira imagem que me foi oferecida.
Na minha juventude ingénua de então isto foi uma pedrada no charco. E mesmo hoje, depois de ter visto e ouvido de tudo (and I really mean DE TUDO), e quase nada me espanta, ainda penso frequentemente que vivo num mundo muito distante do "mundo real"...
Mais para ler
A minha amiga tem uma amiga de quem não gosto. Por nenhuma razão em especial. Não gosto da forma como me olha, não gosto do modo como fala, o próprio tom de voz da moça irrita-me sobremaneira. Talvez seja da postura algo snob, talvez me faça, inconscientemente, lembrar alguém, mas não confio nela nem um pedacinho, tudo o que diz me soa a falso e a segundas intenções.
Tantas vezes me digo que tenho de dar mais crédito aos instintos que desta vez me vou deixar ficar assim. Noutros tempos, faria um esforço por ignorar esta sensação, por racionalizar e achar que estou apenas a implicar sem razão. Agora, estou-me nas tintas. Não gosto dela e ponto.
Mais para ler
Que dia! Fora este monitor um diário e deixaria a página em branco. Que a guardar, “só o que é bom de guardar”. No limite da tolerância ao choque ideológico (pet name para emprego), na incerteza do rumo que pretendo mas na certeza do que não pretendo, no cansaço das fugas, que todas as direcções estão esgotadas. Já consumi o pouco talento que tive outrora para fazer com que uma migalha de alegria enchesse a barriga (no sentido figurado) e o espírito (no sentido literal). Já não me chega a promessa, a esperança, sequer o sonho. Só a vontade me traz força, e a vontade não é de caminhar nesta direcção.
Não sei fazer planos. Não sei pensar estrategicamente, não sei esperar pelos momentos oportunos, não sei fazer bluff. Mas sei, tão bem, o que quero. Sei o que gosto de fazer e melhor ainda de quem gosto, sei o que me motiva e o que me contenta, sei onde guardo os talentos e onde devia esconder as falhas. Sei o que valorizo e que não valorizo o mesmo que os outros. Há uma diferença enorme entre estar perdida e não saber para onde vou.
As decisões foram tomadas. Agora, é ir.
Mais para ler
O meu instinto anda a querer dizer-me qualquer coisa... e eu não estou a gostar do que começo a ouvir.