[Gosto de vozes. Gosto de me sentir embalada nas vozes suaves e doces de poemas sedosos, gosto de me sentir desafiada por vozes possantes e graves, em que me afundo e venho à tona, atraída fatalmente pela corrente mais forte que eu.]
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[Gosto de vozes. Gosto de me sentir embalada nas vozes suaves e doces de poemas sedosos, gosto de me sentir desafiada por vozes possantes e graves, em que me afundo e venho à tona, atraída fatalmente pela corrente mais forte que eu.]
Cansada de pedir mais poesia por onde passo, reconhecendo as fugas injustificadas, decidi cortar amarras e navegar sem rumo, de encontro ao que por mim esperasse na outra margem. A imagem antagónica do outro lado do espelho rachado roça a perfeição. O tinto escorregava pelas canecas infantis, soltava línguas tímidas demais para se cruzarem nos silêncios em que os dedos apartados queriam chamar os outros, mas esperavam por algum momento certo que parecia não chegar. Os livros mais que correctos, a música certeira. Tudo o que importa a corresponder a cada expectativa mais ousada. Espanto por todo o lado, como só podia ser neste filme, como em todos os filmes com registo especial. Conheci um poema de olhos azuis, frugal, feito de suavidade, de sorriso puro e persistente. E quando um poema te olha nos olhos e não desarma o sorriso, como se visse um arco-íris materializado em gente, abraças a poesia ou foges feita vadia...
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pudesse combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
BEIJA-FLOR
beija-flor
flor do céu
a cada dia a mesma canção
nunca perguntas porque será
e eu pensado como se faz
não é teu
nem nunca será
é um sonho cantando
fora de ti
seja o que for
deixa o tempo em paz
se não me vais ouvir
para quê tentar
quero ir
onde tu vais
esquecer a razão porque parti
eu ainda procuro entender
beija-flor
como vai ser
olhei para trás
que confusão
todo o cansaço
de uma ilusão
seja o que for
deixa o tempo em paz
se não me vais ouvir
para quê tentar
Disseste tu quando estavas no meu lugar.
Tinhas razão, até certo ponto. Mas os ultra-racionais adoram provocar...
Google it: (sqrt(cos(x))*cos(200*x)+sqrt(abs(x))-0.7)*(4-x*x)^0.01sqrt(9-x^2)-sqrt(9-x^2)
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
O segundo me chegou
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida.
Vasculhou minha gaveta;
Me chamava de perdida.
Me encontrou tão desarmada,
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração.
in Paixão ou a Batalha contra as Sombras
O problema dos lugares é que ficam tatuados nas memórias, acoplados aos cheiros, às emoções [coração no túnel, fora do peito], ao tacto, ao som de cada palavra [tuas dentadas, bochechas salgadas]. Não se consegue dissociar o lugar das memórias fortes, felizes ou infelizes, e isso gera toda uma expectativa inconsciente de que os lugares, só por existirem, asseguram para a eternidade os sentimentos que outrora testemunharam. Por isso se recomenda não voltar aos sítios onde já se foi feliz. O cérebro adora encontrar padrões na realidade que apreende e espera a reprodução daquela outra felicidade [os beijos de nuvem, boca macia de volúpia]; claro que o mais certo [o amor não é física, não se reduz a explicações nem a fórmulas matemáticas] é a realidade não encaixar na expectativa. Se a História se repete é por falha no guião, alheio à natureza mutável do mundo e dos homens [podia bem ser a tua mulher]. Culpa da memória que vai lapidando e erodindo as recordações, às vezes forjando algum pormenor [as tuas mãos nas minhas mãos, o meu nariz aninhado] ou submergindo-o por inteiro.
Insisto na teimosia [camarada]. Lugares há em que deambulo todos os dias, vão massacrando pela repetição da ausência, raspando ao de leve a pele com uma lixa suave e meiga [a tua barba negra, os caracóis], mais e mais, até a ferida aberta já não ter pele nem carne nem osso nem sangue nem vazio [fome de ti]. Comprarei um seguro contra desgostos. Uma mezinha para me untar, inteira, loção de aço, à prova de corações partidos e promessas de poesia [Teresinha]. Não tenho como atravessar os mesmos lugares de primeiros beijos [tão doces] e joelhos no chão, com os cacos espalhados, enterrados.
Como é que se esquece, como é que se cala, como é que se ignora que estamos a ir no sentido oposto - e não era nada disto que eu queria [à nora]? Caramba, como é que se respira?!
Insólita é também a fuga às palavras, tantas vezes único destino de pensamentos e desabafos. Agora compreendem-nas bem, demasiado bem, e os seus significados ocultos são transparentes aos olhos de quem os sabe. Ando à volta e evito escrever as palavras que marcam mais, a ferro em brasa nas costas, porque sei que não poderão ser desditas e, se nunca forem verbalizadas, talvez um dia possamos fingir que nunca foram reais.
Para as compensar - às palavras caladas - soltam-se os restantes verbos, primeiro a conta-gotas e depois em inundação de todos os mares. Não me peçam silêncio. Quando nos atiramos de um avião ou de um desfiladeiro, se não houver lugar a exclamações, algo está desfasado da realidade. (Eu estou, muitas vezes, num qualquer universo paralelo feito só das coisas que importam e desprendida das amarras da realidade bacoca e imbecil.) Quando o pára-quedas está roto, é bom que se diga o que há para dizer antes da testa bater no chão. E já agora, é bom que se goze o vôo, que se sinta a adrenalina a bombar nas artérias, pupilas dilatadas e coração em fast forward.
Tu, que prendes entre os dentes a faca com que rompeste os meus planos de panos e vôos planados, é bom que uses a lâmina para apontar ao meu peito em vez de lamentares enquanto me vês cair. Os teus lamentos são imaturas consequências dessa instabilidade pueril. Se querias ser o meu homem, saltavas comigo.
A Revolução não é feita só de tiros nem de cravos. A Revolução também é feita de beijos que atingem em cheio o peito - uns ferem, outros matam - e de beijos perdidos, disparados sem mira e sem pontaria, para o ar.
A Revolução não se acompanha só de música de intervenção. Também se instiga com estrofes melosas cantadas baixinho ao ouvido, com poemas de Cortázar, e com a canção do bandido.
A Revolução sou eu, foi o que ele disse. Não acreditas? Ou tens medo de ir à luta sem armas?
Quero cuidar-te. Lamber as tuas feridas.
O amor não oprime, ou não é amor. E não havendo maior Revolução que o amor, também não existirá amor maior do que a transformação revolucionária do que está errado, injusto e triste. Eu sou a Revolução, tu és a Revolução. Seremos mártires ou carrascos, mas jamais amordaçados, jamais apenas vítimas sem nome, águas estagnadas e conformadas. Não me renderei.
Faz hoje um mês de espanto pela espinha abaixo. Roubaram-me um beijo a meio caminho de outro destino. Tentaram roubar mais beijos, abraçaram-me com força e com ternura. Fizeram-me festas nos braços e no ego. Ouvi coisas bonitas pingar de uma voz de mel, que sorria, toda minha.
Faz hoje um mês que a minha cabeça deu um nó e qualquer coisa selvagem se desamarrou do coração. Sou arrastada a galope do temporal, sem saber se naufrago ou afundo.
Fui roubada naquele dia.
Faz hoje um mês de tormenta, de infinito e de poesia. Faz um mês de Ventania.
(Estou de volta.)
Olhar para o calendário consegue deixar-me ainda mais boquiaberta. Foram precisos apenas 20 dias (menos, bem menos) para questionar quase tudo. Do avesso, repito, foi o que me aconteceu. Virada do avesso.
Talvez tenha sido precipitação, mas já sou crescida o suficiente para não ter medo de mergulhar. Não sei mergulhar, não sei suster a respiração e desconheço os segredos das sereias lá no fundo dos oceanos, mas sei que os travões da razão não podem nada contra o sonho. É apenas e só pelo sonho que vamos, que ninguém se iluda. Se pudesse fazer chegar conselhos a mim própria numa viagem ao passado, dizia-lhe isso, em jeito de confirmação do que já sabia há muito e teimo em contrariar. Aliás, pudesse eu e espetava com essa verdade na minha própria tromba diariamente, com força, para doer.
Se o sonho se materializa, ali à tua frente, sem plano e sem rede, num qualquer Largo do Regedor, atira-te de cabeça. Não o deixes escapar, porque talvez nada volte a ser feito dos mesmos sonhos que aqueles, no mesmo plano terreno, porque não há outro daqueles e em havendo, que importa, se é aquele o teu sonho, o único que queres viver, com que queres ir à luta e mudar o mundo. Se o sonho te quiser beijar, não fujas. Beija-o com toda a vontade que tens - tanta!, como nunca antes tiveste. Agarra-te ao pescoço dele e não largues. Roça-lhe os dentes pela barba, agarra-lhe as duas mãos e diz o que estás a calar, até hoje. Faz todas as promessas que não podes fazer, dá por completo o que tens tanto medo de dar, aceita o que é bonito e genuíno - e teu se o quiseres. Sem garantias de nada, só com a subtil magia da antecipação de ter o mundo todo, ou tudo o que interessa do mundo, naquelas duas mãos que te querem, que te procuram desde sempre. Se te chamarem quando segues para norte, fica. Deixa de armadilhar o caminho enquanto dormes e de inventar desvios. Se acaso tiveres o privilégio de sentir o sonho a teu lado, tão real, de mãos dadas e com os lábios colados aos teus, não penses. É quando pensas demais que falas demais e dizes o que não queres para ouvir o que queres. Tão independente, tão aventureira e destemida em tudo o resto na vida, e encolhes-te toda quando o amor te puxa. Pensas que não é verdade, que não mereces, e borras-te toda com medos mil. Tanto tempo passado a lamentar fugas alheias e rejeitas o sentido disto tudo só porque vem numa hora difícil, sob formatos inéditos, com dificuldades acrescidas. Sabes bem que isso não vale, quando o fim vale muito mais. As Revoluções não se fazem sem vítimas. Venham os cravos. O que vale é o Sonho. Pelo sonho é que vamos. Cola-te ao sonho como se lhe pertencesses mais do que o sonho pertence a ti, cobre-o de beijos em rajadas, navega nas barbas dele, manda-o ao chão indefeso, entrelaça os teus pés nos dele, adormece-o com festas nos caracóis.
Os primeiros beijos contam toda a história da relação que selam. Um pouco como a máxima da ontologia recapitular a filogenia em reverso. O quando, o onde e o como dizem tanto sobre os enamorados.
Às vezes penso nestas coincidências que o Universo nos apresenta, ou que teimamos em escarafunchar até as descobrir.
À porta de casa, como nos filmes, beijo de cinema, longo e lento, uma mão que levava a chave para se despedir, num final já antecipado - e que afinal saiu tão ao lado.
Um atrevimento num comboio lá do outro lado do mundo, com a noite estrelada a lambuzar de azul dois rostos que brilhavam, espantados, mais que nunca, além da projecção imaginada. Ao som de carris a cantar às constelações, a marcar com sinais atabalhoados a surpresa na vida de cada um. Algo mágico que só funciona noutro continente e com outra pele, como um capítulo inteiro entre parêntesis rectos - a retomar um destes dias, bem sei.
E depois os beijos roubados, de repente, a meio de uma rua da cidade, no dia (instante?) em que nos conhecemos, coração a palpitar e pernas a tremer - e agora, o que é que eu faço?!
Beijos inesperados, antecipados num outro cenário ou com outro guião, que saem do plano, que trocam as tintas e as voltas - sou pião, barata tonta, nómada sem mapa. Ainda não lhes sei antever rumo certo, ou suave. Destinados a ser desde a primeira sílaba, inevitáveis, fatais como o destino de que tentamos escapar a todo o custo. Como se acreditássemos em fados, como se não fosse o nosso âmago cristalizado em qualquer coisa sem nome certo, alma ou coração ou quem somos, que nos empurrasse para aquele momento, aquela fuga. Desastre, ruína, sangue e entranhas a escorrer, e tudo está certo e no seu lugar, que o único desfecho possível é morrer de amor de todas as vezes.
Tento enganar o pensamento, distraí-lo com trabalho, pensamentos abstractos ou disparates, mas é a ti que encontro. Leio mais um conto do velho livro do Gabriel, mas revejo-te nas palavras inesperadas, nos absurdos caribenhos, nas imagens que vou pintando de surrealismo improvisado. Dou por mim a recordar-te a voz suave – suavecito - em repetição, a recordar-te cada pensamento, o idealismo, esse tal que me agarrou forte pelos ombros e me sacudiu de cima a baixo. Divago novamente e regresso aos beijos, a esses lábios de nuvem morna e doce que deixaram saudades. Perco-me.
Faço um esforço para me lembrar que não tens sido correcto, para recordar o buraco fundo no peito em que a tua frieza me enterrou. Respiro fundo e continuo a andar. Nem a mim me engano - os olhos procuram-te na multidão, inconscientes, e a respiração suspende quando outra barba negra surge ao longe. O instinto é perguntar por ti, saber onde estás e quando posso voltar a ter o teu sorriso na mão. Vem ter comigo, vamos ver o mar, fazer festas aos gatos. Fala-me baixinho ao ouvido e pede outra vez que te chame namorado.
Cerro os lábios e insisto, não vou ceder. Não sou um acessório a usar só quando precisas de mim, que pode ficar arrumado na prateleira até lá. Se nunca serei a prioridade, então não quero ser nada. O amor não é lógico mas também não é um sentimento em part-time. Vai lá salvar o mundo com os teus longos textos sem a audiência que merecem, ou dormir, ou recrutar mais um insatisfeito, ou lá o que é que te consome todos os segundos. Fico zangada e triste, mas resisto. Disse que me ias arruinar, mas não vou permitir. É que - sabes? - também é o meu idealismo que me salva de ti.
Já da maldita inquietação…
Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia
caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer
o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.
Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.
O AMOR
"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e
descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe,
não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."
Miguel Esteves Cardoso
usurpado do Pingo de Mel
Feels all wrong
Nothing went the way gods designed
Forgot to push the off button
And the heart still pounds
Happy flavours growing thin
You remember nothing or try to forget
Every single kiss, every single word
Are you strong enough?
My knees tremble like they did
That first night
Speeding under the stars
Tears hide because truth hurts
In every inch of touched skin
Don’t want to talk
Don’t want to admit I dreamt so much more
My soul reluctantly bleeds
Each drop echoes in sleepless floors
You step on and away from
Are you trying hard not to know I’m here
Pushing me away in every way you can
Or just trying to hide?
Are you strong enough to make it all go away
In a faded old photo memory?
So why are you still here
If you don’t know my name?
Just another handful of salt
In fleshy secrets
What might bring you back to life?
Um dos meus poemas favoritos de um dos meus autores favoritos, que hoje faço meu, porque meu poderia ser. Hoje regressei a um sítio que não visitava há longos meses e não chorei. Sorri. Terá sido ontem ou há mil vidas atrás?
ADEUS - Eugénio de Andrade
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus